Conheça 11 mitos sobre a furosemida

A furosemida é um diurético famoso em terapia intensiva, tanto pelos benefícios quanto pelos efeitos colaterais. Porém seu uso é cercado de mitos. Conheça.

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A furosemida é o diurético mais famoso em terapia intensiva, tanto pelos efeitos positivos quanto pelo receio dos efeitos colaterais. O fármaco age no segmento ascendente da alça de Henle, ao bloquear seletivamente o cotransportador de Na+K+2Cl-. Sua ação diurética resulta da inibição da reabsorção de cloreto de sódio neste segmento da alça, resultando em uma urina hipotônica.

Existe, entre os médicos, uma preocupação importante quando falamos em furosemida, a sua associação com piora da função renal. Podemos usar furosemida com segurança nos doentes críticos? A Intensive Care Medicine começou o ano com um editorial abordando os mitos a respeito da furosemida.

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Furosemida

Mito 1) Furosemida causa insuficiência renal aguda

Este é o principal receio de muitos médicos. Os artigos atuais oferecem dados insuficientes para chegarmos à conclusão de que diuréticos são fatores de risco para lesão renal aguda. Parece que a chave da questão está em como se utiliza a furosemida, pois, se usada inadequadamente pode contribuir para o desenvolvimento da lesão renal. Por outro lado, quando bem indicada, por exemplo nos pacientes com sobrecarga hídrica, a furosemida pode reduzir a congestão renal e reduzir o consumo de oxigênio.

Dica da Redação: a furosemida é mais segura no paciente com boa perfusão. Se houver sinais de má perfusão, há risco de piorar a azotemia pelo mecanismo pré-renal.

Mito 2) Furosemida e fluidos juntos podem prevenir lesão renal aguda em pacientes de alto risco.

Provavelmente esta afirmativa é incorreta. É comum vermos em alguns locais a prescrição de fluido junto com diurético para “abrir o rim”, a ideia seria estimular a diurese sem causar hipovolemia. Porém, estudos não confirmaram esta hipótese. Um ensaio multicêntrico, randomizado e duplo-cego do Journal of Critical Care concluiu que doses baixas de furosemida em pacientes críticos não reduziu a lesão renal aguda ou necessidade de hemodiálise.

Leia mais:Furosemida por via subcutânea pode ser segura e eficaz

O que devemos ter em mente? Em geral, prescreva cristaloides para quem tem hipovolemia intravascular. Os diuréticos devem ser reservados para pacientes com hipervolemia intravascular.

Dica da Redação: a única indicação para hidratar e prescrever diurético é quando queremos induzir diurese, como em pacientes com hipercalcemia.

Mito 3) Furosemida é contraindicada em pacientes com lesão renal

A furosemida não é contraindicada na lesão renal. Está indicada em pacientes com sobrecarga de líquidos, incluindo aqueles com lesão renal aguda. Temos que ressaltar que no contexto do rim já lesionado, doses mais altas podem ser necessárias, pelo risco de resistência diurética. O uso da furosemida na lesão renal também ajuda no tratamento da hipercalemia, além de ser uma ferramenta utilizada para avaliar a função tubular e o risco de progressão para estágios mais avançados de lesão renal, por meio do teste de estresse de furosemida.

Mito 4) A furosemida pode ser o start para a recuperação da função renal

Furosemida pode levar à diurese significativa em pacientes com lesão renal aguda. A pergunta que temos que nos fazer é: esta diurese reflete uma real melhora da função renal? Não. A diurese indica o funcionamento das células tubulares, em vez de efeito benéfico direto da furosemida sobre a função renal.

Outra pergunta que devemos ter em mente: quais as consequências das altas doses de furosemida em pacientes anúricos? Aumento significativo nos efeitos colaterais, em particular ototoxicidade. Em pacientes com sobrecarga de líquidos, que não urinam, não há espaço para aplicação repetida de furosemida. Nesta situação, a diálise deve ser considerada.

Mito 5) A furosemida funciona melhor se for dada em conjunto com albumina

A furosemida é altamente ligada à albumina no plasma, porém evidências que apoiam o uso de albumina com furosemida são esparsas. Estudos em pacientes com níveis normais de proteína no sangue são inconclusivos, apontando para nenhum benefício direto da infusão combinada nesses pacientes. Já em doentes renais crônicos, há um estudo pequeno com 24 pacientes que mostrou aumento no volume urinário combinando albumina e furosemida em 24h, não houve diferença significativa.

