CirurgiaJAN 2019

Como nutrir o paciente no perioperatório da cirurgia eletiva?

O Projeto ACERTO iniciou no Brasil um programa para destacar a importância de questões nutricionais na recuperação após cirurgia. Conheça os keypoints:

0 visualizações
0 avaliações
14 minutos
Ler depois
Por Caroline Mafra de Carvalho Marques
Capa do artigo

Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.

Com o desenvolvimento tecnológico que ocorreu nos campos da cirurgia e da anestesia nesses últimos anos, condutas perioperatórias foram revistas. Nesse contexto de mudanças, guidelines internacionais relacionam medidas nunca imaginadas no passado. O jejum pré-operatório, por exemplo, pode ser abreviado para 2h antes da cirurgia com uso de líquidos contendo carboidratos. Você sabia disso?

Cercados por tantos protocolos, o tão conhecido Projeto ACERTO (Aceleração da Recuperação Total Pós-Operatória) iniciou no Brasil um programa para destacar a importância de questões nutricionais na recuperação do paciente cirúrgico, diminuindo as complicações e o tempo de internação, sem aumento das taxas de reinternação.

O presente trabalho busca apresentar as recomendações de especialistas do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral sobre várias prescrições nutricionais aplicadas ao período perioperatório de procedimentos eletivos em cirurgia geral.

Os autores realizaram busca de dados por estudos envolvendo cuidados nutricionais perioperatórios para cirurgias eletivas. A pesquisa foi realizada no MedLine, Scopes, Scielo e Cochrane entre os anos de 2006 e 2016. Foram selecionados estudos randomizados controlados, revisões sistemáticas e meta-análises.

Leia mais: Recomendações para cuidado em cirurgias colorretais no peroperatório

Essa diretriz foi estruturada em perguntas e respostas formuladas de modo a abordar os principais temas inerentes a tomada de decisão junto ao paciente cirúrgico. Cada recomendação foi submetida à votação por meio de questionário utilizando-se ferramenta online. Consenso foi estabelecido quando ao menos 60% dos autores estivessem de acordo. A qualidade das evidências e a força das recomendações foram graduadas pelo Graing of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation (Sistema GRADE), variando entre quatro níveis: alto, moderado, baixo, muito baixo.

paciente pós cirurgia

Acompanhe a seguir o resultado desse trabalho:

1. O paciente deve receber informação pré-operatória?

“O paciente deve receber orientações e conselhos, preferencialmente por escrito, que o ajudem a ter rápida recuperação, no período perioperatório”.

Informar o paciente acerca da sua cirurgia e os cuidados necessários no pós-operatório não apenas contribuem para diminuir sua ansiedade, mas também o orienta para que ele siga adequadamente as recomendações. Por exemplo, saber que já pode já pode sair do leito, deambular, usar o banheiro, comer o que lhe foi ofertado em seu quarto no pós operatório aumentam a aderência do paciente a essas condutas, e, evitam que o cirurgião encontre na visita do dia seguinte um paciente acamado, em dieta zero, usando fralda, o que retarda sua reabilitação. Esse exemplo pode ser transportado para o pré-operatório contribuindo para esclarecer dúvidas que possam igualmente prolongar o período de convalescença do paciente.

Panfletos ou livretos devem ser dados aos pacientes com informações acerca da alta, orientações nutricionais de jejum pré-operatório abreviado (6h para sólidos e 2h para líquidos contendo carboidratos), realimentação, deambulação precoce, e, outras que julgar necessário a depender da abordagem cirúrgica e do paciente em questão.

Grau da Recomendação: forte
Força de evidência: baixa

2. Deve ser recomendado programa de pré-habilitação antes da cirurgia?

“Programa de pré-habilitação deve ser realizado antes da cirurgia em pacientes de maior risco combinando exercícios físicos com cuidados nutricionais adequados, com consequente melhora na capacidade funcional.”

O objetivo da pré-habilitação cirúrgica é preparar o paciente para que suporte o estresse cirúrgico com a menor repercussão física e funcional possíveis, a fim de otimizar a recuperação pós-operatória e manter a função física muscular. O programa de pré-habilitação ideal deve ser feito por período de quatro semanas, intercalando-se exercícios aeróbios e de resistência. Também fazem parte desse cuidado de otimização pré-operatória: a cessação do tabagismo e etilismo, a otimização das doses dos medicamentos utilizados, além da compensação de comorbidades.

