Corticoterapia na artrite reumatoide: desmamar ou não? Resultados do estudo SEMIRA

Corticoterapia é muito frequente na artrite reumatoide. O estudo SEMIRA comparou desmame de corticoide com a manutenção de baixas doses.

O uso de corticoides é muito frequente para o controle da inflamação na artrite reumatoide (AR). No entanto, sabemos que o uso dessas drogas está associado a efeitos deletérios a longo prazo, como hipertensão, disglicemia, osteoporose, entre outros.

O desmame de corticoide é ainda realizado de maneira empírica, uma vez que evidências de alta qualidade são escassas. Para endereçar essa questão, Burmester et al. desenvolveram o estudo SEMIRA (Steroid EliMination In Rheumatoid Arthritis), que comparou um esquema de desmame de corticoide com a manutenção de baixas doses de corticoide.

Leia também: É possível prever a reativação após desmame ou suspensão de adalimumabe na artrite reumatoide?

corticoterapia para artrite reumatoide

Corticoterapia na artrite reumatoide

Trata-se de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, multicêntrico (39 centros em seis países). Pacientes com AR (classificados há, pelo menos, seis meses através dos critérios ACR 1987 ou ACR-EULAR 2010) em uso de tocilizumabe (8 mg/kg EV a cada quatro semanas ou 162 mg SC a cada semana; DMARDs sintéticos convencionais foram mantidos, caso utilizados durante os estudos anteriores, porém sua dose só poderia ser reduzida por motivos de segurança/eventos adversos) e prednisona 5-15 mg/dia durante o período de 24 semanas passaram pelo screening.

Para atender aos critérios de inclusão no SEMIRA, os pacientes deveriam estar em baixa atividade de doença ou remissão (DAS28 <3,2) por quatro a seis semanas e utilizando prednisona na dose de 5 mg ou mais por, no mínimo, quatro semanas antes da randomização.

Os pacientes foram divididos em dois grupos, na proporção de 1:1 (ajustados por país de origem, uso concomitante de DMARDs sintéticos convencionais e peso corporal). O primeiro (controle) manteve a prednisona na dose de 5 mg/dia, durante 24 semanas; no segundo (intervenção), a dose de prednisona foi diminuída em 1 mg/mês, até a dose de 0 na semana 16 (semelhante à polimialgia reumática).

Pacientes com flare (DAS28 >3,2 ou aumento de 0,6 no DAS28 inicial) da artrite reumatoide durante o estudo receberam 5 mg/dia por dia, durante 2 semanas, com possibilidade de extensão para o total de 4 semanas, em caso de ausência de resposta. Pacientes do grupo intervenção que precisaram de prednisona 5 mg/dia por mais de 4 semanas (flare mantido) foram excluídos do estudo.

O desfecho primário avaliado foi a mudança no DAS28-VHS entre a randomização e a semana 24. O desfecho secundário principal foi o sucesso terapêutico, definido como baixa atividade de doença na semana 24 + ausência de flare por 24 semanas + ausência de insuficiência suprarrenal aguda necessitando de terapia de reposição. Outros desfechos secundários e exploratórios foram avaliados.

Cálculo amostral para 80% de poder e IC95% bicaudado: 226 pacientes.

Resultados

Dos 421 pacientes que passaram pelo screening, 259 foram incluídos no estudo. Desses, 226 concluíram as 24 semanas de seguimento (114 no grupo de desmame e 112 no grupo de manutenção). Como esperado, a maioria era do sexo feminino; além disso, 98% eram brancos, 50% alemães, com tempo médio de doença em torno de 9 anos.

A variação média do DAS28-VHS no grupo de desmame foi de 0,54 (IC95%, 0,35 a 0,73) e no grupo de manutenção, -0,08 (IC95% -0,27 a 0,12). Desse modo, a diferença entre grupos foi de 0,61 (IC95% 0,35 a 0,88, p <0,0001), favorecendo o grupo de manutenção.

Com relação ao sucesso terapêutico, 77% dos pacientes no grupo manutenção e 65% dos pacientes no grupo desmame atingiram esse desfecho (diferença de 12%, RR 0,83, IC95% 0,71 a 0,97).

Eventos adversos graves ocorreram em 5% dos pacientes do grupo desmame e em 3% do grupo manutenção.

Para maiores detalhes de outros dados, sugiro a leitura do artigo original.

Veja mais: Upadacitinibe ou abatacepte na artrite reumatoide? Resultados do estudo SELECT-CHOICE

Comentários

Nesse estudo, a manutenção do corticoide por 24 semanas se associou com melhores desfechos, tanto na mudança do DAS28-VHS quanto nas taxas de sucesso terapêutico. Isso está em consonância com alguns estudos prévios que sugerem um possível papel modificador da evolução da AR com o uso de corticoide.

Analisando os dados apresentados, o NNH relacionado ao desmame de prednisona seria de aproximadamente 8. Ou seja, 1 a cada 8 pacientes que desmamaram o corticoide apresentam perda do controle da atividade da doença ao longo de 24 semanas (6 meses) de seguimento. Ainda que pareça um bom dado a favor da manutenção do corticoide, não podemos nos esquecer que 65% dos pacientes no grupo de desmame apresentaram sucesso terapêutico. Logo, é possível que seja feito o desmame da prednisona na maioria dos casos, com manutenção do controle da doença.

É importante destacar que não devemos menosprezar os efeitos colaterais dos corticoides a longo prazo, uma vez que mesmo doses baixas de prednisona estão associadas a complicações, como catarata, diabetes, eventos cardiovasculares, infecções e morte. Um dado reconfortante é que mais pacientes no grupo desmame apresentaram eventos adversos considerados graves, quando comparados com o grupo manutenção. Apesar disso, o tempo de seguimento foi muito curto para avaliar os efeitos deletérios a longo prazo da corticoterapia prolongada.

Dentre as limitações desse estudo, está o fato de a população ser selecionada de outros ensaios clínicos, o que dificulta a extrapolação dos seus resultados para pacientes de vida real, que frequentemente apresentam mais comorbidades (p.e., diabetes, hipertensão arterial). Ainda, 38,5% dos pacientes que passaram pelo screening não forma elegíveis para o SEMIRA (n=162 de 421). Por fim, a população randomizada foi de pacientes com longa duração de doença, com cerca de 9 anos de diagnóstico, o que limita a extrapolação dos dados para pacientes com AR inicial.

Como conclusão, os autores destacam que a manutenção de prednisona 5 mg/dia durante 24 semanas após controle inicial da doença se associou a melhor controle da AR, com eventos adversos relativamente infrequentes, quando comparados com a estratégia de desmame.

Referência bibliográfica:

Burmester GR, Buttgereit F, Bernasconi C, et al. Continuing versus tapering glucocorticoids after achievement of low disease activity or remission in rheumatoid arthritis (SEMIRA): a double-blind, multicentre, randomised controlled trial. Lancet. 2020;396:267-76.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.