Como evitar excessos de soroterapia na sepse?

A sepse é uma das ocorrências mais estudadas dos últimos tempos, tanto por ser conhecida há muitos anos quanto por sua crescente incidência.

A sepse é uma das entidades clínicas mais bem estudadas dos últimos tempos, tanto por ser algo conhecido da ciência médica há muitos anos quanto por sua crescente incidência. Os cuidados hospitalares, e mesmo algumas infecções de comunidade, têm como risco essencial o desenvolvimento de quadros sépticos. Esses, por sua vez, podem variar dos mais leves até o choque distributivo com alto risco de morte.

Como regra, mesmo que os protocolos variem para cada instituição, a sepse é definida como uma extensão sistêmica dos efeitos de uma infecção grave, evoluindo com disfunções orgânicas não explicadas por outros motivos. A maioria dos serviços têm protocolos bem definidos para o manejo da sepse e o objetivo é sempre, além de reduzir o risco de óbito, reverter ou pelo menos minimizar as lesões orgânicas. Como parte geral da maioria dos protocolos, a primeira etapa é a expansão volêmica, a fim de compensar a vasodilatação sistêmica geradora da hipoperfusão tecidual generalizada. Quando o paciente evolui para formas mais graves e entra em choque séptico, o uso de mais soroterapia e de drogas vasoativas geralmente são as condutas adotadas.

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Administrando soroterapia em paciente com sepse.

Problema do excesso

Aqui surge um problema comum a vários pacientes críticos, sépticos ou não: o balanço hídrico positivo. Já é bem estabelecido que o excesso de volume é um fator de risco importante para esses pacientes, pois leva a congestão de diversos órgãos e agrava funções orgânicas já comprometidas. O excesso de soroterapia dificulta o desmame da ventilação mecânica, aumenta a congestão renal e a necessidade de tratamento dialítico, compromete a absorção da dieta, dentre outros efeitos. Não é raro, portanto, que pacientes sépticos evoluam com balanço hídrico positivo e, por consequência, sofram de todas essas consequências.

A fim de propor uma estratégia para solução desse problema, um estudo publicado no periódico Chest estudou a eficácia de formas não invasivas de prever a resposta a fluidos. O que motivou a pesquisa foram as estatísticas de que 2/3 dos pacientes com sepse apresentam sobrecarga de volume já no primeiro dia de cuidados e que apenas metade dos pacientes se mantém responsivos a volume depois da primeira fase (a de expansão).

Em geral, os dados prontamente disponíveis à equipe médica (para prever se soroterapia extra vai ser eficaz ou não) não são confiáveis para esse tipo de avaliação. Dados vitais, exame físico e medidas estáticas da aferição de pressão (aferição de pressão não invasiva e a pressão venosa central, por exemplo), embora essenciais no dia-a-dia de uma UTI, não revelam a responsividade a fluídos de forma fidedigna. Por isso, para o estudo em questão, os pesquisadores analisaram pacientes monitorados através de biorreactância (uma modalidade semelhante à bioimpedância, em que parâmetros hemodinâmicos como débito cardíaco e volume sistólico são aferidos continuamente através de correntes elétricas).

Características do estudo

A pesquisa envolveu um total de 150 pacientes, distribuídos em 13 hospitais estadunidenses e britânicos, que entravam nos seguintes critérios de inclusão: sepse (definida como um foco infeccioso presumido + 2 ou mais dos critérios para SIRS) com evolução para choque séptico e com a etapa de expansão já realizada. Critérios de exclusão incluíram pacientes paliativos e aqueles que receberam 3 L ou mais de soroterapia na fase de expansão, dentre outros critérios.

