Como é o acompanhamento psicológico de candidatos a transplante?

O psicólogo atua como intermediário de todas as relações referentes ao transplante, de modo participativo nas orientações e informações ao paciente e à família.

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O transplante de órgão tem se tornado uma alternativa cada vez mais comum nos dias atuais, com uma melhora expressiva de técnicas, refletindo diretamente na sobrevida dos pacientes receptores. Apesar da cultura brasileira ainda se confrontar com o número baixo de doações, conforme dados apresentados pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), a taxa de doação chegou a 14 por milhão de pessoas (pmp).

Atualmente, a maioria dos transplantes é feita por doadores mortos, gerando um entrave na fila de espera. Entretanto, dentro das possibilidades encontradas, é essencial que os órgãos destinados aos transplantes sejam utilizados com eficiência, dependendo portanto dos cuidados adequados no transporte, cirurgia, e pós-transplante em curto, médio e longo prazo.

A doação e o transplante de órgãos dependem de múltiplas variáveis, que conforme Conesa et al. (2005), estão divididas em variáveis fisiológicas, pessoais (informações gerais, conhecimento sobre doação) e variáveis psicossociais (conduta pró-social, crenças, visão sobre o próprio corpo, aspectos emocionais e psicológicos). Trata-se de uma situação perpassada por complexos dilemas éticos, como a aceitação da morte encefálica, retirada de órgãos, respeito à dignidade do corpo do falecido, aspectos relacionados às crenças particulares sobre mudanças internas ocasionadas pelo novo órgão (mudanças fisiológicas e emocionais), assim como fantasias relacionadas a possíveis mudanças de personalidade decorrentes da recepção de “parte” de outra pessoa.

Leia mais: HIV: é possível realizar transplante de órgãos em pacientes com o vírus?

Trabalhar adequadamente os aspectos psicológicos no pré-transplante, traz a possibilidade de identificação precoce de aspectos afetivos, cognitivos, sociais e pessoais, que possam impactar negativamente na manutenção do órgão após a alta hospitalar. Alguns aspectos da personalidade, características de disciplina e adaptação a novas situações, autorresponsabilização, postura ativa no tratamento e reflexões sobre planejamentos de vida, são altamente relevantes no processo de preparação e mudanças de hábitos, necessários para preservação da saúde e qualidade de vida após a cirurgia.

Indicações e objetivos do acompanhamento psicológico pré-transplante

* No pré-transplante, é indicado que após a aprovação e indicação médica para a cirurgia, já seja iniciado o acompanhamento psicológico, para facilitar a compreensão prática das distintas fases, estimulando a reflexão do paciente sobre as informações repassadas pela equipe médica em relação à sua vida. Tal medida facilita a conscientização inicial sobre mudanças necessárias, fazendo com que o paciente torne-se mais ativo em relação à parte que lhe cabe, enquanto corresponsável no tratamento.

1ª consulta: após consulta inicial para avaliação junto à equipe médica de transplantes;

Foco: compreender melhor o processo percorrido pelo paciente desde o diagnóstico até a consulta, identificando motivações para o transplante, rede de apoio familiar e social, padrão de funcionamento pessoal (personalidade), ofertando posteriormente parecer inicial à equipe, sobre aspectos a serem mais fortemente abordados na consulta seguinte.

2ª consulta: ficam mais evidentes as características práticas do candidato, posicionamento frente ao tratamento, expectativas irreais relacionadas ao transplante, fantasias associadas ao processo enquanto cura, dentre outras questões que necessitam desmistificação por parte de toda a equipe, antes do procedimento.

Foco: Identificação de comportamentos disfuncionais e hábitos de vida que podem dificultar a adesão ao tratamento proposto pela equipe, assim como avaliação do padrão de autocuidado, identificando hábitos que são dificultadores reais do sucesso do procedimento.

3ª consulta: identificação do nível de compreensão sobre a cirurgia, cuidados em saúde, baixa capacidade de compreensão das rotinas e pouca manutenção de autocuidado, assim como desmistificação de fantasias relacionadas ao procedimento, e reforço de informações importantes para a adesão ao tratamento de curto, médio e longo prazo.

