Como diagnosticar e tratar doenças respiratórias pelo novo coronavírus em pediatria?

Desde dezembro, uma epidemia causada pelo coronavírus 2019-nCoV ocorreu inesperadamente: até 31 de janeiro, mais de 20 casos pediátricos foram relatados.

Desde dezembro de 2019, uma epidemia causada pelo novo coronavírus (2019-nCoV) se iniciou inesperadamente na China: até as 20h de 31 de janeiro de 2020, mais de 20 casos pediátricos foram relatados. Desses, dez pacientes foram identificados na província de Zhejiang, com idade de início variando entre 112 dias a 17 anos.

Após a publicação do National recommendations for diagnosis and treatment of pneumonia caused by 2019-nCoV (the 4th edition) e o status atual da prática clínica na província de Zhejiang, o National Clinical Research Center for Child Health, o National Children’s Regional Medical Center, o Children’s Hospital e a Zhejiang University School of Medicine elaboraram as recomendações para o diagnóstico e tratamento da infecção respiratória causada pelo 2019-nCoV em crianças, para padronizar ainda mais o protocolo.

médica consultando menino por sintomas de doença respiratória por coronavírus

Coronavírus em pediatria

O artigo Diagnosis and treatment recommendations for pediatric respiratory infection caused by the 2019 novel coronavirus, de Chen e colaboradores, foi publicado na edição de fevereiro da revista World Journal of Pediatrics. O texto a seguir resume os principais tópicos abordados pelos autores.

Etiologia

  • O 2019-nCoV é um novo coronavírus humano, além dos já descritos coronavírus 229E, NL63, OC43, HKU1, coronavírus relacionado à síndrome respiratória do Oriente Médio (Middle East respiratory syndrome-related coronavirus – MERSr-CoV) e coronavírus relacionado à síndrome respiratória aguda grave (severe acute respiratory syndrome-related coronavirus – SARS-CoV);
  • O 2019-nCoV é um vírus de RNA de fita simples com um diâmetro de 60 a 140 nm. Apresenta forma esférica ou elíptica e é pleomórfico. Há relato de que a compatibilidade de sequências nucleotídicas inteiras em todo o genoma de 2019-nCoV com o coronavírus do tipo SARS em morcegos (bat-SL-CoVZC45) varia de 86,9 a 89%. A sequência nucleotídica da proteína dos espinhos na cápsula viral também é altamente consistente com a do bat-SL-CoVZC45 (84%) e do SARS-CoV (78%). A propriedade físico-química do 2019-nCoV ainda não foi esclarecida. Acredita-se que o 2019-nCoV seja sensível à radiação ultravioleta e ao aquecimento. De acordo com pesquisas sobre o SARS-CoV e o MERSr-CoV, o vírus pode ser inativado na temperatura de 56° C por 30 minutos e com o uso de solventes lipídicos, como etanol a 75%, desinfetantes contendo cloro, ácido peroxiacético e clorofórmio, mas não com clorexidina.

Epidemiologia

  • As principais fontes de infecção são pacientes infectados pelo 2019-nCoV com ou sem sintomatologia;
  • Há evidência de que os pacientes infectados por vírus em período de incubação também apresentam potencial de transmissão;
  • O novo vírus se espalha através de gotículas respiratórias quando os pacientes tossem, falam alto ou espirram. O contato próximo também é uma fonte de transmissão (por exemplo, contato com a conjuntiva da boca, nariz ou olhos através da mão contaminada). Ainda não foi estabelecido se a transmissão pode ocorrer através da mãe-bebê verticalmente ou pelo leite materno;
  • Existem suscetibilidades gerais em todos os grupos. No entanto, idosos e pacientes com doenças de base apresentam maior probabilidade de se tornarem casos graves. As crianças podem apresentar sintomas clínicos leves após a infecção.

