Covid-19 em crianças: o que aprender com outros coronavírus sobre prejuízos neurológicos?

A investigação de outros coronavírus pode nos ajudar a compreender melhor as manifestações da Covid-19 em crianças. Saiba mais.

Desde o início da pandemia de Covid-19, os coronavírus têm ganhado destaque em qualquer meio científico ou midiático. Devemos nos lembrar, porém, que os coronavírus formam um amplo grupo que inclui sete vírus capazes de infectar seres humanos. As doenças causadas por esses outros coronavírus são bastante conhecidas e podem auxiliar com o conhecimento acumulado na busca de novas compreensões do SARS-CoV-2. 

Desses sete tipos de coronavírus capazes de causar doenças em seres humanos, seis são reconhecidamente capazes de causar manifestações neurológicas em crianças. Um deles (MERS-CoV-2) tem descrição de causar alterações neurológicas em adultos. Dessa forma, o entendimento desses quadros pode colaborar com a compreensão das manifestações neurológicas causadas pela Covid-19 em crianças

Nas crianças, o comprometimento neurológico causado por infecções virais pode ser devastador. Devido à fragilidade do sistema nervoso central infantil, que ainda está em desenvolvimento, podem ocorrer sequelas de longo prazo que levam a prejuízos motores, cognitivos e sociais, e esses podem variar num espectro desde quadros leves até quadros com grande incapacidade futura. Conseguir avaliar esses quadros, bem como identificar formas de prevenção e reabilitação, podem permitir um prognóstico bem mais favorável a esses pacientes. 

Covid-19 em crianças

Covid-19 em crianças

O SARS-CoV-2 pode causar doença neurológica através da disseminação hematogênica ou local (via trato naso-olfativo) do sistema nervoso central. Também pode levar a comprometimento neuronal devido a um processo inflamatório extenso, como o que ocorre na síndrome inflamatória multissistêmica associada ao Covid (SIM-C). As manifestações podem ser dar na forma de encefalopatia, crises convulsivas, paralisia de nervos periféricos, e até mesmo em quadros assintomáticos, mas com prejuízo no desenvolvimento a longo prazo. Como essas manifestações neurológicas da Covid-19 são raras (cerca de 1% dos casos relatados na literatura), pouco conhecimento existe sobre esses quadros. Sendo assim, a investigação sobre como os outros coronavírus podem causar alterações neurológicas na infância pode nos ajudar a compreender melhor as manifestações da Covid-19 em crianças, principalmente no que diz respeito ao prognóstico de longo prazo. 

Revisão da literatura

O periódico Pediatric Neurology publicou em janeiro de 2021 uma revisão da literatura a respeito das manifestações neurológicas na população pediátrica (abaixo de 24 anos de idade) causadas por infecções pelos coronavírus. Foram incluídos 52 artigos revisados por pares, publicados em qualquer língua e no período desde 1949 até novembro de 2020. A maioria dos artigos eram de relatos ou série de casos.

A revisão da literatura apresentou variadas apresentações neurológicas tanto das infecções pelo SARS-CoV-2, quanto pelos outros coronavírus. Em muitos casos, não foi possível realizar o diagnóstico definitivo, e as manifestações clínicas associadas ao coronavírus foram feitas com base na temporalidade da apresentação clínica e na exclusão de outros diagnósticos diferenciais. 

Os relatos foram de manifestações como paralisia flácida aguda, inclusive com manifestações de síndrome de Guillain-Barré e mielite transversa, encefalomielite disseminada aguda (ADEM), crises convulsivas, principalmente convulsões febris em menores de 1 ano, encefalites e acidentes vasculares cerebrais (apenas SARS-CoV-2), tanto relacionados a infecções pelo SARS-CoV-2 quanto por outros coronavírus. Em alguns casos, não houve recuperação do quadro neurológico inicial, ou houve recuperação apenas parcial.  

Com relação às crises convulsivas, múltiplas séries de caso sugeriram que as crises convulsivas febris, especialmente em menores de um ano, foram as manifestações neurológicas mais comuns relacionada às infecções pelos coronavírus. Nesses casos, as crianças tiveram prognóstico neurológico muito bom, sem descrição de complicações a longo prazo. Apesar disso, a infecção pelo SARS-CoV-2 foi relacionada à episódios de estado de mal epiléptico em quatro relatos de casos, inclusive como apresentação principal da Covid-19. Essa informação indica que quadros de crises convulsivas de difícil controle com história epidemiológica para Covid-19 em crianças devem incluir esse diagnóstico como diagnóstico diferencial. 

Os quadros de encefalite foram os segundos mais descritos relacionados às infecções pelos coronavírus. Em pacientes com infecções por coronavírus não SARS-CoV-2, os pacientes eram menores que um ano, imunocomprometidos e infectados pelo coronavírus OC43, e apresentaram alta letalidade. Já com relação à infecção pelo SARS-CoV-2, foram identificados seis casos de encefalite. Apesar da alta gravidade dos quadros de encefalite, os artigos não avaliaram o prognóstico de longo prazo dessas infecções. 

Foram identificados 8 pacientes com SIM-C e manifestações neurológicas, que incluíram encefalites, hemiparesia aguda devido a eventos cerebrovasculares, alterações do estado mental devido a microinfartos em estruturas cerebrais profundas, sintomas neuropsiquiátricos agudos e paralisia de nervos cranianos associada à elevação da pressão intracraniana. Esses casos foram atribuídos à intensa resposta inflamatória (tempestade de citocinas) que ocorre na síndrome, levando a lesão endotelial, aumento do risco de microinfartos e alterações no funcionamento do sistema nervoso 

Necessidade de acompanhamento de longo prazo

Apesar de raras, as manifestações neurológicas relacionadas à infecções pelos coronavírus são reconhecidas e é possível que aumentem ao longo do tempo, devido ao aumento da suspeição por parte dos profissionais de saúde e devido à pandemia de Covid-19. 

No entanto, poucas descrições são encontradas na literatura, principalmente no que diz respeito ao prognóstico neurológico de longo prazo. Sendo assim, os autores do estudo sugerem algumas perspectivas para clínicos que se deparem com crianças com infecções pelos coronavírus. 

Leia também: Covid-19: maioria das crianças e adolescentes infectados pode não apresentar sintomas típicos, aponta estudo

Os pacientes que se apresentam com disfunções neurológicas ou com quadros graves, mesmo sem lesões neurológicas iniciais, uma vez que a gravidade da doença já é um fator de risco para comprometimento no desenvolvimento, devem ser acompanhados a longo prazo por equipe especializada e multiprofissional, contendo neurologistas, psiquiatras e especialistas no desenvolvimento infantil. Como nem sempre é fácil de se conseguir esse tipo de atendimento, os profissionais da atenção básica devem desenvolver habilidades de avaliação do desenvolvimento infantil, principalmente voltado para as aquisições específicas de cada faixa etária, de forma a conseguir realizar avaliações iniciais de crianças com possíveis sequelas neurológicas. Devemos lembrar que muitas vezes as sequelas são de difícil reconhecimento pela família, e daí a importância da avaliação sequenciada. 

Existe uma limitação importante a respeito de dados de longo prazo sobre o desenvolvimento infantil após infecções por coronavírus. Após a pandemia de Covid-19, essa será uma questão importante nos próximos anos e mais estudos e protocolos clínicos serão necessários para melhor manejo dos nossos pacientes.  

Referência bibliográfica:

 

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