Muitos estudos acerca de exercícios físicos pré-operatórios tem sido realizados em pacientes submetidos à cirurgia de grande porte. Há até o momento divergência quanto aos resultados. Todos demonstraram benefícios na capacidade funcional, porém na maioria não houve diferença na morbimortalidade nem no tempo de hospitalização.

Grau da recomendação: fraco
Força de evidência: baixa

3. Existe benefício na prescrição de terapia nutricional pré-operatória?

“A terapia nutricional pré-operatória por via oral, enteral ou parenteral deve ser instituída aos pacientes candidatos às cirurgias de moderado a grande porte que apresentem risco nutricional moderado a alto.”

O estado nutricional interfere nos resultados pós-operatórios. Quanto mais comprometido estiver o estado nutricional, mais elevados são os riscos de morbimortalidade e os custos hospitalares. Portanto, a prescrição de 5-10 dias de terapia nutricional pré-operatória, preferencialmente mediante o uso oral de suplementos proteicos, melhoram os desfechos dos pacientes, principalmente dos idosos. A avaliação pré-operatória do risco nutricional para morbimortalidade pós-operatória deve ser estabelecido preferencialmente pelo uso da ferramenta NRS-2002.

Grau da recomendação: forte
Força de evidência: alta

4. Fórmulas contendo imunonutrientes estão indicadas no período perioperatório?

“Em pacientes de maior risco e submetidos a operação de grande porte, a terapia nutricional deve incluir imunonutrientes, tanto pelo uso de suplementos orais como por via enteral”.

Há hoje, na literatura, mais de 50 estudos prospectivos randomizados sobre a dieta imunomoduladora, administrada aos pacientes através de fórmulas nutricionais contendo arginina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos. O objetivo aqui é modular favoravelmente a resposta inflamatória, melhorar a resposta imunológica e favorecer a cicatrização. Como efeito, tem-se menos complicações, principalmente infecciosas, associada à diminuição: do uso de antibióticos, do tempo de permanência sob ventilação mecânica, do tempo de internação e do risco de reinternação.

Quanto ao período mais adequado de administração, foi visto benefício maior do uso de imunonutrientes durante todo o período perioperatório (pré e pós-operatório) do que apenas no pré-operatório.

Grau da recomendação: forte
Força de evidência: alta

5. Como deve ser prescrito o jejum pré-operatório?

“O jejum pré-operatório não deve ser prolongado. Para a maioria dos pacientes candidatos a procedimentos eletivos recomenda-se jejum de sólidos de 6-8h antes da indução anestésica e de 2h para líquidos contendo carboidratos (maltodextrina). Deve-se desconsiderar casos em que há retardo no esvaziamento esofágico ou gástrico ou em procedimentos de emergência.”

Há muitos dados na literatura atestando a importância de não se prolongar o jejum pós-operatório. O retorno precoce da dieta em inúmeras meta-análises não se relacionaram a nenhum caso de aspiração ou pneumonia. O volume de resíduo gástrico com 12h, 8h, ou 6h de jejum completo é semelhante ao encontrado em jejum de 6h para sólidos e 2h para líquidos claros, contendo ou não carboidratos.

Os benefícios da abreviação do jejum pré-operatório estão:

  • Melhora de parâmetros metabólicos: redução da resistência insulínica;
  • Imunomodulação;
  • Aumento na capacidade funcional;
  • Redução no tempo de internação;
  • Redução da ansiedade, sede, fome, náuseas e vômitos no pós-operatório.

Há alguns estudos que mostraram certo grau de segurança na abreviação do jejum em pacientes obesos submetidos à gastroplastia e em paciente com diabetes mellitus controlado, sem uso de insulina e sem gastroparesia. No entanto, mais dados são necessários para o melhor entendimento nesses casos específicos.

Grau da recomendação: forte
Força de evidência: alta

6. Bebidas contendo fonte proteica associada a carboidratos podem ser utilizadas para abreviar o jejum pré-operatório?

“Bebidas contendo carboidratos associados a fonte proteica (glutamina ou proteína do soro do leite podem ser ingeridas até 3h antes do procedimento anestésico com segurança”.