Os pacientes foram, então, divididos entre o grupo de controle e o grupo de intervenção após pareamento por sexo, idade, comorbidades, escore de SOFA e qSOFA. O grupo controle receberia os cuidados convencionais de acordo com os protocolos de cada UTI, enquanto o grupo de intervenção seguiria um protocolo montado pela equipe de pesquisadores. Neste algoritmo, antes de cada expansão volêmica ou ajuste de vazão de drogas vasoativas, a equipe assistente deveria fazer a elevação passiva de MMII (EPM) e avaliar, através da biorreactância, a variação no volume sistólico (VS) subsequente. Se o VS variasse 10% ou mais, o paciente era considerado responsivo a fluidos e a equipe prosseguiria com a administração de 500 mL de cristaloide. Nesse caso, a hidratação deveria ser feita de 500 em 500 mL, sempre repetindo a EPM antes de cada administração enquanto o paciente necessitasse. Se o VS variasse menos que 10% em qualquer uma dessas etapas, o paciente não seria mais considerado responsivo a volume e a equipe deveria ou iniciar ou titular drogas vasoativas conforme necessário. O estudo analisou os dados colhidos durante 72 horas.

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Conforme os resultados da pesquisa mostraram, os pacientes que foram manejados conforme o protocolo embasado na realização de EPM apresentaram um balanço hídrico positivo significativamente menor que o grupo controle (especificamente, 1,37 L a menos). Além disso, o número de pacientes no grupo de intervenção que precisaram de terapia de substituição renal ou ventilação mecânica também foi significativamente menor, sugerindo que parte dessas complicações renais e respiratórias poderiam ser atribuídas ao excesso de volume. O número de dias de UTI também foi menor no grupo de intervenção, apesar de esse resultado não ter sido estatisticamente significante. Mesmo assim, o grupo de intervenção também apresentou mais pacientes que conseguiam receber alta vivos e com melhor funcionalidade.

Alguns dados interessantes que o estudo traz são o fato de que a restrição de volume não resultou em piora de função renal nos pacientes da intervenção e que o excesso de volume nos pacientes do grupo controle se manteve mesmo naqueles que receberam diuréticos de alça para controle do balanço hídrico positivo. Além disso, o estudo deixa evidente como mesmo um volume menor que 2 L no balanço hídrico positivo já é capaz de gerar todas essas diferenças nos desfechos.

Limitações e conclusão

O estudo em questão propõe uma medida prática e com grande potencial para reduzir esse tipo de problema nos pacientes sépticos. Algumas limitações da pesquisa envolvem o fato de não ter sido realizada em duplo-cego e o próprio uso da biorreactância. Além de não ser um aparelho amplamente difundido aqui no Brasil, o que compromete a transição para nossa realidade, a biorreactância, apesar de ser um método não invasivo de monitorização hemodinâmica e preferido sob o cateter de Swan-Ganz, não é aceita como um meio muito preciso para tais medidas. Até mesmo o edema de subcutâneo pode interferir nas aferições, o que coloca a sua confiabilidade em cheque.

Mesmo assim, a pesquisa deixa claro cuidado que deve ser tomado com o excesso de fluidos em pacientes sépticos e propõe uma alternativa de baixo custo para a decisão quanto ao timing adequado quando falamos em uso de cristaloides. Algumas alternativas para a medida do VS que estariam mais acessíveis no Brasil seriam o uso do próprio cateter de artéria pulmonar ou estimativas por ecocardiograma-Doppler a beira-leito. De qualquer forma, esse é um tema interessante e útil a ser replicado com mais pacientes e, especialmente, dentro dos recursos e estatísticas brasileiras.

Referências bibliográficas:

  • Douglas IS, et al. Fluid Response Evaluation in Sepsis Hypotension and Shock. Chest. Elsevier BV. 2020 out;158(4):1431-1445. doi: 10.1016/j.chest.2020.04.025.
  • Sivakumar S, Lazaridis C. Bioreactance-Based Noninvasive Fluid Responsiveness and Cardiac Output Monitoring: a pilot study in patients with aneurysmal subarachnoid hemorrhage and literature review. Critical Care Research And Practice. 2020, set 15;2020:1-8, 15 set. 2020. doi: 10.1155/2020/2748181.
  • Nguyen LS, Squara P. Non-Invasive Monitoring of Cardiac Output in Critical Care Medicine. Frontiers In Medicine. 2017 nov 20;4:1-8. doi: 10.3389/fmed.2017.00200.

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