Como abordar infecção do trato urinário de repetição em mulheres?

Infecção do trato urinário de repetição é uma condição frequente que afeta desproporcionalmente mulheres adultas.

Infecção do trato urinário (ITU) é uma condição frequente que afeta desproporcionalmente mulheres adultas, principalmente as na pós-menopausa. Entretanto, manejo e formas de prevenção ainda não estão bem definidos. 

Define-se ITU de repetição como infecção comprovada por urinocultura que tenha ocorrido pelo menos duas vezes em seis meses ou três vezes em um ano. Uma revisão da JAMA aborda recomendações de tratamento e avaliação de ITU recorrente nessa população. 

médico orientando mulher com infecção do trato urinário recorrente

Infecção de trato urinário de repetição

A maioria das mulheres com ITU recorrente procura atendimento médico durante episódios de ITU sintomática, normalmente referindo mudança no padrão de frequência das infecções. Os autores recomendam como parte da avaliação inicial a pesquisa de fatores associados a esse aumento de frequência, como início de vida sexual, novo parceiro sexual, uso de novas formas de contracepção, uso de cateter vesical, cirurgia pélvica, sinais de diminuição de estrogênio decorrente da menopausa, incontinência fecal ou diarreia ou início de alguma comorbidade ou de seu tratamento, como diabetes, imunossupressão ou alterações neurológicas que afetem o esvaziamento vesical. 

Avaliação detalhada dos episódios de ITU também deve ser feita: início dos sintomas, tratamentos e urinoculturas prévias, alergias medicamentosas, medidas preventivas que já estejam em prática e preferências da paciente em relação à escolha de tratamento e de medidas de prevenção. Sintomas clássicos de ITU incluem disúria, urgência urinária, dor lombar ou suprapúbica, hematúria e/ou febre documentada. Alterações de odor ou coloração não são patognomônicos de infecção, principalmente se não acompanhados de outros sintomas. 

Em relação ao exame físico, recomenda-se atenção aos exames abdominal, neurológico e ginecológico, visando a identificar possíveis fatores modificáveis, como atrofia geniturinária em mulheres da pós-menopausa, presença de divertículos uretrais ou prolapso vaginal que se estende além do hímen. Em pacientes com doenças neurológicas ou diabetes, deve-se considerar realização de exames complementares para avaliar a capacidade de esvaziamento da bexiga. 

Plano terapêutico

Para mulheres com ITU recorrente, o plano terapêutico deve ser individualizado, discutindo-se as preferências da paciente em relação ao uso de antibióticos, coleta de urinoculturas, uso de reposição hormonal e adoção de medidas não farmacológicas. 

É importante identificar o subgrupo de pacientes com ITU recorrente que necessita de referenciamento para especialidades como ginecologia, urologia ou proctologia, como as mulheres com massas pélvicas, prolapso vaginal, prolapso retal, cálculos renais, cateterização crônica da bexiga, imunossupressão, sintomas atípicos (hematúria macroscópica, pneumatúria pós-realização de procedimentos), progressão rápida para sepse, presença de organismos multirresistentes ou história de ITUs complicadas.  

Para o tratamento dos episódios sintomáticos de ITU não complicada, 3 a 5 dias de antibioticoterapia são suficientes, dando-se preferência por antibióticos orais. Hidratação e analgésicos urinários podem auxiliar no alívio sintomático. 

A escolha empírica de antibiótico pode ser baseada nos resultados de urinoculturas anteriores, presença de comorbidades ou alergias, com ajuste posterior conforme resultado de urinocultura do episódio atual. 

Embora não se recomende coleta de urinoculturas de controle após o tratamento, em algumas situações sua realização pode se mostrar útil. A persistência de sintomas na presença de urinocultura negativa indica que diagnósticos alternativos devem ser pesquisados, como síndrome da bexiga dolorosa, bexiga hiperativa, carcinoma in situ, infecções vaginais ou vulvares ou tuberculose do trato geniturinário. Para os casos de bacteriúria persistente apesar de antibioticoterapia apropriada, deve-se considerar as hipóteses de esvaziamento incompleto da bexiga, presença de corpo estranho, fístula enterovesical, divertículo de uretra, cálculos urinários ou anormalidades do trato urinário. 

Medidas preventivas

Assim como o plano terapêutico, as medidas preventivas também devem ser individualizadas, incorporando as especificidades e preferências da paciente. Aumento de ingesta hídrica, micção frequente, higiene perineal, doses baixas de estrogênio tópico vaginal ou antibióticos profiláticos são exemplos de estratégias que podem ser adotadas. 