A adição de fonte nitrogenada contendo glutamina, hidrolisado proteico ou proteína do soro do leite a bebida contendo carboidratos, além de ser segura, parece aumentar os benefícios associados à melhora da sensibilidade à insulina, capacidade funcional, maior produção de glutationa e menor reação inflamatória de fase aguda. Embora todos os estudos randomizados existentes até o momento indiquem segurança, ainda são poucos em comparação aos que utilizaram apenas maltodextrina e, além disso, incluíram poucos pacientes.

Grau da recomendação: fraca
Força de evidência: moderada

7. Quando deve ser começada a realimentação no pós-operatório?

“A realimentação oral ou enteral após cirurgia abdominal eletiva deve ser precoce (em até 24h de pós-operatório) desde que o paciente esteja hemodinamicamente estável. Essa recomendação se aplica mesmo em casos de anastomoses digestivas. Em operações como colecistectomia videolaparoscópica, herniorrafias e cirurgias anoorificiais recomenda-se o início imediato de dieta e hidratação oral, sem uso de hidratação por via endovenosa.”

Há muitos estudos na literatura internacional demonstrando a segurança de se realimentar precocemente pacientes submetidos a procedimentos eletivos anorretais e abdominais, com prioridade para reintrodução por via oral. Além da segurança em relação a ocorrência de deiscências de anastomoses, foi demonstrado diminuição de complicações infecciosas e do tempo de internação.

A tendência atual no pós-operatório é evitar o jejum prolongado e substituir a evolução gradual de líquida para sólida pela prescrição de dieta oral precoce sob livre demanda.

A aceitação dos pacientes pode ser ainda maior com a adoção de outras rotinas perioperatórios presentes em protocolos multimodais de aceleração da recuperação pós-operatória. Tais cuidados incluem:

  • A orientação pré-operatória;
  • O uso de goma de mascar a partir do pós-operatório imediato;
  • A mobilização precoce;
  • O emprego de drogas procinéticas;
  • A não utilização de medicação opioide;
  • A administração criteriosa de líquidos endovenosos no perioperatório: excesso de volume infundido aumenta o íleo pós-operatório, a intolerância à dieta precoce e o tempo de internação;
  • Uso de lidocaína intravenosa em infusão contínua: foi demonstrado que acelera recuperação do íleo pós-operatório e aumenta a tolerância a reintrodução da dieta.

Grau da recomendação: forte.
Força de evidência: alta.

8. Quando deve ser prescrita terapia nutricional especializada no pós-operatório?

A) “A terapia nutricional pós-operatória por sonda enteral, gastrostomia ou jejunostomia, introduzida de forma precoce (24h de pós-operatório), deve ser considerada: para pacientes submetidos a cirurgias de grande porte; quando a nutrição precoce pela via oral for impossível ou não recomendada; ou naqueles pacientes que não conseguem atingir 60% da meta nutricional proposta após 5-7 dias de pós-operatório somente com a via oral”.

Em algumas situações, geralmente associadas à cirurgias de grande porte, a via oral não pode ser utilizada ou é não recomendada. Intolerância à via oral devida à desnutrição prévia, má absorção, estase gástrica prolongada e anorexia representam barreiras para a nutrição pós-operatória por via oral. Nessas situações, a dieta deve ser prescrita por via enteral ou parenteral, mas ainda, precocemente. Estudos realizados ainda nos anos de 1990 demonstraram que a superioridade da nutrição enteral em relação à parenteral, por oferecer menor risco de morbidade e tempo de internação no pós-operatório. Modificações recentes na formulação da nutrição parenteral tem mudado um pouco esse cenário.

Com relação a via ideal para início da dieta enteral, não há consenso, sendo demonstrado equivalência em morbidade e tempo de internação. Entretanto, a jejunostomia permite o uso da terapia nutricional por períodos mais longos, principalmente em pacientes com complicações, evitando o uso de nutrição parenteral.

