Covid-19: Quais as opções terapêuticas baseadas em evidências? [podcast]

Conversamos com um dos pesquisadores da Coalizão Covid-19 Brasil sobre as principais opções terapêuticas que já possuem evidências.

No podcast especial de hoje, nossa editora médica associada, Dayanna Quintanilha, conversa com o doutor em Clínica Médica e pesquisador do Brazilian Research in Intensive Care Network (BRICnet) Vicente Dantas, médico  coordenador da pós-graduação em Terapia Intensiva do Hospital Naval Marcílio Dias.

Vicente é um dos pesquisadores da Coalizão Covid-19 Brasil e conversou sobre as principais opções terapêuticas que já possuem evidências científicas para prática clínica e aquelas que ainda estão em andamento. Confira:

https://soundcloud.com/pebmed/covid-19-quais-as-opcoes-terapeuticas-baseadas-em-evidencias

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médico escrevendo em prontuário de paciente com Covid-19

Confira a transcrição: opções terapêuticas para Covid-19

Dayanna Quintanilha: Sejam todos bem-vindos ao podcast da PEBMED. Meu nome é Dayanna Quintanilha, sou especialista em Clínica Médica e hoje nós vamos conversar sobre Covid-19: opções terapêuticas baseadas em evidências. A Covid-19 já atingiu mais de quatro milhões de brasileiros e causou em torno de 146 mil óbitos. Nesses mais de seis meses de experiência com a doença, aprendemos muito sobre a sua fisiopatologia e abordagem. Tanto nas atividades que realizamos a beira leito quanto nas pesquisas que tem sido desenvolvidas. Hoje convidamos o Doutor Vicente para fazermos um balanço do que temos de evidências a respeito das terapias até o momento. Seja muito bem-vindo, Vicente! O Vicente é pesquisador médico, responsável pela Pós Graduação em Medicina intensiva do Hospital Naval Marcilio Dias e também é pesquisador associado ao BRICNet.

Vicente Dantas: Obrigado, Dayanna, pelo convite! Estou à disposição aqui para as perguntas.

Dayanna Quintanilha: Vicente, eu queria começar te perguntando um pouco sobre a sua rotina. Como é que tem sido a sua rotina nesse período de pandemia? Com o que você tem trabalhado?

Vicente Dantas: Então, eu acho que todos nós, médicos, desde o início da pandemia tivemos uma carga de trabalho enorme. Tanto nós que somos pesquisadores, mas sou médico também, trabalho em Terapia Intensiva, então tanto como pesquisador, tanto como médico, na beira do leito, tivemos um aumento expressivo da carga de trabalho. Além desse aumento expressivo da carga de trabalho, nós lidamos com uma doença altamente transmissível. Quase todos nós ou pelo menos 40% dos profissionais, todos nós do nosso grupo de pesquisa, tiveram a Covid. E mais ou menos a margem de contaminação no Brasil é em torno de 40% dos profissionais da saúde foram contaminados com a Covid. E, além disso, o que levou a separação de nossas famílias, essa carga de trabalho, ou seja, também temos um alto índice de Burnout entre os profissionais de saúde. Eu fui um deles, mas tivemos licenças médicas por conta disso. Então a carga de trabalho foi muito alta e a evolução, a carga de pesquisa foi também extremamente alta porque é uma doença que precisava de respostas muito rápidas. Eu nunca vi tanta publicação em tão pouco tempo, tanto que a maioria dos revisores e editores não deram conta. E nós vimos inúmeras coisas acontecerem que podemos falar mais adiante. Então a carga e a velocidade de publicação são enormes. Eu nunca tive tanto trabalho de pesquisa na vida por conta da velocidade que precisamos da resposta. Acho que é um pouco isso. Tanto a beira leito, o Burnout e o excesso de trabalho, quanto a carga de pesquisa que nós estamos tendo.

Dayanna Quintanilha: Eu cheguei a participar um pouco lá do seu grupo de pesquisa, Vicente, no Hospital Naval Marcilio Dias e nós vimos que enfrentamos algumas dificuldades para de fato fazer pesquisa no meio da pandemia. Queria que você conversasse um pouquinho com a gente sobre isso. O que você identificou como as maiores dificuldades nesse cenário?

