Conceitos para a abordagem da síndrome de fragilidade em idosos

A síndrome de fragilidade é o retrato da deterioração na capacidade compensatória do organismo, levando a uma vulnerabilidade importante a estressores.

O envelhecimento normal (senescência) é acompanhado de uma inexorável perda da reserva fisiológica, que se manifesta de forma diferente em cada indivíduo, variando em relação ao tempo de instalação e a gravidade.

A síndrome de fragilidade é o retrato dessa deterioração na capacidade compensatória do organismo, levando a uma vulnerabilidade importante a diversos estressores. Diante de um insulto agudo ou crônico, os idosos frágeis tendem a responder de maneira insuficiente ou desordenada, na presença da inflamação crônica e alterações imunológicas associadas à fragilidade.

É importante diferenciar a síndrome de fragilidade de idade avançada, multimorbidade (presença de duas ou mais doenças no mesmo indivíduo) e declínio funcional. Um indivíduo pode ter idade avançada e ser robusto (ou seja, não frágil), assim como pode ser frágil na ausência de comorbidades significativas. Independentemente das condições associadas, a síndrome de fragilidade aumenta o risco de eventos adversos em idosos e deve, portanto, sem abordada de maneira apropriada.

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Aspectos conceituais e identificada síndrome de fragilidade

Existem dois modelos mais aceitos na literatura para conceituar a síndrome de fragilidade:

  1. Modelo fenotípico;
  2. Modelo de acúmulo de déficits.

O primeiro modelo foi desenvolvido pela pesquisadora norte-americana Linda Fried e apresenta a fragilidade essencialmente como uma síndrome biológica de repercussão no aspecto físico do indivíduo. Neste modelo fenotípico, um indivíduo é considerado frágil se apresenta 3 ou mais dentre cinco componentes físicos identificados durante a avaliação clínica: perda de peso não-intencional no último ano; fraqueza (baixa performance no hand-grip, ou dinamômetro); exaustão (reportada pelo paciente); diminuição da velocidade de marcha; e baixo nível de atividade física.

Já no modelo de acúmulo de déficits desenvolvido por Rockwood e Mitnitski, a fragilidade é avaliada através da construção de um índice de fragilidade, ou Frailty Index (FI). O índice de fragilidade é composto de 30 ou mais variáveis que correspondem a problemas de saúde acumulados ao longo do envelhecimento. Esses problemas de saúde podem incluir comorbidades, fatores psicológicos, sintomas e incapacidades.

De maneira prática, a síndrome de fragilidade pode ser identificada através do uso de instrumentos desenvolvidos para aplicação em diversos cenários de cuidado. A escolha de um instrumento específico deve considerar a sua validade quanto ao local de aplicação, o tempo disponível do profissional, e a complexidade de administração (ex: a determinação de fragilidade fenotípica pelos critérios de Fried exige a avaliação da força de preensão palmar com uso de um dinamômetro).

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O Quadro 1 contém apenas os principais instrumentos para rastrear síndrome de fragilidade, validados para os três cenários de cuidado: ambulatorial, hospitalar, e instituições de longa permanência.

Quadro 1. Instrumentos validados para rastreio da síndrome de fragilidade

Instrumento Componentes Classificação final
Fragilidade fenotípica3

(Frailty phenotype)

Cinco itens:

-Perda de peso no último ano;

-Baixa atividade física;

-Exaustão;

-Diminuição da velocidade de marcha;

-Fraqueza (alteração da força de preensão palmar no dinamômetro).

Fragil: 3 ou mais itens

Pré-frágil: 1-2 itens

Robusto: nenhum

Índice de Fragilidade5

(Frailty Index)

Construído com base no acúmulo de 30 ou mais problemas de saúde

Escore varia de 0 (nenhum problema) a 1 (todos os problemas).

Ponto de corte sugerido pra fragilidade: 0.25
Escala de Fragilidade Clínica6

(Clinical Frailty Scale)

Questionário visual e escrito para definir fragilidade com base em nove descrições clínicas.

Varia de 1 (muito robusto) a 9 (doente terminal).

Fragilidade: 5
Escala FRAIL7

*Mnemônico para

F: fatigue

R: resistance

A: ambulation

I: illness

L: loss of weight

Cinco itens:

-Fadiga;

-Resistência física (subir 1 lance de escadas sem dificuldade);

-Atividade física (andar 1 quarteirão sem dificuldade);

-Doenças (presença de 5 ou mais dentre onze doenças crônicas);

-Perda de peso.