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Manifestações clínicas

  • O período de incubação das infecções por 2019-nCoV varia de dois a 14 dias. Na maioria das vezes, varia de três a sete dias;
  • No início da doença, as crianças infectadas apresentam, principalmente, febre, fadiga e tosse, que podem ser acompanhadas por congestão nasal, coriza, expectoração, diarreia e cefaleia;
  • A maioria das crianças apresenta febre baixa a moderada. Pode não haver febre;
  • Dispneia, cianose e outros sintomas podem ocorrer à medida que a condição progride (em geral, após 1 semana da doença), acompanhada de sintomas tóxicos sistêmicos, como mal-estar ou inquietação, pouca aceitação da dieta, inapetência e hipoatividade;
  • Insuficiência respiratória sem resposta à oxigenoterapia convencional (cateter nasal, máscara) pode ocorrer dentro de 1 a 3 dias. Pode haver evolução para choque séptico, acidose metabólica, discrasia sanguínea e sangramento irreversível;
  • Taquipneia e estertores úmidos à ausculta geralmente indicam pneumonia;
  • A hipoxemia materna causada por infecção grave pode levar a asfixia intra-uterina, parto prematuro e outras complicações;
  • Os neonatos, especialmente os prematuros, com maior probabilidade de apresentar sintomas insidiosos e inespecíficos, precisam de uma observação mais cuidadosa;
  • De acordo com as condições atuais dos casos relatados, as crianças infectadas faziam parte de casos de agrupamento familiar, a maioria deles com bom prognóstico. Casos leves se recuperam de 1 a 2 semanas após o início da doença. Nenhum óbito em crianças foi relatado até agora.

 

Exames laboratoriais

  • A contagem de glóbulos brancos geralmente é normal ou há leucopenia, com diminuição da contagem de linfócitos. Em casos graves, pode haver linfopenia;
  • Proteína C reativa (PCR): normal ou aumentada;
  • Procalcitonina (PCT) : normal na maioria dos casos. O nível de PCT> 0,5 ng/mL indica a coinfecção por bactérias;
  • Elevação de enzimas hepáticas, enzimas musculares e mioglobina e o aumento do nível de D-dímero podem ser observados em casos graves.

Detecção do agente etiológico

  • O teste de ácido nucleico é o principal método de diagnóstico laboratorial. O ácido nucleico 2019-nCoV pode ser detectado por reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (Reverse transcription polymerase chain reaction – RT-PCR) ou por sequenciamento de genes virais de amostras de swabs de orofaringe, escarro, fezes ou sangue;
  • Partículas 2019-nCoV podem ser isoladas de células epiteliais respiratórias humanas através da cultura de vírus, mas esse experimento não pode ser realizado em laboratórios em geral. Atualmente, não estão disponíveis kits de teste de antígenos de vírus ou anticorpos sorológicos.

Exames de imagem

  • Radiografia de tórax: na fase inicial dos casos de pneumonia, as imagens do tórax mostram múltiplas pequenas sombras irregulares e alterações intersticiais, notáveis na periferia pulmonar. Casos graves podem evoluir para uma opacidade bilateral múltipla em vidro fosco, infiltrado e consolidação pulmonar. Derrame pleural é pouco frequente;
  • Tomografia computadorizada (TC) de tórax: as lesões pulmonares são mostradas mais claramente pela TC, incluindo opacidade em vidro fosco e consolidação segmentar pulmonar bilateral, especialmente na periferia pulmonar. Em crianças com infecção grave, múltiplas lesões lobares podem estar presentes em ambos os pulmões.

Diagnóstico diferencial

  • Outras infecções respiratórias virais: SARS, influenza, parainfluenza, adenovírus, vírus sincicial respiratório e metapneumovírus;
  • Pneumonia bacteriana;
  • Pneumonia por Mycoplasma.

