Complicações mecânicas do infarto

Apesar da redução do IAM, a incidência das complicações mecânicas no infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IAMST) se mantém.

Nos últimos anos, em decorrência da prevenção primária, a prevalência de infarto agudo do miocárdio (IAM) vem caindo, sendo atualmente estimada em 3% nos EUA. Apesar dessa redução e da melhora no tratamento, a incidência das complicações mecânicas no infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IAMST) se mantém constante. Algumas explicações são o envelhecimento populacional, melhora nos exames e acurácia diagnóstica e aumento do número de centros especializados de cardiologia. 

Esses quadros são dramáticos e a mortalidade desse pacientes continua extremamente alta. O diagnóstico é um desafio, pois necessita de alta suspeição e confirmação rápida para possibilitar o tratamento precoce, que no geral é bastante complexo e envolve equipe multiprofissional especializada (até 75% dos pacientes apresentam choque cardiogênico e maioria necessita de vasopressores, balão intra-aórtico (BIA) ou outros dispositivos de assistência ventricular).

Leia também: Infarto agudo do miocárdio (IAM) com supra do segmento ST pós-TAVI  

Recentemente, a AHA publicou um documento com informações sobre as principais complicações mecânicas do IAMST e seu manejo. Os principais pontos estão resumidos abaixo.

Complicações mecânicas do infarto

Fatores de risco 

Os pacientes com complicação mecânica são mais frequentemente mulheres, com idade mais avançada, história de insuficiência cardíaca (IC), doença renal crônica (DRC) e frequentemente com um primeiro evento de IAM.

Insuficiência mitral secundária a ruptura de músculo papilar

A ruptura de músculo papilar (RMP), que ocorre após alguns dias do infarto, tem incidência entre 0,05% e 0,26%, porém sua mortalidade se mantém entre 10 e 40%. O mais frequente é a ruptura do músculo póstero-medial, em decorrência de IAMST inferior ou lateral, já que esse músculo tem irrigação única pela artéria circunflexa (ACX) ou pela coronária direita (ACD). Ruptura do músculo anterolateral é extremamente incomum, pois recebe irrigação dupla (da artéria descendente anterior (ADA) e ramo marginal da ACX). 

O acometimento do músculo pode ser parcial ou total e praticamente todos os pacientes têm edema pulmonar e podem evoluir rapidamente para choque cardiogênico. O sopro pode estar ausente devido a rápida equalização das pressões entre o átrio e ventrículo. O ecocardiograma transtorácico (ETT) a beira leito ajuda no diagnóstico, porém nos casos de ruptura parcial pode ser necessário ecocardiograma transesofágico (ETE), que tem maior sensibilidade.

Grande parte das vezes é necessário uso de drogas vasoativas (DVA) e ventilação mecânica. Nos pacientes estáveis hemodinamicamente, nitroglicerina ou nitroprussiato endovenoso ajudam, pois reduzem a pós-carga do ventrículo esquerdo (VE).  No caso de pacientes instáveis, inicia-se o suporte hemodinâmico com noradrenalina ou dopamina e, após estabilização, associa-se um inotrópico. Para os casos refratários pode ser necessário suporte mecânico e o BIA ainda é recomendado pelos guidelines como ponte para o tratamento. Dispositivos como ECMO também podem ser usados para estabilização clínica até definição do tratamento definitivo, porém há apenas séries de casos com este dispositivo. 

O tratamento cirúrgico resulta em melhora importante de sobrevida comparado ao tratamento clínico (69% x 33%). Geralmente é feita a troca valvar, pois o resultado é mais previsível e sua durabilidade é bem estabelecida e, caso haja indicação de revascularização miocárdica, deve ser realizada no mesmo procedimento, já que a mortalidade é semelhante a troca valvar isolada nesses casos. Em casos de pacientes estáveis com ruptura parcial pode-se considerar o reparo da válvula e para pacientes com risco cirúrgico muito alto pode ser considerada troca valvar percutânea. 

Defeitos do septo ventricular

Sua incidência é por volta de 0,3% e os fatores de risco incluem idade avançada, sexo feminino e reperfusão tardia. Geralmente ocorre 3 a 5 dias pós IAMST e a apresentação clínica varia desde a detecção de um sopro (mais audível na borda inferior do esterno) ao exame físico até choque cardiogênico. 

Em relação aos exames complementares: o eletrocardiograma (ECG) pode revelar isquemia, infarto em evolução, onda Q e arritmias ventriculares; o ETT confirma o diagnóstico e avalia o tamanho e a localização do shunt esquerda-direita; a cateterização direita mostra um salto na oximetria entre o átrio direito e a artéria pulmonar e aumento da relação do fluxo pulmonar em relação ao fluxo sistêmico. 

