Covid-19: Estudos de necrópsia podem ajudar no tratamento?

Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) vem realizando a necrópsia de corpos de pacientes diagnosticados com Covid-19.

Um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) vem realizando a necrópsia de corpos de pacientes diagnosticados com Covid-19 que vieram a óbito no Hospital das Clínicas da instituição através de procedimentos minimamente invasivos.

“Os resultados preliminares das análises estão sendo compartilhados com a equipe médica do Hospital das Clínicas e de outras instituições antes mesmo de publicarmos em revistas científicas para ajudar no tratamento dos pacientes atualmente internados”, segundo explicou Marisa Dolhnikoff, professora da FM-USP e coordenadora do estudo, em entrevista ao Portal da FAPESP.

O objetivo é comparar o que está sendo constatado pelos exames de imagem com as observações de médicos clínicos durante o tratamento dos pacientes em estado crítico.

Desta maneira, os médicos poderão avaliar se um paciente que ficou mais tempo internado apresenta outras alterações no pulmão ou se as diferentes formas de ventilação mecânica às quais foram submetidos causam alterações diferentes no órgão.

“Quando começamos a liberar os dados, fomos imediatamente contatados por clínicos dizendo que as tomografias dos pacientes que estão analisando nos hospitais não são todas iguais. Isso levantou a questão de que pode haver mais de um padrão de comprometimento pulmonar pela doença”, aponta a pesquisadora.

Paciente falecido devido a Covid-19, é enviado para exames posteriores de necropsia.

Primeiras necrópsias analisadas

Foram realizadas, até o dia 3 de abril, seis necrópsias de pacientes que vieram a óbito pela doença, com o consentimento das famílias.

Os quatro primeiros casos analisados foram de dois homens e uma mulher, acima de 60 anos e com histórico de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão. Além de outro paciente mais jovem, também com doenças preexistentes. Em comum, a evolução da enfermidade nos quatro casos foi muito rápida: entre quatro e dez dias.

Os resultados preliminares das análises indicaram alterações semelhantes às descritas por grupos de pesquisadores chineses em quatro artigos publicados nas últimas semanas, em que relatam os resultados de séries de necrópsias de entre três e quatro pacientes diagnosticados com a doença.

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Estudo chinês

O relatório dos pesquisadores chineses, publicado no Journal of Forensic Medicine, em fevereiro, aponta que o novo coronavírus desencadeia sintomas inflamatórios nas vias respiratórias e bolsas de ar dos pulmões.

Seu dano ao tecido pulmonar na forma de fibrose pulmonar é menos grave que a SARS. Entretanto, os sintomas de inchaço nos pulmões são mais pronunciados.

Os danos nos pulmões são particularmente perceptíveis e secreções viscosas podem infiltrar-se através dos sacos aéreos. Isso poderia explicar a sensação de afogamento relatada pelos pacientes da doença em estado grave e crítico.

Os resultados dos danos da Covid-19 ao coração, rins, cérebro, baço e trato digestivo são inconclusivos e exigirão uma investigação mais aprofundada, informou o relatório.

Isso se deve em parte ao fato de que os onze corpos são provenientes de pessoas com idades entre 52 e 80 anos, e seus órgãos podem ter sofrido outros problemas de saúde subjacentes que interferiram na pesquisa.

No entanto, os pesquisadores chineses observaram que uma pequena quantidade de secreção causada por inchaço nos pulmões pode escorrer para a cavidade torácica e infectar o coração. Isso pode explicar por que pacientes com doenças cardiovasculares podem experimentar piores condições, mas esse vínculo precisaria ser confirmado através de mais pesquisas.

Lesões extensas e múltiplas

As análises realizadas pelos pesquisadores da FM-USP confirmam a constatação de que a morte pela Covid-19 é causada por insuficiência respiratória em função de lesões extensas e severas causadas pelo novo coronavírus, em múltiplas áreas dos pulmões.

A ação do vírus é predominantemente nas células epiteliais, que revestem os alvéolos pulmonares e participam do processo de troca gasosa — de gás carbônico por oxigênio. Elas são alteradas ao serem infectadas pelo vírus.

A perda dessas células epiteliais causa uma extensa lesão nos alvéolos pulmonares, comprometendo a troca gasosa em uma área muito expressiva do pulmão, reduzindo a oxigenação dos tecidos e levando à insuficiência respiratória.

“Analisando as tomografias percebemos que algumas regiões do pulmão são mais afetadas, como as posteriores, e que a infecção compromete, pelo menos, metade do órgão”, ressalta a coordenadora do estudo.

“Em um dos casos, ainda foi observada a presença de pequenos focos de hemorragia na microcirculação pulmonar, associados com microtrombos, que certamente devem estar relacionados a distúrbios de coagulação já descritos em pacientes que vieram a óbito em decorrência da Covid-19”, dizem os pesquisadores.

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Pneumonia bacteriana

Outra pergunta a ser respondida é se as pneumonias bacterianas secundárias, que podem acometer os pacientes em estado grave e complicar o quadro clínico, têm relação com o tempo de ventilação a que foram submetidos.

As análises dos quatro primeiros casos mostraram que dois pacientes foram acometidos por uma grave pneumonia bacteriana após a infecção viral.

“É natural que uma infecção viral desencadeie uma pneumonia bacteriana. Mas, no tratamento desses casos graves, essas infecções precisam ser rapidamente identificadas e tratadas com antibióticos”, ressalta Marisa Dolhnikoff.

A ocorrência de duas pneumonias juntas causa sérios danos tanto locais, no pulmão, como sistêmicos, uma vez que começam a circular pelo corpo e lesar outros órgãos.

“A infecção bacteriana tem um impacto enorme na função pulmonar e repercute em outros órgãos, resultando em quadro de sepse, que culmina com o óbito do paciente”, explica a médica.

*Esse artigo foi revisado pela equipe médica da PEBMED

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