Como discutir com um caso clínico, aperfeiçoar acertos e melhorar erros

No ambulatório, temos um tempo curto para discutir um caso e aprender a partir dessa discussão. Quando se discute, é comum que o aprendiz (interno ou residente) tenha uma postura passiva: apresenta-se a história, o exame físico e os exames complementares, e aguarda-se que o discutidor estabeleça o raciocínio e as condutas. Contudo, é importante reconhecer que o aprendiz tem um conhecimento prévio sobre os assuntos (um

No ambulatório, temos um tempo curto para discutir um caso e aprender a partir dessa discussão. Quando se discute, é comum que o aprendiz (interno ou residente) tenha uma postura passiva: apresenta-se a história, o exame físico e os exames complementares, e aguarda-se que o discutidor estabeleça o raciocínio e as condutas. Contudo, é importante reconhecer que o aprendiz tem um conhecimento prévio sobre os assuntos (um background) e suas próprias dúvidas a respeito do que fazer.

O ensino de habilidades clínicas não é algo inato das pessoas e discutidores não treinados tendem a dar pequenas palestras sobre o assunto, em vez de conduzir a discussão focada nos problemas apresentados e associar um feedback ao aprendiz. Numa era de medicina baseada em evidência, é fundamental fazer com que a educação médica também seja assim.

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Ao utilizar uma estratégia com o aprendiz no foco da discussão, conseguimos que ele tenha uma postura ativa e se aproprie do caso clínico. Por sua vez, o discutidor enxerga melhor os pontos fortes do aprendiz e o que pode fazer para ajudá-lo. O SNAPPS é uma ferramenta que favorece uma discussão dessa forma.

Associado a isso, o one minute preceptor é uma ferramenta que auxilia no treinamento do discutidor para que ele possa valorizar o conhecimento prévio e os acertos do aprendiz, bem como trabalhar as falhas e erros identificados.

Podemos considerar o SNAPPS e o one minute preceptor como duas faces de uma mesma moeda: o encontro entre aprendiz e discutidor para a discussão de um caso clínico, o desenvolvimento de novos conhecimentos, o reconhecimento de atitudes positivas e o aprimoramento de falhas.

Material desenvolvido pela Preceptoria da Disciplina de Clínica Geral e Propedêutica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) para auxiliar no treinamento e desenvolvimento de aprendizes e discutidores. Reproduzido com autorização.

SNAPPS

Summarize briefly the history and physical findings – Sumarizar brevemente a história e o exame clínico

Esse resumo pode variar de acordo com a complexidade do caso, mas não deve levar mais do que 50% do tempo total de discussão. Ele deve condensar as informações mais importantes e o aprendiz deve ser incentivado a utilizar jargões que permitam maior abstração (por exemplo, “falta de ar que acontece no meio da noite e ele tem que levantar” torna-se “dispneia paroxística noturna”).

Narrow the differential to two or three relevant possibilities – Numere os diferenciais a 2 ou 3 possibilidades mais relevantes

O aprendiz verbaliza aqui o seu pensamento focando nas principais hipóteses para o sintoma, em vez de focar nas raridades (por exemplo, uma sibilância deve ser asma, e não síndrome de Churg-Strauss). Deve-se focar no motivo da doença estar em atividade, nas intervenções terapêuticas que podem ser feitas e nas estratégias preventivas.

Analyze the differential by comparing and contrasting the possibilities – Analise os diferenciais através de comparações e contrastes entre as possibilidades

O aprendiz deve comparar e contrastar suas hipóteses julgando os achados que falam a favor ou contra cada possibilidade aventada.  Comumente, o aprendiz combinará esse passo com o anterior. Por exemplo, “como o paciente é tabagista de longa data, sua dispneia pode ser por uma doença pulmonar, mas a presença de estertores nas bases pulmonares me faz pensar numa causa cardíaca”. Esse processo permite que o aprendiz verbalize seu raciocínio, e o discutidor deve estimular esse processo para que ele reconheça o quão profundo é o conhecimento do aprendiz sobre os assuntos e qual é a sua sofisticação diagnóstica. O discutidor deve estimular que o aprendiz exerça esse processo e incentivá-lo a expor seu raciocínio significa criar um ambiente confortável para que os erros sejam expostos. Atitudes negativas ou de deboche fazem com que a pessoa se retraia e não volte a se expor.

Mais do autor: ‘Como melhorar o atendimento à parada cardiorrespiratória?’

Probe the preceptor by asking questions about uncertainties, difficulties, or alternative approaches – Pergunte ao preceptor sobre suas incertezas, suas dificuldades ou possíveis abordagens alternativas

Esse é um momento precioso do processo, visto que o aprendiz deve explicitar as suas dúvidas e dificuldades para que se consiga criar um ambiente de ensino direcionado a ele. Sendo assim, o discutidor deve ser entendido como uma fonte de consulta imediata aos problemas que estão sendo encontrados. A partir dos passos anteriores e dos questionamentos feitos aqui, o discutidor poderá determinar o que deve ser informado e discutido, e em qual nível de aprofundamento isso deve ser feito.

