Durante uma fiscalização realizada no último dia 9, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) encontrou milhares de amostras para exames moleculares para Covid-19, à espera de seu processamento, acondicionadas fora das boas práticas laboratoriais, no Instituto Adolfo Lutz (SP).
A fase pré-analítica dos exames laboratoriais é, de longe, a etapa mais suscetível a erros e interferências, sendo a mais difícil de se controlar pelo Laboratório Clínico. Ela corresponde àquela etapa dos exames de laboratório que engloba todos os processos e procedimentos (extra e intralaboratoriais) adotados antes do processamento/análise da amostra em si. A indicação pré-teste, solicitação do exame, orientação ao paciente, dieta, coleta da amostra biológica, identificação, transporte e acondicionamento/armazenamento, são alguns dos exemplos onde há a possibilidade desses erros pré-analíticos.
O Instituto Adolfo Lutz é referência na realização no teste da reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa em tempo real (RT-PCR), método molecular com alta sensibilidade e especificidade, considerado o “padrão-ouro” para o diagnóstico da Covid-19.
Há uma grande escassez, à nível mundial, desses testes moleculares, devido à enorme demanda, além da falta generalizada de equipamentos/insumos para suas determinações. Todos esses fatores fazem com que, atualmente, a quantidade de amostras que chegam aos laboratórios seja muito maior do que a capacidade instalada de processamento. Dessa maneira, milhares de amostras estão armazenadas, ainda aguardando a sua análise, nos principais laboratórios de referência do país, com um tempo de liberação do resultado que pode facilmente superar sete dias.
Recomendações de acondicionamento
Segundo a denúncia do CREMESP, milhares de amostras estavam sendo armazenadas em geladeiras (2 a 8 ºC) por mais de 72 horas após a coleta, o que vai de encontro às recomendações dos principais órgãos de saúde.
De acordo com protocolos nacionais e internacionais, as amostras devem ser mantidas sob refrigeração (2 a 8 ºC) por, no máximo, 72 horas até o seu processamento. Se, por algum motivo, essas amostras não consigam ser enviadas e analisadas dentro desse prazo, as mesmas devem ser mantidas congeladas a -70oC (ou menos), assegurando as condições ideais de temperatura.
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Quais as possíveis consequências?
Os Laboratórios Clínicos devem ser capazes de avaliar e possuir o controle total dos procedimentos e protocolos, com a implementação de indicadores da qualidade e rastreabilidade de todo o ciclo, reduzindo assim as chances de erros.
O armazenamento inapropriado pode inviabilizar a análise, por causar uma contaminação e/ou deterioração da amostra biológica e, por conseguinte, perda da qualidade e confiabilidade dos resultados encontrados. A amplificação do material genético do SARS-CoV-2 (RNA) pode ser prejudicada, levando a resultados falso-negativos.
Resultados laboratoriais incorretos, seja por qualquer motivo, podem causar sérios danos ao paciente e à saúde pública em geral, notadamente em períodos pandêmicos. Essas não conformidades levam a diagnósticos, condutas e ordenamento de políticas públicas equivocadas.
Referências bibliográficas:
- ABNT AMN ISO/TS 22367:2009. Laboratório clínico. Redução do erro através da gestão de riscos e melhoria contínua (ISO/TS 22367:2008, IDT).
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- Globo. Cremesp vê irregularidades em armazenamento de amostras para teste de coronavírus no Instituto Adolfo Lutz e aciona MP. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/10/cremesp-denuncia-instituto-adolfo-lutz-ao-mp-por-invalidar-20-mil-amostras-de-sangue-que-fariam-teste-para-coronavirus-em-sp.ghtml
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