Fragil: 3 ou mais itens

Pré-frágil: 1-2 itens

Robusto: nenhum

Abordagem da síndrome de fragilidade

As primeiras mensagens sobre o tratamento direcionado para a síndrome de fragilidade são:

  1. Idosos frágeis são frequentemente excluídos de ensaios clínicos randomizados;
  2. Existe benefício de determinados tratamentos em relação aos cuidados de rotina, mas com qualidade baixa de evidência;
  3. A eficácia varia conforme o cenário ambulatorial, hospitalar ou instituições de longa permanência;
  4. A complexidade da síndrome dificulta a identificação de intervenções individuais com benefício satisfatório.

O objetivo principal dessa abordagem deve ser sempre manter a independência funcional e a qualidade de vida do indivíduo idoso, além de evitar hospitalizações desnecessárias e institucionalização.

De maneira geral, as intervenções consideradas de primeira linha para a síndrome de fragilidade são atividade física e a ingestão proteica adequada. Tanto a atividade física unimodal (treinamento de resistência, treinamento aeróbico, ou treinamento de equilíbrio e coordenação) quanto a multimodal parecem ter benefício, com melhora da velocidade de marcha, força muscular, mobilidade e performance física.

Além disso, a desprescrição de medicamentos inapropriados parece contribuir para melhores desfechos, particularmente em cenário de cuidados agudos. Se a síndrome de fragilidade foi manifestada em decorrência de condições médicas subjacentes, o tratamento farmacológico ou não-farmacológico para essas condições deve ser prontamente instituído.

Perspectivas futuras

Para proporcionar o surgimento de terapêuticas eficazes e direcionadas à síndrome de fragilidade, será necessário compreender melhor os fatores biológicos associados à síndrome e desenvolver intervenções baseadas em medicina personalizada.

A medicina centrada na pessoa (person-centered medicine) é essencial nesse contexto, para que cada indivíduo frágil seja abordado com o seguinte racional: identificação precoce da fragilidade; busca de causas tratáveis; e aplicação da decisão informada e compartilhada. Essa abordagem favorece o reconhecimento das variações individuais quanto aos aspectos genéticos, ambientais (estilo de vida) e mórbidos (doença crônicas), e propicia uma abordagem direcionada, multidimensional e, ao que tudo indica, mais eficaz para o tratamento da síndrome de fragilidade.

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Mensagens finais

  1. A síndrome de fragilidade é uma condição associada ao envelhecimento representada por uma deterioração na capacidade fisiológica de órgãos e sistemas, com consequente impacto na resposta a eventos estressores.
    Indivíduos frágeis estão mais suscetíveis a complicações clínicas e eventos adversos, e isso deve ser considerado no contexto do planejamento de intervenções e no seguimento clínico ambulatorial e hospitalar.
  2. Existem diversos instrumentos para rastrear a síndrome de fragilidade na prática clínica e podem ser utilizados por qualquer profissional de saúde devidamente treinado.
  3. A abordagem da síndrome de fragilidade envolve o tratamento de potenciais causas ou doenças concomitantes, a atividade física uni ou multimodal, a ingestão adequada de proteínas, e a suspensão de medicamentos inapropriados.
  4. Futuros tratamentos para a síndrome de fragilidade poderão surgir com o melhor entendimento dos mecanismos celulares e biológicos, e a identificação de biomarcadores que auxiliem a detecção precoce e o prognóstico mais acurado.
  5. É essencial explorar uma abordagem personalizada e centrada na pessoa vivendo com a fragilidade, considerando os aspectos individuais (genéticos, ambientais e clínicos) que contribuem para o surgimento dessa complexa síndrome.

Referências bibliográficas:

  • Cefalu CA. Theories and Mechanisms of Aging. Clin Geriatr Med. 2011;27(4):491-506. doi:10.1016/j.cger.2011.07.001
  •  Clegg A, Young J, Iliffe S, Rikkert MO, Rockwood K. Frailty in elderly people. Lancet. 2013;381(9868):752-762. doi:10.1016/S0140-6736(12)62167-9
  • Fried LP, Tangen CM, Walston J, et al. Frailty in Older Adults: Evidence for a Phenotype. Journals Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):M146-M157. doi:10.1093/gerona/56.3.m146
  • Dent E, Martin FC, Bergman H, Woo J, Romero-Ortuno R, Walston JD. Management of frailty: opportunities, challenges, and future directions. Lancet. 2019;394(10206):1376-1386. doi:10.1016/S0140-6736(19)31785-4
  • Mitnitski AB, Mogilner AJ, Rockwood K. Accumulation of deficits as a proxy measure of aging. ScientificWorldJournal. 2001;1:323-336. doi:10.1100/tsw.2001.58
  • Rockwood K. A global clinical measure of fitness and frailty in elderly people. Can Med Assoc J. 2005;173(5):489-495. doi:10.1503/cmaj.050051
  • Morley JE, Malmstrom TK, Miller DK. A simple frailty questionnaire (FRAIL) predicts outcomes in middle aged African Americans. J Nutr Health Aging. 2012;16(7):601-608. doi:10.1016/j.physbeh.2017.03.040

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