Covid-19 e infecções fúngicas

Doenças fúngicas invasivas podem apresentar altas taxas de mortalidade e sua associação com a Covid-19 vem sendo vista com maior frequência.

Cada vez mais tem-se discutido os efeitos secundários causados pela infecção pelo SARS-CoV-2. Além de complicações vasculares, neurológicas, psiquiátricas, metabólicas, entre outras, a detecção de outras infecções de forma concomitante vem ganhando destaque. Doenças fúngicas invasivas podem apresentar altas taxas de mortalidade e sua associação com quadros de Covid-19 vem sendo reconhecida com maior frequência, principalmente em pacientes críticos.

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A pandemia do vírus SARS-CoV-2 teve sua origem possivelmente relacionada ao contato com animais silvestres exóticos.

Aspergilose pulmonar

Pacientes com síndrome respiratória aguda grave causada por Influenza parecem estar sob maior risco de desenvolvimento de aspergilose invasiva mesmo na ausência de fatores de imunossupressão. De forma semelhante, diversos estudos vêm demonstrando um aumento na incidência de casos de aspergilose pulmonar em indivíduos com Covid-19.

Casos de aspergilose pulmonar associados a Covid-19 (CAPA) vêm sendo registrados com frequências variadas entre os estudos, sendo descritos com taxas de 0,7 – 7,7% entre pacientes com Covid-19, 2,5 – 39,1% entre pacientes com Covid-19 que estão internados em leitos de UTI e 3,2 – 29,6% entre pacientes com Covid-19 em ventilação mecânica.

Interessante notar que muitos desses pacientes não possuem os fatores de risco clássicos para aspergilose pulmonar invasiva, como neoplasias, neutropenia ou história de transplante de células tronco hematopoiéticas. Outros fatores como necessidade de internação em leito de terapia intensiva ou quadros graves de Influenza já haviam sido reconhecidos como fatores de risco em pacientes não neutropênicos.

Uma revisão publicada na Emerging Infectious Diseases levantou casos de CAPA de março a agosto de 2020 publicados na literatura e na plataforma de registro mundial de infecções fúngicas FungiScope. Dos 186 casos de CAPA identificados, descritos em 17 países, a maioria (97,8%) estavam internados em UTI, tinham diagnóstico de SARA (96,8%) ou estavam em ventilação mecânica (94,1%). Outras características comuns encontradas foram uso de corticoides (52,7%), doença cardiovascular (50,5%), insuficiência renal (39,8%), diabetes mellitus (34,4%) e obesidade (25,3%). Doença pulmonar crônica prévia foi descrita em 21,5% dos pacientes.

Para 81,7% dos casos, o diagnóstico de aspergilose foi feito em uma média de 10 dias após o diagnóstico de Covid-19, sendo Aspergilus fumigatus a espécie mais frequentemente isolada em amostras respiratórias (65,6%). Dos pacientes identificados com CAPA nessa revisão, 52,2% morreram, com aspergilose sendo atribuída como causa principal em 17,2%. A maior parte dos óbitos (47,8%) ocorreu com menos de 6 semanas após o diagnóstico de CAPA. Para esse estudo, o uso de Voriconazol esteve associado a menor mortalidade.

Alterações radiológicas pulmonares estavam presentes em 97,8% dos casos, mas os achados eram, em sua maioria, inespecíficos. Em outra revisão, somente 1 de 38 pacientes com CAPA apresentou o “sinal do halo” em TC de tórax, enquanto alterações como opacidades em vidro fosco e nódulos pulmonares foram mais frequentes. Contudo, a maior parte dos pacientes apresentava alterações reconhecidas como típicas de Covid-19.

Em relação aos métodos diagnósticos, a dosagem de galactomanana é uma importante ferramenta. Entretanto, a gravidade dos casos de Covid-19 e a preocupação com a formação de aerossóis pode dificultar a realização de broncoscopia para coleta de amostras. A dosagem de galactomanana sérica tem menor sensibilidade em pacientes não neutropênicos para o diagnóstico de aspergilose invasiva (25% vs 70% em pacientes neutropênicos). Para vencer essa dificuldade, muitos autores recomendam a associação de testes, como dosagens de galactomanana e beta-D-glucana.

Outras doenças fúngicas invasivas

Diversos estudos têm demonstrado incidência aumentada de candidemia. Um estudo conduzido em um hospital norte-americano encontrou uma incidência de candidemia nosocomial de 8,9%. Todos os pacientes apresentavam cateteres venosos, arteriais e vesicais. O uso de ventilação mecânica esteve associado ao desenvolvimento de candidemia quando os pacientes foram comparados com controles.

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Em um hospital universitário brasileiro, a incidência de candidemia detectada durante o período de epidemia foi de 7,44 por 1000 admissões, enquanto em período pré-epidemia semelhante a incidência foi de 2,98 por 1000 admissões, compatível com a série histórica local. Quando consideradas as admissões de pacientes com Covid-19, a incidência encontrada foi de 14,8. Todos os pacientes diagnosticados com Covid-19 e que apresentaram episódios de candidemia estavam internados em UTI no momento do diagnóstico da fungemia.

Outras infecções fúngicas invasivas vêm sendo descritas, tais como mucormicose, criptococose e Histoplasmose, mas de forma muito menos frequente.

Mensagens práticas

  • Para pacientes com Covid-19 grave que apresentam suspeita de infecção, especialmente os pacientes críticos, em ventilação mecânica e/ou que receberam antibioticoterapia de amplo espectro previamente, deve-se considerar a possibilidade de infecção fúngica.
  • Para casos de aspergilose pulmonar associada à Covid, alterações radiológicas são comuns, mas inespecíficas. A ausência dos achados clássicos de cavitação ou sinal do halo não é suficiente para excluir CAPA em um contexto de suspeição clínica.
  • Marcadores como galactomanana em amostras respiratórias do trato respiratório inferior, principalmente lavado broncoalveolar, podem auxiliar o diagnóstico. Galactomanana sérica apresenta menor acurácia em pacientes não-neutropênicos.
  • O diagnóstico de infecções fúngicas invasivas deve envolver a combinação de suspeição clínica, exames radiológicos e microbiológicos e biomarcadores.

Referências bibliográficas

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