Para os casos associados a relações sexuais, uso de antibióticos no período pericoito pode ser uma estratégia eficaz. Já os casos associados à atrofia geniturinária podem se beneficiar de 3 a 6 meses de reposição hormonal tópica. Antibioticoprofilaxia contínua só é recomendada em um grupo seleto de pacientes, sendo nitrofurantoína, sulfametoxazol-trimetoprim, cefalexina e fosfomicina as opções principais, geralmente por um tempo de 3 a 6 meses. 

Pacientes em uso de antibiótico devem ser monitoradas em relação ao desenvolvimento de eventos adversos ou a alterações no perfil de resistência. 

Outras estratégias, como vitamina C, probióticos, cápsulas vaginais de lactobacilos, extratos de alho ou cranberry e suplementação com L-arginina ou D-manose, não possuem evidências robustas de eficácia na literatura. 

A última revisão da Cochrane, publicada em 2012, mostra que, embora pequenos estudos demonstrem um pequeno benefício com o uso de preparações de cranberry, quando um estudo maior é adicionado à análise, os resultados deixam de ser estatisticamente significativos. Com isso, os autores concluem que esse tipo de intervenção não pode ser recomendado para a prevenção de ITU em mulheres. 

Entretanto, o guideline conjunto das Associações de Urologia Americana e Canadense sobre ITU não complicada recorrente em mulheres, lançado em 2019, coloca que preparações orais de cranberry (sucos ou cápsulas) podem ser oferecidas como opção profilática. Outras opções, como lactobacilos, D-manose, biofeedback, terapia imunoativa ou terapia intravesical com ácido hialurônico ou condroitina não são recomendadas. 

A tabela abaixo resume as recomendações dos autores em relação a tratamento e medidas de prevenção de acordo com as características da paciente. 

Característica da paciente

Aspectos importantes na história e exame físico Tratamento

Prevenção

Pré-menopausa Relacionado à atividade sexual Antibioticoterapia apropriada Modificar práticas sexuais (evitar sexo anal); antibioticoterapia pós-coito
Pós-menopausa Atrofia geniturinária Antibioticoterapia apropriada Estrogênio vaginal
Relacionado à atividade sexual Antibioticoterapia apropriada Modificar práticas sexuais (evitar sexo anal); antibioticoterapia pós-coito
Sintomas atípicos (sintomas sistêmicos com mudança no hábito urinário) Antibioticoterapia apropriada Avaliar fatores de risco
Pielonefrite Febre e sintomas Antibioticoterapia apropriada Avaliar fatores de risco
Cateterismo vesical Sintomas variáveis Antibioticoterapia apropriada quando sintomática Cuidados com cateter
Esvaziamento vesical incompleto Sintomas variáveis Antibioticoterapia apropriada Referenciar ao especialista
Diabetes (tipicamente com neuropatia) Sintomas variáveis Antibioticoterapia apropriada Manejar glicosúria; avaliar esvaziamento vesical
Prolapso uterino avançado Sintomas variáveis Antibioticoterapia apropriada Correção cirúrgica; pessário vaginal
Fístula enterovesical Pneumatúria tipicamente associada a história de diverticulite ou cirurgia abdominal Antibioticoterapia apropriada quando sintomática Considerar antibioticoterapia supressiva até resolução de fístula
Nefrolitíase ITU recorrente com o mesmo agente; sintomas variáveis Antibioticoterapia apropriada Considerar retirada de cálculos
Divertículo uretral Sintomas variáveis; dispareunia, protuberância vaginal Antibioticoterapia apropriada quando sintomática Considerar antibioticoterapia supressiva até resolução de divertículo

Mensagens práticas

– Pesquisar fatores anatômicos ou comportamentais que possam predispor à recorrência de infecções urinárias; 

– Procurar resolver os fatores modificáveis, referenciando para outros especialistas quando necessário; 

– Solicitar urinocultura, sempre que possível. Avaliar sintomas, evitando o tratamento de bacteriúria assintomática; 

– Individualizar estratégias de prevenção. 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Aslam, S, Albo, M, Brubaker, L. Recurrent Urinary Tract Infections in Adult Women. JAMA Insigths Women’s Health 2020. doi: 10.1001/jama.2019.21377 
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  • Anger J, Lee U, Ackerman AL, Chou R, Chughtai B, Clemens JQ, Hickling D, Kapoor A, Kenton KS, Kaufman MR, Rondanina MA, Stapleton A, Stothers L, Chai TC. Recurrent Uncomplicated Urinary Tract Infections in Women: AUA/CUA/SUFU Guideline. J Urol. 2019 Aug;202(2):282-289. doi: 10.1097/JU.0000000000000296. Epub 2019 Jul 8.