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Mito 6) A infusão contínua de furosemida é mais eficaz que a infusão em bolus

Não é verdade. Pelos resultados de vários ensaios clínicos randomizados e
metanálises, parece que a diurese sustentada é mais fácil de alcançar com a furosemida em infusão contínua quando comparado com bolus, porém não há evidências de melhores desfechos, incluindo mortalidade, duração de internação hospitalar, efeito na função renal ou distúrbio hidroeletrolítico. A diretriz para uso de diuréticos na IC argumenta que o estudo DOSE-HF pode ter sido neutro pela falta de uma dose de bolus da furosemida quando iniciamos a infusão contínua, como explicamos no artigo Conheça novidades da diretriz da ESC 2019 para uso de diuréticos na IC.

Mito 7) Furosemida pode prevenir a diálise

Apesar de esta ser a ideia de muitos que prescrevem a furosemida, esta sentença não é verdadeira. Como já destacamos no Mito 1, a furosemida tem um papel na indução de diurese em pacientes com sobrecarga hídrica. Se o paciente for diurético responsivo, a administração da furosemida pode ganhar algum tempo antes que o paciente entre em diálise, porém aparentemente este desfecho é inevitável. O estudo SPARK comparou furosemida em baixas doses versus placebo em pacientes com o início de lesão renal e não encontrou diferença na taxa de piora da lesão e necessidade de diálise.

Mito 8) A furosemida ajuda a desmamar pacientes anúricos da diálise

Não é verdade. Em pacientes tratados com hemodiálise, o aumento da diurese nos traz esperança de que conseguiremos desmamar a diálise. Porém, não há evidências de que os diuréticos sejam efetivos na melhora depuração da creatinina ou induzir a recuperação renal. Lembra que em um dos tópicos já falamos sobre o risco de ototoxicidade em pacientes anúricos? Então, devemos ser cautelosos no uso de furosemida neste contexto.

Mito 9) Diurese induzida por furosemida após lesão renal significa recuperação da função

Afirmação falsa. Embora a administração de furosemida possa levar a um aumento do débito urinário em pacientes com lesão renal, esta diurese não deve ser considerada um sinal de recuperação renal completa e permanente. Os pacientes com lesão renal aguda, que recuperaram a função excretora, permanecem em risco aumentado de doença renal crônica e aumento da mortalidade. Há situações em que ficamos relativamente aliviados quando o paciente urina, porém precisamos ter em mente que ter diurese não é sinônimo de recuperação completa da função.

Mito 10) Furosemida deve ser interrompida se a creatinina sérica estiver aumentando, indicando piora da função renal

Este é um dos mitos mais prevalentes em nosso meio. Muitos pacientes com insuficiência cardíaca aguda têm um aumento creatinina sérica de 0,3 mg/dl ou mais durante o uso de diurético. No entanto, isso não deve ser automaticamente interpretado como um sinal verdadeiro de piora da função renal. Esta piora, caso esteja acompanhada de aumento do hematócrito, pode refletir apenas um sinal de redução do volume intravascular e redução da congestão. Esta “pseudo” piora pode estar associada a melhores desfechos. O editorial citou um artigo para exemplificar a sentença.

O ensaio FACTT, onde o uso de terapia com diuréticos melhorou o desmame do ventilador, mas foi associada ao aumento creatinina sérica em quase 0,3 mg / dl. Apesar disso, a exigência de terapia de substituição renal foi ainda menor neste grupo. Outro dado é que um dos principais componentes da síndrome cardiorrenal é a congestão venosa, o que justificaria não suspender, mas sim manter a furosemida.

Bônus) Furosemida está contraindicada em via subcutânea

Este mito foi uma contribuição da nossa equipe para complementar o editorial da Critical Care. Já publicamos um artigo que falava sobre a via subcutânea em cuidados paliativos e, entre as opções de medicações, estava a furosemida. Acabou de ser publicada uma revisão da revista Heart Failure sobre o uso da furosemida subcutânea em insuficiência cardíaca descompensada e o estudo concluiu que esta via, a depender de novos estudos, pode no futuro oferecer uma possibilidade de tratamento ambulatorial para este tipo de descompensação.

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Referências:

  • Artigo base: 10 myths about frusemide. Michael Joannidis, Sebastian J. Klein and Marlies Ostermann. Intensive Care Medicine. 2019
  • Afari, M. E., Aoun, J., Khare, S., & Tsao, L. (2019). Subcutaneous furosemide for the treatment of heart failure: a state-of-the art review. Heart Failure Reviews.doi:10.1007/s10741-018-9760-6

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