Como abordar o paciente “recuperado” da Covid-19?

Para alguns pacientes, a melhora parcial dos sintomas ou um PCR negativo não significa “recuperado” ou um final feliz após a Covid-19.

Participava de uma pesquisa e precisei entrar em contato com uma paciente do estudo no dia 30 após admissão hospitalar. Ela havia encarado um período longo de internação por Covid-19, ficou em torno de 20 dias intubada e sua alta havia sido considerada um milagre por muitos profissionais que a conheceram. Quando liguei, minha expectativa era de ser atendida por alguém recuperada da Covid-19, uma senhora feliz e grata. Mas fiquei uma hora no telefone acolhendo alguém com muitas queixas, ressentimentos, medos e inseguranças.

Para alguns pacientes, a melhora parcial dos sintomas ou um PCR negativo não significa um final feliz após a Covid-19. Há os que saíram do hospital com a placa “eu venci a Covid”, cujas jornadas de recuperação apenas começaram. Os sintomas debilitantes, como fadiga, dor de cabeça e dispneia, podem durar semanas ou mais.

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Mesmo após ser recuperado paciente demonstra preocupação e se protege da Covid-19

Recuperado da Covid-19

Nos casos de recuperação em quadros mais graves de Covid, podemos fazer uma correlação com estudos em populações semelhantes. Pesquisas sugerem que pelo menos 50% das pessoas que sobrevivem à admissão em uma unidade de terapia intensiva (UTI) podem ficar com “síndrome de tratamento pós-intensivo”, que reúne sintomas emocionais, cognitivos e físicos.

Os sobreviventes de doenças críticas podem frequentemente retornar às suas rotinas com problemas de memória e dificuldade de processamento semelhantes aos que sofrem de lesão cerebral traumática moderada ou demência leve. Em 10 a 50% dos casos há a possibilidade de apresentarem transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Um estudo recente publicado no JAMA abordou especificamente a síndrome pós-Covid. Foram avaliados 143 pacientes após a alta hospitalar por internação por Covid-19. Após uma média de dois meses do início dos sintomas, somente 12,6% dos indivíduos da coorte estavam completamente livres de sintomas relacionados ao novo coronavírus. Aproximadamente, 32% ainda apresentavam um ou dois sintomas e 55%, três sintomas ou mais.

Em relação à qualidade de vida, 44,1% dos participantes reportaram piora em relação a antes da infecção. Fadiga foi o sintoma persistente mais frequentemente observado, atingindo mais da metade da população estudada (53,1%), sendo seguida de dispneia (43,4%), dor articular (27,3%) e dor torácica (21,7%). Tosse, anosmia, síndrome sicca, rinite, hiperemia ocular, disgeusia e cefaleia foram outros sintomas reportados como persistentes.

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O que avaliar em uma consulta com paciente pós-Covid-19?

No Brasil, ainda vivemos um período com muitos casos de Covid-19 e óbitos. Mas há uma necessidade clara de intervenções para melhorar a qualidade de vida dessa população recuperada. Para muitos pacientes ainda há medo, dada a natureza desconhecida do vírus, de que seus sintomas persistam por muito tempo. Alguns passos importantes para abordar os casos são:

  • Haver um espaço para que esses pacientes possam ser atendidos e acolhidos: em geral, há muitas dificuldades para os pacientes entrarem em contato com seus médicos com queixas de sintomas persistentes após uma infecção aguda. É importante que haja este espaço de acolhimento e acompanhamento no pós-alta, de preferência com abordagem multidisciplinar, incluindo abordagem de clínicos e profissionais da saúde mental. O check-in em intervalos definidos, mesmo que não pessoalmente, mas por meio de um telefonema, pode ocorrer por um bom período após a alta;
  • Avaliar e, quando apropriado, descartar infecções secundárias ou condições recém-desenvolvidas;
  • Encorajar os pacientes a se desenvolverem lentamente: orientá-los a trabalhem primeiro em suas atividades da vida diária (tomar banho, se arrumar), depois em atividades instrumentais diárias (cozinhar, limpar, verificar a correspondência) e, em seguida, engajar-se, com base em sua tolerância aos sintomas, a exercícios leves intencionais;
  • Avaliar necessidade de testes de função pulmonar e imagens que podem ser úteis para acompanhar o progresso dos pacientes;
  • Estar atento à saúde mental dos pacientes e, quando necessário, considerar encaminhamentos para profissionais especializados.

É importante ressaltar que ainda não sabemos exatamente quais questões os sobreviventes da Covid-19 enfrentarão a longo prazo.  Deve-se considerar que a sedação profunda e prolongada que esses pacientes frequentemente requerem para tolerar manobras de ventilação podem gerar disfunções cognitivas e físicas.

Além disso, o isolamento da família e um possível aumento relacionado do delirium podem piorar as sequelas cognitivas e psicológicas, incluindo sintomas de estresse pós-traumático. Aguardamos os resultados de novos estudos que avaliem essas questões, mas um acompanhamento pós-internação com abordagem integral já é essencial.

Mensagem final

  • Muitos pacientes podem experimentar sintomas persistentes após a fase aguda da Covid-19, com um impacto negativo na qualidade de vida;
  • Deve haver uma estrutura de acolhimento e acompanhamento clínico para os pacientes pós-Covid-19;
  • Deve-se estar atento à saúde mental dos pacientes e, quando necessário, considerar encaminhamentos para profissionais especializados.

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Referências bibliográficas:

  • Carfi, A, Bernabei, R, Landi, F. Persistent Symptoms in Patients After Acute COVID-19. JAMA July 9, 2020. doi:10.1001/jama.2020.12603
  • Marra A, Pandharipande PP, Girard TD, et al. Co-Occurrence of Post-Intensive Care Syndrome Problems Among 406 Survivors of Critical Illness. Crit Care Med. 2018;46(9):1393-1401. doi:10.1097/CCM.0000000000003218
  • Lamas and colleagues. What comes after covid-19? Preparing for post-intensive care syndrome. The BMJopinion.
  • Swift, D. COVID-19 Symptoms Can Linger for Months. Medscape News. July 13, 2020. Disponível em: https://www.medscape.com/viewarticle/933835

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