Grau da recomendação: forte
Força da evidência: alta

B) “A prescrição de fórmulas enterais contendo proteína íntegra e baixo percentual de lipídeos está recomendada na maioria dos pacientes submetidos à cirurgias abdominais de grande porte. Para desnutridos graves, com câncer do aparelho digestivo ou com câncer de cabeça e pescoço, recomenda-se terapia nutricional com imunonutrientes”.

Recente estudo randomizado comparou o uso de fórmula elementar com baixo teor de lipídeos contra fórmula com percentual normal de gordura em pacientes submetidos à esofagectomia e linfadenectomia ampliada por câncer. Houve menor incidência de fístula linfática no pós-operatório de pacientes que fizeram uso das fórmulas com baixo teor de gordura.

Dieta imunomoduladora está relacionada a menores taxas de infecção e menor tempo de internação sendo portanto indicada no pós-operatório precoce de pacientes desnutridos com necessidade de nutrição enteral.

Recomenda-se não mais que 25kcal/kg/dia para a maioria dos pacientes em terapia nutricional enteral nos primeiros dias de pós-operatório, com aporte proteico de aproximadamente 1,5g/kg/dia.

Grau da recomendação: fraco
Força da evidência: moderado

C) “Quando a via digestiva está impossibilitada para uso ou quando a oferta calórica não consegue atingir 60% da meta planejada após cinco dias de pós-operatório, a terapia nutricional parenteral deve ser prescrita, isoladamente ou associada à nutrição enteral”

Estudos avaliaram o melhor momento de iniciar a nutrição parenteral em pacientes cirúrgicos críticos, em terapia intensiva. O início precoce da nutrição parenteral (até o terceiro dia de pós-operatório) tem sido recomendado em guidelines de sociedades quando a nutrição enteral isolada não é suficiente ou está contraindicada, como diante ao íleo prolongado, por exemplo. Alguns guidelines referentes a pacientes sob cuidados intensivos recomendam o uso associado ou isolado de nutrição parenteral somente após a primeira semana de pós-operatório.

Não foram encontrados estudos randomizados realizados em pacientes no pós-operatório que comparassem os resultados clínicos do uso de nutrição parenteral isolada ou associada à nutrição enteral.

Grau da recomendação: fraco
Força de evidência: baixa

9. Em que pacientes deve ser mantida terapia nutricional especializada após a alta hospitalar?

“A suplementação oral ou a nutrição enteral devem ser mantidas após a alta em pacientes que fizeram uso de terapia nutricional no período perioperatório e ainda não conseguem manter as necessidades proteico-calóricas por via oral.”

O estado funcional e nutricional inadequado estão associados a maior risco de reinternação, o que além de implicar em maiores custos hospitalares, determina aumento da morbidade. A suplementação oral pós-operatória para pacientes submetidos a operação de grande porte pode prevenir complicações e diminuir as probabilidades de complicações e de reinternações.

Deve-se ter muito atenção a essa conduta ao dar alta ao paciente, porque apesar dos seus muitos e comprovados benefícios, muitos pacientes em terapia nutricional no perioperatório recebem alta sem orientação de manter provisão adequada de nutrientes.

Grau da recomendação: forte
Força de evidência: baixa

Conclusão

Com esse estudo, pode-se avaliar deficiências de investigação em algumas áreas. Ainda faltam estudos sobre:

  • A educação pré-operatória em pacientes candidatos à cirurgia geral eletiva;
  • Os efeitos deletérios da sarcopenia pré-operatória e maneiras de revertê-la no pré-operatório;
  • O uso de fontes nitrogenadas nos suplementos orais usados no pré-operatório;
  • Realimentação precoce em esofagectomias e gastrectomia total;
  • O melhor momento para início de terapia nutricional parenteral em pacientes não críticos no pós-operatório.

Apesar das deficiências supracitadas, as recomendações possíveis à luz das evidências foram sintetizadas neste artigo. A adoção dessas medidas pode acelerar a recuperação pós-operatória, com diminuição de morbidade, do tempo de internação e de reinternações e, consequentemente, dos custos.

É médico e também quer ser colunista do Portal da PEBMED? Inscreva-se aqui!

Referências:

De-Aguilar-Nascimento JE et al. Diretriz ACERTO de intervenções nutricionais no perioperatório em cirurgia geral eletiva. Rev Col Bras Cir 2017; 44(6): 633-648.

Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.

Com o desenvolvimento tecnológico que ocorreu nos campos da cirurgia e da anestesia nesses últimos anos, condutas perioperatórias foram revistas. Nesse contexto de mudanças, guidelines internacionais relacionam medidas nunca imaginadas no passado. O jejum pré-operatório, por exemplo, pode ser abreviado para 2h antes da cirurgia com uso de líquidos contendo carboidratos. Você sabia disso?

Cercados por tantos protocolos, o tão conhecido Projeto ACERTO (Aceleração da Recuperação Total Pós-Operatória) iniciou no Brasil um programa para destacar a importância de questões nutricionais na recuperação do paciente cirúrgico, diminuindo as complicações e o tempo de internação, sem aumento das taxas de reinternação.

O presente trabalho busca apresentar as recomendações de especialistas do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral sobre várias prescrições nutricionais aplicadas ao período perioperatório de procedimentos eletivos em cirurgia geral.

Os autores realizaram busca de dados por estudos envolvendo cuidados nutricionais perioperatórios para cirurgias eletivas. A pesquisa foi realizada no MedLine, Scopes, Scielo e Cochrane entre os anos de 2006 e 2016. Foram selecionados estudos randomizados controlados, revisões sistemáticas e meta-análises.

Leia mais: Recomendações para cuidado em cirurgias colorretais no peroperatório

Essa diretriz foi estruturada em perguntas e respostas formuladas de modo a abordar os principais temas inerentes a tomada de decisão junto ao paciente cirúrgico. Cada recomendação foi submetida à votação por meio de questionário utilizando-se ferramenta online. Consenso foi estabelecido quando ao menos 60% dos autores estivessem de acordo. A qualidade das evidências e a força das recomendações foram graduadas pelo Graing of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation (Sistema GRADE), variando entre quatro níveis: alto, moderado, baixo, muito baixo.

paciente pós cirurgia

Acompanhe a seguir o resultado desse trabalho:

1. O paciente deve receber informação pré-operatória?

“O paciente deve receber orientações e conselhos, preferencialmente por escrito, que o ajudem a ter rápida recuperação, no período perioperatório”.

Informar o paciente acerca da sua cirurgia e os cuidados necessários no pós-operatório não apenas contribuem para diminuir sua ansiedade, mas também o orienta para que ele siga adequadamente as recomendações. Por exemplo, saber que já pode já pode sair do leito, deambular, usar o banheiro, comer o que lhe foi ofertado em seu quarto no pós operatório aumentam a aderência do paciente a essas condutas, e, evitam que o cirurgião encontre na visita do dia seguinte um paciente acamado, em dieta zero, usando fralda, o que retarda sua reabilitação. Esse exemplo pode ser transportado para o pré-operatório contribuindo para esclarecer dúvidas que possam igualmente prolongar o período de convalescença do paciente.

Panfletos ou livretos devem ser dados aos pacientes com informações acerca da alta, orientações nutricionais de jejum pré-operatório abreviado (6h para sólidos e 2h para líquidos contendo carboidratos), realimentação, deambulação precoce, e, outras que julgar necessário a depender da abordagem cirúrgica e do paciente em questão.

Grau da Recomendação: forte
Força de evidência: baixa

2. Deve ser recomendado programa de pré-habilitação antes da cirurgia?

“Programa de pré-habilitação deve ser realizado antes da cirurgia em pacientes de maior risco combinando exercícios físicos com cuidados nutricionais adequados, com consequente melhora na capacidade funcional.”

O objetivo da pré-habilitação cirúrgica é preparar o paciente para que suporte o estresse cirúrgico com a menor repercussão física e funcional possíveis, a fim de otimizar a recuperação pós-operatória e manter a função física muscular. O programa de pré-habilitação ideal deve ser feito por período de quatro semanas, intercalando-se exercícios aeróbios e de resistência. Também fazem parte desse cuidado de otimização pré-operatória: a cessação do tabagismo e etilismo, a otimização das doses dos medicamentos utilizados, além da compensação de comorbidades.

