Cirrose na emergência: como manejar as principais complicações (parte 2)

Seguindo a ordem da cascata de complicações relacionadas à cirrose, discutiremos nesse artigo a peritonite bacteriana espontânea.

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No primeiro artigo da nossa série abordamos o manejo emergencial da hemorragia digestiva alta varicosa no paciente cirrótico. Hoje, seguindo a ordem da cascata de complicações relacionadas à cirrose, discutiremos a peritonite bacteriana espontânea.

Epidermólise bolhosa

Peritonite bacteriana espontânea (PBE)

O que é:

Infecção do líquido ascítico em pacientes com hipertensão portal, ocasionada pela translocação bacteriana de germes da luz intestinal. É a infecção bacteriana mais comum no paciente cirrótico, com mortalidade intra-hospitalar de aproximadamente 20%.

O que predispõe:

Além da hipertensão portal grave com ascite, em geral volumosa, que é necessária para tal complicação, baixos valores de proteína no líquido ascítico (LA) e hemorragia digestiva alta (nos 5-7 dias seguintes a um episódio).

Manifestações:

A maioria dos pacientes é sintomática, sendo febre, dor abdominal inespecífica e alteração do nível de consciência as manifestações mais comuns. Entretanto, até 15% dos pacientes podem ser assintomáticos, o que justifica a realização de paracentese em todos os pacientes cirróticos com ascite que procuram emergência por qualquer outra queixa (hemorragia digestiva alta, disfunção renal/redução da diurese, piora da função hepática ou EH).

Como diagnosticar:

É necessária a realização de uma paracentese diagnóstica, na qual devem ser retirados aproximadamente 15mL de LA, e o material enviado para celularidade (frasco roxo – EDTA) e cultura (a inoculação do material nos frascos com meio de cultura para germes comuns aumenta a sensibilidade do exame para até 80%).

  • >250 polimorfonucleares (PMN) e cultura positiva: PBE
  • >250 PMN e cultura negativa: ascite neutrofílica
  • <250 PMN e cultura positiva: bacterascite

Germes mais comumente implicados são: E. coli, Klebsiella pneumoniae, pneumococo e outras espécies de estreptococos, enterococos, outras enterobactérias.

Diagnóstico diferencial:

Peritonite bacteriana secundária, geralmente o LA possui celularidade muito aumentada (≥ 10.000 PMN), proteína elevada, glicose <50 mg/dL, LDH do líquido maior que sérico e cultura polimicrobiana.

LEIA MAIS: Saiba como identificar e tratar a sepse no paciente cirrótico

Como manejar:

Como a sensibilidade das culturas é baixa, PBE e ascite neutrofílica devem ser tratadas da mesma forma (abaixo). Bacterascite deve ser novamente puncionada após o resultado da cultura (cerca de 48h) – ela tanto pode ser a contaminação do líquido com um germe da pele quanto a fase muito precoce da PBE.

1º) antibioticoterapia: recomenda-se o uso de uma cefalosporina de 3ª geração (ceftriaxone 2g IV 1x/dia – mais disponível, ou cefotaxima 2g IV 12/12h) por 5 a 8 dias na PBE comunitária; nas PBE nosocomiais, é recomendado o emprego de meropenem 1g IV 8/8h (nota: os protocolos que orientam o tratamento da PBE são escritos pelas sociedades americana e europeia de hepatologia, que possuem germes com perfis de sensibilidade diferentes dos do Brasil; nossos especialistas discutem ser possível o emprego de piperacilina-tazobactam com satisfatória taxa de sucesso). É importante a coleta de hemoculturas e o início rápido da antibioticoterapia.

2º) outras medidas: suspender diuréticos, betabloqueadores, não utilizar drogas nefrotóxicas e evitar paracenteses de grandes volumes durante a infecção. Profilaxia de síndrome hepatorrenal: albumina 1,5 g/kg no 1o dia e 1 g/kg no 3º dia.

Profilaxia:

Em nosso meio é realizada preferencialmente com norfloxacino 400mg 1x/dia; outras opções incluem ciprofloxacino 500mg 1x/dia e sulfametoxazol-trimetoprim 800/160mg 1x/dia.

Primária

– Após episódio de hemorragia digestiva alta: indicada a todos os pacientes, mesmo que não tenham ascite; à exceção das doses-padrão para outras profilaxias, é realizada com ceftriaxone 1x/dia ou norfloxacino 400mg 12/12h durante 7 dias.

– Cirrótico sem PBE prévia: bastante controversa; em pacientes internados, aqueles que têm proteína total do líquido ascítico <1,0 g/dL parecem se beneficiar de profilaxia; e naqueles que possuem proteína do LA < 1,5 g/dL + disfunção hepática grave (Child ≥ 9 + Bilirrubina > 3 mg/dL) ou disfunção renal (Creatinina ≥ 1,2mg/dL + Ureia ≥ 25 mg/dL ou Sódio ≤ 130 mEq/L) a profilaxia primária reduziu incidência de PBE, SHR e a mortalidade em 1 ano.

Secundária

– Cirrótico com episódio prévio de PBE: é indicada em todos os pacientes que já tiveram um episódio de PBE até o transplante hepático ou a resolução da ascite.

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Referências:

  • Angeli, P. et al. EASL Clinical Practice Guidelines for the management of patients with decompensated cirrhosis, Journal of Hepatology, 69: 406 – 460, 2018. doi: 10.1016/j.jhep.2018.03.024

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