Os defeitos anterior e apical (70% dos casos) são causados por infarto na ADA e os defeitos posteriores são causados por infartos inferiores e geralmente são acompanhados por insuficiência mitral secundária a isquemia.  

Saiba mais: Angiotomografia de coronárias é suficiente para avaliação de risco no infarto sem supra de ST?

A mortalidade dos casos não tratados cirurgicamente pode chegar a 80% em 30 dias e o tratamento clínico isolado deve ser limitado aos pacientes com defeitos hemodinamicamente insignificantes ou aos com risco cirúrgico proibitivo. A redução da pós carga para reduzir o shunt esquerda-direita é essencial e geralmente realizada com tratamento medicamentoso associado a BIA. ECMO pode ser considerado. 

A cirurgia de emergência (reparo primário ou exclusão do infarto) é indicada para os pacientes com choque cardiogênico e edema pulmonar refratário. Em pacientes sem disfunção orgânica, um tratamento mais tardio pode ser considerado, pois permite a formação de cicatriz ao redor do defeito, que possibilita melhor ancoramento dos pontos de sutura e menor mortalidade, principalmente quando a cirurgia é realizada após uma semana do diagnóstico. O momento ótimo para o procedimento deve ser discutido entre toda a equipe.  

A mortalidade após a correção do defeito permanece em 40%, sem melhora nas últimas décadas. Os principais fatores prognósticos relacionados a evolução desfavorável incluem disfunção ventricular, piora hemodinâmica progressiva, choque cardiogênico, infarto inferior, suporte inotrópico e oclusão total da artéria relacionada ao infarto. Em pacientes com risco cirúrgico muito alto pode-se considerar o fechamento percutâneo, geralmente realizado sob anestesia geral e guiado por ETE. Porém, a mortalidade também é alta e as complicações relacionadas ao procedimento são frequentes.  

Ruptura de parede livre 

Sua incidência exata não é conhecida, pois geralmente pacientes com esta complicação apresentam morte súbita. É mais comum em pacientes submetidos a fibrinólise e deve ser suspeitada em todos com instabilidade ou choque após o IAM, principalmente se houve terapia de reperfusão tardia ou ineficaz. O exame físico mostra estase jugular, pulso paradoxal ou dissociação eletromecânica e bulhas abafadas e o ECG pode mostrar novo supra de ST, decorrente de irritação do pericárdio pelo sangue. 

É complicação geralmente fatal, porém um ETT a beira leito pode fazer o diagnóstico e o paciente ser encaminhado para cirurgia de emergência. A mortalidade nos casos operados permanece alta, maior que 35%. A cirurgia tem como objetivo corrigir o defeito, resolver o tamponamento e manter o máximo de tecido saudável para minimizar complicações tardias. 

Pseudoaneurisma e aneurisma de VE

O pseudoaneurisma acontece quando a ruptura miocárdica é contida por aderências do pericárdio. É mais comumente relacionado a infarto prévio e ocorre com maior frequência nas paredes inferior e lateral. Os sintomas são bastante variados e nenhum é patognomônico, sendo os mais comuns dispneia e dor torácica. A maioria dos casos ocorre no sexo masculino e tem alterações do segmento ST no ECG e cardiomegalia na radiografia de tórax. O diagnóstico requer alta suspeição e confirmação com exames de imagem. Os pseudoaneurismas são emergências cirúrgicas, pelo alto risco de ruptura. 

Já os aneurismas são complicações crônicas e associados ao aumento do risco de angina, IC e formação de trombos. Geralmente envolvem a região anterior ou apical e estão relacionados a infarto de ADA. O tratamento geralmente é conservador, sendo o tratamento cirúrgico (aneurismectomia) reservado para os casos de arritmia ventricular intratável e IC refrataria a tratamento convencional que serão submetidos a revascularização miocárdica. 

Conclusão

As complicações mecânicas são um desafio: geralmente se apresentam com instabilidade hemodinâmica após IAM e a alta suspeição e diagnóstico precoce são cruciais. O tratamento é sempre cirúrgico de emergência ou urgência e há alto risco de complicações e sequelas. As decisões devem ter uma abordagem multidisciplinar e serem tomadas em conjunto entre equipe médica, familiares e, muitas vezes, especialistas em cuidados paliativos, que são de grande ajuda devido a alta morbidade e mortalidade desses pacientes. 

 

Referências bibliográficas:

  • Damluji AA, et al. Mechanical Complications of Acute Myocardial Infarction: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation. 2021;143:00–00. doi: 10.1161/CIR.0000000000000985

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