Muitos estudos acerca de exercícios físicos pré-operatórios tem sido realizados em pacientes submetidos à cirurgia de grande porte. Há até o momento divergência quanto aos resultados. Todos demonstraram benefícios na capacidade funcional, porém na maioria não houve diferença na morbimortalidade nem no tempo de hospitalização.

Grau da recomendação: fraco
Força de evidência: baixa

3. Existe benefício na prescrição de terapia nutricional pré-operatória?

“A terapia nutricional pré-operatória por via oral, enteral ou parenteral deve ser instituída aos pacientes candidatos às cirurgias de moderado a grande porte que apresentem risco nutricional moderado a alto.”

O estado nutricional interfere nos resultados pós-operatórios. Quanto mais comprometido estiver o estado nutricional, mais elevados são os riscos de morbimortalidade e os custos hospitalares. Portanto, a prescrição de 5-10 dias de terapia nutricional pré-operatória, preferencialmente mediante o uso oral de suplementos proteicos, melhoram os desfechos dos pacientes, principalmente dos idosos. A avaliação pré-operatória do risco nutricional para morbimortalidade pós-operatória deve ser estabelecido preferencialmente pelo uso da ferramenta NRS-2002.

Grau da recomendação: forte
Força de evidência: alta

4. Fórmulas contendo imunonutrientes estão indicadas no período perioperatório?

“Em pacientes de maior risco e submetidos a operação de grande porte, a terapia nutricional deve incluir imunonutrientes, tanto pelo uso de suplementos orais como por via enteral”.

Há hoje, na literatura, mais de 50 estudos prospectivos randomizados sobre a dieta imunomoduladora, administrada aos pacientes através de fórmulas nutricionais contendo arginina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos. O objetivo aqui é modular favoravelmente a resposta inflamatória, melhorar a resposta imunológica e favorecer a cicatrização. Como efeito, tem-se menos complicações, principalmente infecciosas, associada à diminuição: do uso de antibióticos, do tempo de permanência sob ventilação mecânica, do tempo de internação e do risco de reinternação.

Quanto ao período mais adequado de administração, foi visto benefício maior do uso de imunonutrientes durante todo o período perioperatório (pré e pós-operatório) do que apenas no pré-operatório.

Grau da recomendação: forte
Força de evidência: alta

5. Como deve ser prescrito o jejum pré-operatório?

“O jejum pré-operatório não deve ser prolongado. Para a maioria dos pacientes candidatos a procedimentos eletivos recomenda-se jejum de sólidos de 6-8h antes da indução anestésica e de 2h para líquidos contendo carboidratos (maltodextrina). Deve-se desconsiderar casos em que há retardo no esvaziamento esofágico ou gástrico ou em procedimentos de emergência.”

Há muitos dados na literatura atestando a importância de não se prolongar o jejum pós-operatório. O retorno precoce da dieta em inúmeras meta-análises não se relacionaram a nenhum caso de aspiração ou pneumonia. O volume de resíduo gástrico com 12h, 8h, ou 6h de jejum completo é semelhante ao encontrado em jejum de 6h para sólidos e 2h para líquidos claros, contendo ou não carboidratos.

Os benefícios da abreviação do jejum pré-operatório estão:

  • Melhora de parâmetros metabólicos: redução da resistência insulínica;
  • Imunomodulação;
  • Aumento na capacidade funcional;
  • Redução no tempo de internação;
  • Redução da ansiedade, sede, fome, náuseas e vômitos no pós-operatório.

Há alguns estudos que mostraram certo grau de segurança na abreviação do jejum em pacientes obesos submetidos à gastroplastia e em paciente com diabetes mellitus controlado, sem uso de insulina e sem gastroparesia. No entanto, mais dados são necessários para o melhor entendimento nesses casos específicos.

Grau da recomendação: forte
Força de evidência: alta

6. Bebidas contendo fonte proteica associada a carboidratos podem ser utilizadas para abreviar o jejum pré-operatório?

“Bebidas contendo carboidratos associados a fonte proteica (glutamina ou proteína do soro do leite podem ser ingeridas até 3h antes do procedimento anestésico com segurança”.