Princípios do manejo

  • Os quatro princípios da “identificação precoce”, “isolamento precoce”, “diagnóstico precoce” e “tratamento precoce” devem ser enfatizados (“early identification”, “early isolation”, “early diagnosis” e “early treatment”);
  • Estratégias de isolamento estrito: o isolamento deve ser realizado quando os casos suspeitos forem identificados. Os casos confirmados devem ser admitidos nos hospitais designados;
  • Casos leves: antibióticos de amplo espectro e corticosteroides devem ser evitados;
  • Casos graves: antibióticos, corticosteroides, lavagem broncoalveolar (LBA), ventilação mecânica (VM) e outras intervenções mais invasivas, como diálise e a oxigenação por membrana extracorpórea (extracorporeal membrane oxygenation – EMCO) devem ser aplicadas com cautela, com base na avaliação de custo-benefício;
  • Cooperação multidisciplinar: o monitoramento rigoroso das condições do paciente e o ajuste oportuno dos protocolos terapêuticos por meio da cooperação multidisciplinar são de grande importância.

Tratamento

  • Isolamento: o caso suspeito deve ser isolado em um quarto individual. Casos confirmados podem ser colocados no mesmo quarto;
  • Avaliação: durante o curso do tratamento, deve-se ter atenção às mudanças nas condições da criança. Monitore regularmente os sinais vitais e a saturação de oxigênio. Identifique os casos graves o mais cedo possível;
  • Estratégias gerais: repouso no leito e tratamentos de suporte; ingestão suficiente de calorias e de água; manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico e da homeostase; psicoterapia para crianças mais velhas, quando necessário.
  • Terapia antiviral: atualmente, não existem medicamentos antivirais eficazes para crianças. Os autores recomendam:
Nebulização com interferon-α2b. Duas vezes/dia por 5 a 7 dias

Casos leves: 100.000–200.000 UI/kg

Casos graves: 200.000 a 400.000 UI / kg

Lopinavir/ritonavir (200 mg/50 mg)  Duas vezes/dia por 1-2 semanas

Peso 7-15 kg: 12 mg /3mg/kg

Peso 15-40 kg: 10 mg/2,5 mg/kg 

Peso > 40 kg: 400 mg/100 mg como adulto

Embora não exista um tratamento oficial e eficaz contra o coronavírus, a pílula antirretroviral lopinavir/ritonavir da AbbVie  (Aluvia, também conhecida como Kaletra), mostrou alguns potenciais pedidos posteriores das autoridades de saúde para ajudar a resolver a crise. A AbbVie doou mais de US $ 1 milhão em medicamentos seguindo as orientações da Comissão Nacional de Saúde da China, que sugere o uso de duas pílulas de lopinavir/ritonavir e uma dose de interferon alfa nebulizado duas vezes por dia. O Kaletra funciona bloqueando uma protease que o coronavírus precisa para se reproduzir no corpo humano. Embora essa não seja a mesma protease para qual a droga foi inicialmente projetada para bloquear, pode ser comparável o suficiente para retardar a progressão da doença e tratar os sintomas associados ao vírus. O medicamento foi testado anteriormente em pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), cujos agentes etiológicos virais pertencem a uma família semelhante de vírus. Todavia a eficácia, o curso do tratamento e a segurança dos medicamentos acima ainda precisam ser determinados.
  • Antibioticoterapia: o uso irracional de antibióticos deve ser evitado. O monitoramento bacteriológico deve ser fortalecido. Se houver evidência de infecção bacteriana secundária, antibióticos apropriados devem ser usados oportunamente;
  • Terapia imunomoduladora:
Corticosteroides  Devem ser evitados. 

Os autores consideram nas seguintes situações:

  • Imagens de tórax em rápida deterioração e ocorrência de síndrome do desconforto respiratório agudo; 
  • Sintomas tóxicos óbvios, encefalite ou encefalopatia, síndrome hemofagocítica e outras complicações graves; 
  • Choque séptico; 
  • Sibilância óbvia. 