Plan management for the patient’s medical issues – Planeje o manejo dos problemas de saúde do paciente

O aprendiz deve iniciar a discussão sobre o manejo clínico e utilizar o discutidor como fonte de conhecimento e experiência. O discutidor deve encorajar o aprendiz a expor suas propostas terapêuticas e se valer do nível de conhecimento do aprendiz para definir o que apronfundará.

Select a case-related isso for self-directed learning – Selecione um tópico relacionado ao caso para estudo individual

Por fim, o aprendiz deve identificar um conhecimento a ser aprofundado sobre aquele caso clínico a partir de um estudo direcionado. O aprendiz deve dedicar um tempo específico para a leitura proposta de forma regular e organizada, além de ser num momento próximo à discussão do caso clínico. O discutidor pode auxiliar o aprendiz a selecionar o tema mais adequado para aquele momento da vida estudantil/profissional, criar questões norteadoras para o estudo. Os tópicos de estudo devem ser focados, por exemplo, deve-se estudar qual o racional do uso de inibidores da ECA na insuficiência cardíaca, em vez de todo o capítulo de insuficiência cardíaca.

Material desenvolvido pela Preceptoria da Disciplina de Clínica Geral e Propedêutica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) para auxiliar no treinamento e desenvolvimento de aprendizes e discutidores. Reproduzido com autorização.

One Minute Preceptor

Get a commitment – Estabeleça o compromisso, ouça o aprendiz e suas considerações iniciais

O aprendiz deve ser estimulado a ter um compromisso com o diagnóstico, a investigação e o plano terapêutico. Isso o encoraja a adquirir e processar informações durante o contato com o paciente e a formular soluções.

  • Exemplo: “como você interpreta a cinética de ferro desse paciente?”.

Probe for supporting evidence – Investigue as evidências de apoio, identifique o raciocínio do aprendiz

Deve-se questionar o aprendiz sobre como ele chegou nos seus raciocínios, decisões e conclusões. Mais uma vez, o aprendiz deve ser estimulado a verbalizar o seu raciocínio clínico num ambiente acolhedor, que permita identificar falhas e pontos a serem melhorados.

  • Exemplo: “por que você acha que essa medicação é superior às outras opções?”.

Reinforce what was done right – providencie um feedback positive, signalize os acertos do aprendiz

Um feedback bem estruturado é algo desenvolvido com tempo e leitura. Um feedback positivo é fundamental para que ações sejam repetidas e para que o desenvolvimento de uma competência seja possível. Comentários devem incluir comportamentos adequados do aprendiz, além de conhecimentos técnicos.

  • Exemplo: “você teve um bom julgamento ao notar que esse paciente com baixa expectativa de vida pelas suas comorbidades não tem benefício de realizar um rastreio de câncer de cólon”.

Veja também: ‘As novas modalidades diagnósticas devem ser incorporadas na Semiologia?’

Teach general rules – Ensine regras gerais, identifique oportunidades de aprendizado

A partir das lacunas ou falhas identificadas no processo, o discutidor apresenta dados e conhecimentos que são necessários para condução do caso. O discutidor também demonstrar suas próprias dúvidas e apontar como solucioná-las, por exemplo, através da consulta de referências bibliográficas ou através da avaliação de outro médico.

  • Exemplo: “um lactente com sintomas e/ou sinais respiratórios sem características de pneumonia pode ter uma bronquiolite”.

Correct mistakes – Corrija erros, mostre quais aspectos devem melhorar

Após o estabelecimento daquilo que foi feito corretamente, devemos estabelecer o que deve ser melhorado. Se foi notada alguma falha maior, o ideal é que esse feedback seja feito após o término da atividade num ambiente calmo e privativo. Uma ótima estratégia é solicitar que o próprio aprendiz verbalize o que achou do seu atendimento para que notarmos seu nível de percepção sobre o que deve ser melhorado. Outro ponto importante é que além de identificar um erro, deve-se sugerir o que fazer para que isso não volte a ocorrer.

  • Exemplo: “nessa criança, os sintomas respiratórios altos podem ser por um quadro viral, mas é importante a avaliação das orelhas para o diagnóstico de otite média, que pode te indicar uma mudança terapêutica nos sintomáticos e até a inclusão de um antibiótico. Na pior das hipóteses, isso poderia ocasionar uma mastoidite e uma meningite. Por isso, não se esqueça de avaliar as orelhas num quadro de infecção de vias aéreas superiores na criança.”.

Referências:

  • Wolpaw TM, Wolpaw DR, Papp KK. SNAPPS: a learner-centered model for outpatient education. Acad Med. 2003; 78:893-98.
  • Neher JO, Gordon KC, Meyer B, Stevens N. A five-step “microskills” model of clinical teaching. J Am Board Fam Pract. 1992; 5:419-24.

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