Vicente Dantas: Você participou e foi peça fundamental no nosso grupo de pesquisa. Esperamos você de volta no grupo de pesquisa.

Dayanna Quintanilha: Vou voltar, vou voltar. (-risos)

Vicente Dantas: E aí tem que diferenciar um pouco de como e aonde você faz pesquisa no Brasil. Fora do Brasil, você tem grupos profissionais em que a pesquisa vale muito dinheiro. Cada paciente que você coloca em uma pesquisa, você recebe um percentual de dinheiro por esse doente muito grande. No Brasil, você tem três cenários distintos: Você tem o cenário público em que ou você atua em universidade dependendo de verbas públicas (FAPERJ, CNPQ, CAPES) e que essas verbas atualmente foram muito diminuídas. Ou você vai fazer pesquisa através de estudos relacionados a bolsa de Mestrado/Doutorado que é um outro caminho. Ou você vai fazer pesquisa que é muito do que fazemos, por gostar de pesquisa, por amor à pesquisa. Mas que você não consegue dar dedicação exclusiva para isso. Além disso, ou hospitais, principalmente no Rio, fora do eixo São Paulo e talvez Rio Grande do Sul, eles não estão acostumados a fazer pesquisa. Você vivenciou isso conosco no Marcilio. É uma resistência muito grande. As pessoas entenderem a metodologia científica, entender que escolhas são dadas por pesquisas que vem sendo feitas e não pelo que atualmente eu acho ou você acha. Nós, no Brasil, temos um potencial enorme. Tem mais de 200 milhões de habitantes, 70% usam SUS e nós fazemos muita pouca pesquisa. E agora isso virou. Porque viramos agora o terceiro, mas éramos o segundo país em Covid no mundo e viramos referência mundial, em termos de captação de doente, de Covid. Eu acho que isso vai dar um impulso para nós conseguirmos mostrar o valor do pesquisador brasileiro, quanto a isso eu não tenho a menor dúvida. De qualquer ponto de vista temos excelentes pesquisadores no Brasil. Mostrar que podemos fazer pesquisa de qualidade, profissional e ganhar dinheiro com isso ou ao menos pagar os pesquisadores e todos que estão no processo de pesquisa junto. Além disso, mostrar os resultados. Você participou. Nós, em seis meses, publicamos em revistas triple A que chamamos, revistas mundiais. Então não precisamos esperar o americano, o europeu dar as respostas. Nós podemos dar essas respostas ao mundo. Não só na Covid. E com isso temos os nossos grupos de pesquisa formados ou se formando no Brasil. Eu faço parte de um deles em Terapia Intensiva especificamente, mas eu acho que esse é o grande caminho; nós conseguirmos nos organizar e profissionalizar o caminho da pesquisa no Brasil.

Dayanna Quintanilha: Vicente, você comentou sobre os três artigos que foram publicados. Você poderia falar um pouco mais sobre o que saiu em cada estudo?