Foco: preparação para a cirurgia, para a espera na fila de transplantes, mobilizar maior familiaridade com as mudanças decorrentes do enxerto de um órgão, e trabalhar estratégias de corresponsabilização.

O objetivo das entrevistas psicológicas não é barrar o paciente impossibilitando a realização da cirurgia, mas sim identificar e intervir precocemente nos fatores disfuncionais que podem prejudicar o andamento adequado.

Quando for identificada situação de incapacidade do paciente em assumir integralmente o autocuidado, é imprescindível incluir imediatamente um cuidador familiar que possa se corresponsabilizar e participar das orientações e integração junto à equipe.

Psicologia

A psicologia se ocupa das emoções, sentimentos, subjetivações e desejos pessoais, também das relações interpessoais. Corpo e mente constituem uma só unidade indivisível: o ser humano. Frente a isso, um adoecimento no corpo pode trazer repercussões emocionais, conflitos, e comportamentos disfuncionais, que precisarão ser cuidados.

Enquanto integrante da equipe multiprofissional, o psicólogo atua como intermediário de todas as relações, de modo participativo nas orientações e informações disponibilizadas ao paciente e família, avaliando o modo de compreensão manifesto pelos envolvidos, intervindo frente à demanda, fantasias, crenças disfuncionais, dificuldades de assimilação, características ansiosas, desafios do tratamento.

É ainda mediador do processo de comunicação paciente-equipe-família, facilitando a compreensão das informações prestadas pelos demais integrantes, e avaliando as repercussões das mudanças de rotina nos comportamentos e modos de relação, estimulando a postura ativa e autorresponsabilização no tratamento.

Indicação de transplantes

Aceitar ou não a indicação de transplante? É essencial conseguir sinalizar ao paciente, que a indicação de transplante pelo médico, é uma resposta ao esgotamento terapêutico menos invasivo. Entretanto, é necessário realizar toda a abordagem técnica/orientativa (médico), e reforço/facilitação da compreensão (psicólogo), sobre aspectos da internação e preparação hospitalar, cirúrgica, uso de imunossupressores, compromisso com o acompanhamento contínuo, e consciência sobre os cuidados de médio e longo prazo, assumindo um compromisso de co-participação. Emitir o aceite para entrar na lista única de transplante, é estar ciente de todas as repercussões da cirurgia e tratamento posterior, inclusive os riscos e mudanças de hábitos de vida.

Um dos modos de reflexão esperado junto ao paciente indicado para o transplante é: “em que medida a piora do adoecimento será mais rápida e mais difícil de enfrentar que uma cirurgia de grande porte e riscos de complicações?” A indicação para a lista de transplante, precisa ser não apenas indicação médica, mas escolha do paciente. De tal modo, é necessário que o paciente que seja contatado para comparecimento ao hospital para realização de um transplante, esteja seguro de tomar a melhor escolha, e verdadeiramente comprometido com o processo (Casarin, 2017).

Valorização da subjetividade

O acompanhamento psicológico no pré transplante se faz essencial, na medida em que permite a manifestação dos aspectos subjetivos do paciente. As manifestações que mais podem comprometer a efetividade do transplante em médio e longo prazo têm correlação direta com aspectos da personalidade, comportamentos e afetos, devendo ser trabalhadas antes que o procedimento se concretize, aumentando as chances de sucesso e controle de comportamentos disfuncionais que coloquem em risco o enxerto.

Do ponto de vista psíquico, as principais temáticas tratam de conflitos de autoimagem, autoestima, medo, restrições e desejos, planos futuros, idealizações de cura, abandono de modelos sociais idealizados, mudanças de autopercepção enquanto pessoa. O ideal é oferecer suporte durante todo o processo, valorizando e acolhendo as demandas subjetivas que tanto geram sofrimento aos pacientes.

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Referências:

  • Conesa C, Ríos, Ramirez P, Canteras M, Rodrígues MM et alii. Estudio multivariante de los factores psicosociales que influyen em la actitud poblacional haciala donación de órganos. Nefrologia. 2005; 25(6) 684-697.
  • Casarin, RG. Aspectos Psicossociais do transplante de órgãos. Tese de Doutorado – Programa de pós-graduação em Saúde e desenvolvimento da Ragião Centro-oeste. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Campo Grande, 2017.

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