Como as equipes de Saúde da Família podem atuar em desastres ambientais?

Desastres ambientais, como o de Petrópolis, impressionam. O impacto na saúde da população é evidente e isso levanta a questão: como as equipes de Saúde da Família podem ajudar?

A tragédia ocorrida em fevereiro de 2022, em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, impressiona pelas imagens e pela quantidade de vítimas. Desastres como esse podem acontecer, principalmente em áreas de risco – e também se repetir, como podemos perceber ao lembrar de tragédia parecida na mesma região em 2011.

O impacto na saúde da população que mora nesses locais é evidente e isso levanta uma questão: como as equipes de Saúde da Família (eSF) podem ajudar diante da ocorrência desses eventos?

médicos da saúde da família conversando sobre estratégia para desastres ambientais

Saúde da Família em desastres ambientais

Sabemos que a responsabilidade sanitária dos pacientes de uma determinada comunidade é de responsabilidade da eSF que atende o local. Assim, mesmo não se tratando de eventos cotidianos, é essencial que os profissionais estejam preparados para o caso dessas tragédias naturais. Situações como a vivida em Petrópolis nos últimos dias são caóticas e certamente necessitam de adaptação das equipes de saúde, em termos de recursos e de serviços oferecidos.

Evidentemente, cada evento vai ter características singulares e os fatores relacionados à organização prévia da comunidade e dos próprios serviços de saúde locais vão variar. Mas quais seriam as recomendações gerais para as equipes nesse sentido?

Em primeiro lugar, os locais que contam com equipes de Saúde da Família já estabelecidas podem ajudar com o conhecimento sobre o contexto cultural local e com o vínculo estabelecido com a população. Vítimas desabrigadas, por exemplo, tendem a se sentir melhor acolhidas e mais confiantes quando atendidas por médicos que já as conhecem. Os cadastros das famílias realizados pelas equipes também podem ser de grande ajuda, ao auxiliar na procura de endereços e domicílios que possam estar soterrados, por exemplo. Essa base de famílias que a unidade de saúde possui pode contribuir também no mapeamento da população após o momento agudo do desastre, com identificação de pacientes desaparecidos e outras finalidades.

Leia também: Reflexões iniciais sobre psicologia das emergências e catástrofes

As eSF já existentes no local podem experimentar a perda de pacientes e até de famílias inteiras as quais acompanhavam anteriormente. Essa dor pode ser ainda mais importante entre os agentes comunitários de saúde (ACS) que costumam morar na própria comunidade e sofrer com a perda de familiares, vizinhos e de bens materiais.

É importante que a eSF tenha a sensibilidade de identificar aqueles profissionais que possam estar com dificuldades para cumprir suas atribuições, uma vez que precisam tentar conciliar a atuação profissional e as dificuldades pessoais vividas. É comum, inclusive, que durante a fase aguda após uma tragédia, exista muito empenho e motivação para ajudar nas buscas e no tratamento das vítimas, mas que pode evoluir, com o tempo, para um desânimo e um sofrimento causado pelo luto e pelas consequências das perdas. Além disso, é de se esperar que em momentos como os vividos após um deslizamento de terra causado por chuvas causem um aumento de atendimentos pelos profissionais da equipe, podendo causar neles sobrecarga física e emocional.

Diante de uma tragédia que acabou de acontecer, aconselha-se às equipes que tomem conhecimento dos planos de ação desenvolvidos pelas autoridades (geralmente Defesa Civil) e que fortaleçam as parcerias intersetoriais, de maneira a facilitar os fluxos e a comunicação com Conselho Tutelar, Centro de Assistência Social, iniciativas comunitárias, entre outros. O plano de ação deve ser constantemente revisitado e os profissionais de saúde têm papel fundamental nesse sentido. Por isso, é importante registrar os atendimentos realizados na unidade e em postos avançados, a vigilância de doenças endêmicas e epidêmicas e a identificação de grupos e indivíduos mais vulneráveis entre as vítimas.