Os autores recomendam metilprednisolona intravenosa (IV) (1-2 mg/kg/dia) por 3-5 dias.

Imunoglobulina IV Pode ser usada em casos graves, mas sua eficácia precisa de avaliação adicional. 

A dose recomendada é de 1,0 g/kg/dia por 2 dias ou 400 mg/kg/dia por 5 dias.

  • LBA: não é adequada para a maioria dos pacientes e há um risco aumentado de infecção cruzada. As indicações devem ser rigorosamente controladas.
A LBA pode ser considerada nas seguintes situações:

  • Sintomas óbvios de obstrução das vias aéreas;
  • Atelectasia maciça refratária indicada por imagem;
  • Aumento significativo do pico de pressão durante VM;
  • Diminuição do volume corrente ou baixa oxigenação que não podem ser revertidos por tratamentos conservadores.
  • Suporte orgânico: em caso de disfunção hemodinâmica, drogas vasoativas devem ser usadas para melhorar a microcirculação, baseadas em suporte líquido adequado. Pacientes com lesão renal aguda devem receber diálise a tempo. Se ocorrer hipertensão intracraniana e convulsão em crianças, é necessário reduzir o risco de aumento da pressão intracraniana e de convulsões;
  • Suporte ventilatório: em caso de insuficiência respiratória em vigência de oxigenoterapia por cateter ou máscara nasal, deve ser considerado o uso de outra estratégia não invasiva, como a cânula nasal de alto fluxo (CNAF) pressão positiva contínua nas vias aéreas (Continuous Positive Airway Pressure – CPAP) ou ventilação não invasiva (VNI). Casos mais graves sem resposta a medidas não invasivas devem ser conduzidos com ventilação mecânica invasiva com intubação endotraqueal. Uma estratégia protetora de ventilação pulmonar deve ser adotada;
  • Diálise: deve ser considerada em casos de falência de múltiplos órgãos (especialmente lesão renal aguda), sobrecarga de capacidade ou desequilíbrio hidroeletrolítico com risco de vida. O modelo terapêutico pode incluir hemofiltração venovenosa contínua, hemodiafiltração venovenosa contínua ou heterozigose. Em casos de insuficiência hepática associada, a troca plasmática é viável;
  • ECMO: Deve ser considerada quando a VM, diálise e outros tratamentos forem ineficazes. 
Indicações:

  • Indicações habituais de ECMO;
  • PaO2 / FiO2 <50 mmHg ou índice de oxigênio > 40 por mais de 6 h, ou acidose respiratória grave (pH <7,15);
  • Pressão média alta nas vias aéreas durante a VM ou vazamento de ar e outras complicações graves;
  • A função de circulação não pode ser melhorada com o tratamento convencional, ou grandes quantidades de drogas vasoativas são necessárias para manter a pressão arterial basal ou os níveis de ácido lático aumentam continuamente.

Contraindicação: deve ser contraindicada ou usada com cautela se a duração da VM for superior a 2 semanas ou se ocorrer uma grave insuficiência cerebral ou tendência a sangramento.

Critérios de alta

  • Crianças com temperatura corporal normatizada por, pelo menos, três dias;
  • Melhora significativa dos sintomas respiratórios;
  • Dois testes negativos consecutivos de ácido nucleico (intervalo de amostragem de um dia, no mínimo);
  • Isolamento domiciliar por 14 dias é sugerido após a alta.

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Referências bibliográficas:

  • CHEN, Z. M. et al. Diagnosis and treatment recommendations for pediatric respiratory infection caused by the 2019 novel coronavirus. World J Pediatr. 2020. doi:10.1007/s12519-020-00345-5
  • GLOBAL DATA HEALTHCARE. Potential treatment approaches race to fight coronavirus outbreak. 2020. Disponível em: https://www.pharmaceutical-technology.com/comment/coronavirus-outbreak-spread/. Acesso em: 09 de fev. 2020

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