Vicente Dantas: Vamos lá. Na BRICNet, que é um consórcio de pesquisa brasileiro de mais de 100 Centros de Terapia Intensiva no Brasil todo, em todas as regiões do Brasil, nós criamos um projeto chamado Coalizão. Em que nós faríamos um estudo sobre os tratamentos, as propostas de tratamentos da Covid. Esses estudos, até o momento, vão do um ao oito. E temos publicado, como você sabe, o Coalizão I, II e o III. O Coalizão I foi um apanhado de 600 pacientes, nós randomizamos esses pacientes que eram no caso de leves a moderados de infecção por Covid, ou seja, não estavam na Terapia Intensiva, estavam na Enfermaria para usar hidroxicloroquina ou não usar. Que na época era uma febre. Acho que ainda não passou totalmente essa febre. E o resultado que mostrou como os outros poucos RCTs que nós temos no mundo mostraram que a hidroxicloroquina ao contrário do que foi visto, pelo menos mostrado lá trás pelo Didier [Raoult], aquele pesquisador francês que começou toda essa questão em volta da cloroquina, a cloroquina não mudou o desfecho do paciente para Covid. Ou seja, o paciente que tinha que piorar e necessitar de mais oxigênio ou internação na UTI, esse paciente iria piorar usando hidroxicloroquina ou não usando. Qual é a diferença? A diferença é que quem usou hidroxicloroquina teve 15% a mais de chances de ter eventos cardíacos. Essa foi a grande questão. O Coalizão II, como foi feito em doentes graves, ou seja, em doentes de Terapia Intensiva, nós achamos, em discussão com a CONEP que é o órgão máximo de pesquisa no Brasil, que na época não seria ético fazer um estudo placebo versus azitromicina. Ou seja, tirar a hidroxicloroquina. Então usamos hidroxicloroquina e vimos se a azitromicina teria algum papel de adjuvante com o uso da hidroxicloroquina que era outro fator elencado por esse pesquisador francês, pelo Didier, teria um efeito direto no coronavírus. Esse estudo também foi um estudo randomizado. Tivemos 400 pacientes. E também não teve nenhuma diferença. Ou seja, o paciente que usou a azitromicina e o paciente que não usou, teve o mesmo desfecho, de morte, de tempo de ventilação, de dias livres de ventilação. O primeiro estudo, Coalizão I, foi publicado na New England Journal of Medicine, que é uma das revistas de maior impacto mundial. O segundo estudo, Coalizão II, foi recentemente publicado na Lancet que é outra revista de impacto mundial. E só para lembrar que foram duas revistas que publicaram os estudos em ingleses que foram feitos com dados falsos sem processo de revisão por pares. O que foi uma coisa inédita na história da medicina e na publicação desses periódicos. E o Coalizão III, que foi publicado na JAMA, ele foi avaliação do uso da dexametasona que é um tipo de anti-inflamatório, corticoide, na avaliação dos doentes com SARA grave. Ou seja, PF, uma pressão O2, FO2 abaixo de 150 na mortalidade, nos desfechos desse doente. O que vimos nos nossos estudos foi que no fundo a mortalidade não mudava. Tivemos 200 pacientes. Esse também foi um estudo randomizado. Mas o que mudava era o tempo de ventilação. Então o paciente que usava corticoide tinha um tempo de ventilação menor. Nós usamos uma dose alta de corticoide, ou seja, usamos 20 mg de dexametasona por cinco dias e 10 mg por mais cinco dias, completando dez dias de tratamento. O que foi baseado em um estudo espanhol que também mostrava algo parecido e que tem outro trial randomizado também que usa a dexametasona, mas em doses mais baixas, de 6 mg em doentes menos graves. Talvez os estudos que ainda faltem sair sejam comparando os doentes graves ou não graves e as doses de corticoide nesses doentes.

E para fechar, quer dizer, o que está em andamento? Temos o Coalizão IV, que é o estudo da coagulação que é uma coisa que nós temos usado muito. Achamos que vamos falar um pouquinho mais pra frente. Está em andamento. Temos o Coalizão V, que é a avaliação da hidroxicloroquina como prevenção nos pacientes assintomáticos, que é uma coisa que o Ministério da Saúde vem batendo muito. Mas também falaremos um pouquinho daqui para frente. O Coalizão VI que usamos um inibidor da interleucina 6, ou seja, um anti-inflamatório. Esse está em andamento. O Coalizão VII que é a avaliação da qualidade de vida pós-Covid. Lembrando que são doentes que tem hipercoagulabilidade, fibrose pulmonar, risco de tromboembolismo… Esse já está em andamento também. E o Coalizão VIII que está para começar agora. É o uso de antirretrovirais nos pacientes com Covid para avaliar se os antirretrovirais têm algum efeito direto no coronavírus, no SARS-CoV-2. Esses por enquanto são os estudos desenhados pela BRICNet, no nosso grupo de estudos do Coalizão.

Dayanna Quintanilha: Muito bom, Vicente. Foi ótimo você ter dado essa revisão aí nas oito linhas de pesquisa. Primeiro porque dá um orgulho enorme, assim, saber que o Brasil tem colaborado tanto para pesquisa mundial. E segundo porque você acabou revisando algumas questões da terapia. E a minha próxima pergunta seria exatamente essa. No cenário terapêutico para Covid-19 hoje, o que temos baseado em evidência?