A adição de fonte nitrogenada contendo glutamina, hidrolisado proteico ou proteína do soro do leite a bebida contendo carboidratos, além de ser segura, parece aumentar os benefícios associados à melhora da sensibilidade à insulina, capacidade funcional, maior produção de glutationa e menor reação inflamatória de fase aguda. Embora todos os estudos randomizados existentes até o momento indiquem segurança, ainda são poucos em comparação aos que utilizaram apenas maltodextrina e, além disso, incluíram poucos pacientes.

Grau da recomendação: fraca
Força de evidência: moderada

7. Quando deve ser começada a realimentação no pós-operatório?

“A realimentação oral ou enteral após cirurgia abdominal eletiva deve ser precoce (em até 24h de pós-operatório) desde que o paciente esteja hemodinamicamente estável. Essa recomendação se aplica mesmo em casos de anastomoses digestivas. Em operações como colecistectomia videolaparoscópica, herniorrafias e cirurgias anoorificiais recomenda-se o início imediato de dieta e hidratação oral, sem uso de hidratação por via endovenosa.”

Há muitos estudos na literatura internacional demonstrando a segurança de se realimentar precocemente pacientes submetidos a procedimentos eletivos anorretais e abdominais, com prioridade para reintrodução por via oral. Além da segurança em relação a ocorrência de deiscências de anastomoses, foi demonstrado diminuição de complicações infecciosas e do tempo de internação.

A tendência atual no pós-operatório é evitar o jejum prolongado e substituir a evolução gradual de líquida para sólida pela prescrição de dieta oral precoce sob livre demanda.

A aceitação dos pacientes pode ser ainda maior com a adoção de outras rotinas perioperatórios presentes em protocolos multimodais de aceleração da recuperação pós-operatória. Tais cuidados incluem:

  • A orientação pré-operatória;
  • O uso de goma de mascar a partir do pós-operatório imediato;
  • A mobilização precoce;
  • O emprego de drogas procinéticas;
  • A não utilização de medicação opioide;
  • A administração criteriosa de líquidos endovenosos no perioperatório: excesso de volume infundido aumenta o íleo pós-operatório, a intolerância à dieta precoce e o tempo de internação;
  • Uso de lidocaína intravenosa em infusão contínua: foi demonstrado que acelera recuperação do íleo pós-operatório e aumenta a tolerância a reintrodução da dieta.

Grau da recomendação: forte.
Força de evidência: alta.

8. Quando deve ser prescrita terapia nutricional especializada no pós-operatório?

A) “A terapia nutricional pós-operatória por sonda enteral, gastrostomia ou jejunostomia, introduzida de forma precoce (24h de pós-operatório), deve ser considerada: para pacientes submetidos a cirurgias de grande porte; quando a nutrição precoce pela via oral for impossível ou não recomendada; ou naqueles pacientes que não conseguem atingir 60% da meta nutricional proposta após 5-7 dias de pós-operatório somente com a via oral”.

Em algumas situações, geralmente associadas à cirurgias de grande porte, a via oral não pode ser utilizada ou é não recomendada. Intolerância à via oral devida à desnutrição prévia, má absorção, estase gástrica prolongada e anorexia representam barreiras para a nutrição pós-operatória por via oral. Nessas situações, a dieta deve ser prescrita por via enteral ou parenteral, mas ainda, precocemente. Estudos realizados ainda nos anos de 1990 demonstraram que a superioridade da nutrição enteral em relação à parenteral, por oferecer menor risco de morbidade e tempo de internação no pós-operatório. Modificações recentes na formulação da nutrição parenteral tem mudado um pouco esse cenário.

Com relação a via ideal para início da dieta enteral, não há consenso, sendo demonstrado equivalência em morbidade e tempo de internação. Entretanto, a jejunostomia permite o uso da terapia nutricional por períodos mais longos, principalmente em pacientes com complicações, evitando o uso de nutrição parenteral.

Grau da recomendação: forte
Força da evidência: alta

B) “A prescrição de fórmulas enterais contendo proteína íntegra e baixo percentual de lipídeos está recomendada na maioria dos pacientes submetidos à cirurgias abdominais de grande porte. Para desnutridos graves, com câncer do aparelho digestivo ou com câncer de cabeça e pescoço, recomenda-se terapia nutricional com imunonutrientes”.