Principais recomendações

De uma maneira geral, recomenda-se o atendimento em três frentes de ação:

  1. Atendimentos em postos “avançados”, em locais improvisados, dentro da comunidade.
  2. Abordagem nos abrigos e busca ativa.
  3. Reforço e atenção no atendimento de pessoas com demandas agudas e crônicas.

Nesses postos de atendimento improvisado, recomenda-se o acolhimento de demandas espontâneas, com uma espécie de triagem e encaminhamento de casos mais complexos para as unidades. Orienta-se também a vacinação contra o tétano e a verificação do estado vacinal dos pacientes. O registro dos casos atendidos é de suma importância para o desenho de um quadro epidemiológico (doenças diarreicas, leptospirose, infecções respiratórias, por exemplo).

Os abrigos – espaços de acolhimento a curto e médio prazo de vítimas desabrigadas, geralmente organizados pelo poder público – são locais extremamente estratégicos para a abordagem pelas eSF. É válido ressaltar que na sua organização, prioriza-se sempre a manutenção dos vínculos familiares e entre vizinhos, mantendo-os, de preferência, próximos uns aos outros, preservando o máximo possível da rede de apoio no cuidado de crianças, idosos e pessoas doentes. Alguns critérios definidos pela Carta de Assistência Humanitária da ONU sobre os abrigos devem ser seguidos:

  • Estar em uma zona de segurança;
  • Infraestrutura com salas e dormitórios, quantidade adequada de banheiros, local para lavagem de roupas e condições de higiene;
  • Estar protegido de vetores biológicos;
  • Possuir fornecimento de água, luz e local para preparo de alimentos,
  • Ter temperatura ambiente adequada;
  • Possuir possibilidade de delimitação de espaço físico, por família ou por pessoa.

Recomenda-se a troca e o esclarecimento sobre as normas do abrigo entre as pessoas abrigadas, bem como o estímulo à participação nas tarefas diárias do local, atividades recreativas e participação em grupos de apoio. É recomendável que o abrigo possua uma liderança. Geralmente, proíbe-se o uso de álcool pelas pessoas abrigadas, devido à sua associação com a violência. A eSF e as autoridades locais devem manter-se vigilantes também para possíveis casos de abusos físicos e sexuais e dedicar especial atenção às crianças, principalmente aquelas com perdas ou laços familiares fragilizados.

Apesar da situação de calamidade e caos vivida pelas pessoas vítimas de tragédias como a de Petrópolis, é necessário que haja, nos abrigos, um esforço ativo pela garantia de espaços privados e pela manutenção da individualidade e da privacidade de cada um. Permitir que cada pessoa possa guardar pertences – muitas vezes os poucos que restaram -, fotos e lembranças da família pode ajudar a manter a esperança e a reconstituir a normalidade da vida aos poucos.

De mesmo modo, deve-se estimular a manutenção da celebração de datas (como aniversários) e eventos culturais locais e práticas religiosas e espirituais: elas possibilitam o resgate dos laços sociais e o estabelecimento da rede comunitária, essenciais para os enfrentamentos do momento agudo e da reconstrução que virá pela frente.

Mensagem final

O papel do médico da Atenção Primária e da equipe de Saúde da Família diante de tragédias como a ocorrida em Petrópolis é, portanto, complexo e amplo, exigindo energia e dedicação dos profissionais.

Outras questões importantes diante desses cenários também são o cuidado da saúde mental dessa população, assim como a vigilância à saúde, para evitar uma “segunda tragédia” ocasionada por uma disseminação de doenças infectocontagiosas. É sobre essas abordagens que trataremos em uma próxima oportunidade. Até lá!

Referências bibliográficas:

  • Lopes DC; Barros FAC, Barros Filho MA, Silva MVO. Construindo comunidades mais seguras: preparando para a ação cidadã em defesa civil. Florianópolis: UFSC/CEPED; 2009.
  • Organização Mundial de Saúde. Carta Humanitária e Normas Mínimas de Resposta Humanitária em Situação de Desastre, 2010. Disponível online.
  • Gusso G, Lopes JMC. Tratado de Medicina de Família e Comunidade – 2a edição. Editora Artmed, 2019.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.