Recente estudo randomizado comparou o uso de fórmula elementar com baixo teor de lipídeos contra fórmula com percentual normal de gordura em pacientes submetidos à esofagectomia e linfadenectomia ampliada por câncer. Houve menor incidência de fístula linfática no pós-operatório de pacientes que fizeram uso das fórmulas com baixo teor de gordura.

Dieta imunomoduladora está relacionada a menores taxas de infecção e menor tempo de internação sendo portanto indicada no pós-operatório precoce de pacientes desnutridos com necessidade de nutrição enteral.

Recomenda-se não mais que 25kcal/kg/dia para a maioria dos pacientes em terapia nutricional enteral nos primeiros dias de pós-operatório, com aporte proteico de aproximadamente 1,5g/kg/dia.

Grau da recomendação: fraco
Força da evidência: moderado

C) “Quando a via digestiva está impossibilitada para uso ou quando a oferta calórica não consegue atingir 60% da meta planejada após cinco dias de pós-operatório, a terapia nutricional parenteral deve ser prescrita, isoladamente ou associada à nutrição enteral”

Estudos avaliaram o melhor momento de iniciar a nutrição parenteral em pacientes cirúrgicos críticos, em terapia intensiva. O início precoce da nutrição parenteral (até o terceiro dia de pós-operatório) tem sido recomendado em guidelines de sociedades quando a nutrição enteral isolada não é suficiente ou está contraindicada, como diante ao íleo prolongado, por exemplo. Alguns guidelines referentes a pacientes sob cuidados intensivos recomendam o uso associado ou isolado de nutrição parenteral somente após a primeira semana de pós-operatório.

Não foram encontrados estudos randomizados realizados em pacientes no pós-operatório que comparassem os resultados clínicos do uso de nutrição parenteral isolada ou associada à nutrição enteral.

Grau da recomendação: fraco
Força de evidência: baixa

9. Em que pacientes deve ser mantida terapia nutricional especializada após a alta hospitalar?

“A suplementação oral ou a nutrição enteral devem ser mantidas após a alta em pacientes que fizeram uso de terapia nutricional no período perioperatório e ainda não conseguem manter as necessidades proteico-calóricas por via oral.”

O estado funcional e nutricional inadequado estão associados a maior risco de reinternação, o que além de implicar em maiores custos hospitalares, determina aumento da morbidade. A suplementação oral pós-operatória para pacientes submetidos a operação de grande porte pode prevenir complicações e diminuir as probabilidades de complicações e de reinternações.

Deve-se ter muito atenção a essa conduta ao dar alta ao paciente, porque apesar dos seus muitos e comprovados benefícios, muitos pacientes em terapia nutricional no perioperatório recebem alta sem orientação de manter provisão adequada de nutrientes.

Grau da recomendação: forte
Força de evidência: baixa

Conclusão

Com esse estudo, pode-se avaliar deficiências de investigação em algumas áreas. Ainda faltam estudos sobre:

  • A educação pré-operatória em pacientes candidatos à cirurgia geral eletiva;
  • Os efeitos deletérios da sarcopenia pré-operatória e maneiras de revertê-la no pré-operatório;
  • O uso de fontes nitrogenadas nos suplementos orais usados no pré-operatório;
  • Realimentação precoce em esofagectomias e gastrectomia total;
  • O melhor momento para início de terapia nutricional parenteral em pacientes não críticos no pós-operatório.

Apesar das deficiências supracitadas, as recomendações possíveis à luz das evidências foram sintetizadas neste artigo. A adoção dessas medidas pode acelerar a recuperação pós-operatória, com diminuição de morbidade, do tempo de internação e de reinternações e, consequentemente, dos custos.

É médico e também quer ser colunista do Portal da PEBMED? Inscreva-se aqui!

Referências:

De-Aguilar-Nascimento JE et al. Diretriz ACERTO de intervenções nutricionais no perioperatório em cirurgia geral eletiva. Rev Col Bras Cir 2017; 44(6): 633-648.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Caroline Mafra de Carvalho MarquesCaroline Mafra de Carvalho Marques
Residência de Cirurgia Geral do Hospital Naval Marcílio Dias ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense ⦁ Email: [email protected] ⦁ Instagram: @mafracaroline