Vicente Dantas: Pois é. A única questão baseada em evidência atualmente é o uso da dexametasona. E aí vem esse grande problema: Qual é a dose da dexametasona e qual doente que usaremos a dose? O que eu faço, hoje em dia, baseado nas evidências que temos que são de três RCTs mundiais. O que seria? Os pacientes menos graves, ou seja, aqueles que precisam de litragens de oxigênio abaixo de cinco litros que não estão na Terapia Intensiva normalmente ou que estão (pouco) sintomáticos e não precisando de oxigênio, mas estão internados por algum motivo. Esses doentes usam 6 mg de dexametasona por 10 dias. Nos pacientes com (sara), grave, ou seja, de novo, com essa relação de oxigênio versus fração inspirada de oxigênio abaixo de 150, esses pacientes nós estamos usando dexametasona 20 mg por cinco dias e 10 mg por cinco dias também, completando dez dias de tratamento. Nós ainda não temos o trabalho comparando esses doentes. Ou seja, eu posso usar 20 mg ou 10 mg em um doente menos grave? E posso usar 6 mg em um doente mais grave? Essa comparação nós ainda não fizemos. Mas isso eu acho que é um caminho que deve seguir em algum momento próximo. Isso é a única coisa baseada em evidência que nós temos. A hidroxicloroquina caiu. Azitromicina caiu, anticoagulação é uma dúvida. Nós vemos na prática as pessoas fazendo. Pacientes que tem o D-dímero, que é o marcador de hipercoagulabilidade, alto, as pessoas tem feito. Mas eu já vi também paciente morrer por conta de anticoagulação que talvez não precisasse ter morrido. Então, anticoagulação é uma dúvida. Os inibidores de interleucina, eles também são outra dúvida porque eles diminuem muito a inflamação, mas eles propiciam os pacientes a desenvolverem infecções que eles tinham com eles, mas que estavam sobre controle, como citomegalovirose, tuberculose… São pacientes que ainda nós não mostramos real benefício, ou seja, realmente desinflama, melhora a febre, ele diminui o oxigênio, mas não sabemos se esse doente pode ter doenças reativadas e no fundo piorar ou morrer mais. Os antirretrovirais também são dúvidas. Os que foram testados até o momento em pequenos ensaios não randomizados não foram eficazes. E a aposta que nós também estamos entrando, mas aí é do BRICNet, mas não é do Coalizão, é um estudo que está começando agora, semana que vem. É um estudo do bloqueio da via da calicreína, ou seja, da bradicinina. Nós falamos muito do SARS-CoV-2 como um fixador do AC2 como utilizador na entrada da célula, mas no fundo o que ele desencadeia é uma reação inflamatória que não é uma cascata de interleucina, mas uma cascata de bradicinina no fundo. Então se nós bloquearmos a bradicinina, talvez tenhamos uma melhora desses pacientes. E é esse bloqueio da bradicinina, ele é feito por um RNA, por engenharia genética. Você pode desenhar esse RNA para o que você quiser, para vírus, bactéria, para um monte de coisa. É um estudo fase 2 ainda. E se for um caminho que se mostre favorável, isso pode ser desenhado para outras infecções, para sepse, infecções bacterianas, enfim. É uma coisa bastante interessante que estamos começando a trabalhar também. De novo, no Brasil, de novo no Marcilio Dias, que é um hospital público; militar, mas público. Então, evidência real é a dexametasona nessas doses. E que estamos tentando procurar evidências. São da anticoagulação, de alguns antirretrovirais que ainda não foram utilizados ou foram em baixa escala e desses bloqueadores de inflamação, tanto da interleucina quanto de bradicinina.

Dayanna Quintanilha: Muito bom, Vicente! E em termos de profilaxia para exposição? Há alguma medicação?

Vicente Dantas: Essa é uma pergunta boa. Porque o Coalização V, que é o que o Ministério da Saúde tem batido, que seria o uso do hidroxicloroquina para o paciente assintomático, esse estudo ainda não saiu. Porque é um estudo que precisa de um “n” de 1.200 pacientes, maior que o “n” que tivemos em todos os outros estudos. No momento em que a hidroxicloroquina caiu muito a aceitação por conta de todos os trabalhos que foram publicados. Inclusive o nosso. Então nós estamos em andamento para saber em um estudo efetivo, randomizado, se a hidroxicloroquina pode ser utilizada para profilático. O que eu acho mais importante como profilático ou como prevenção é o que nós não temos conseguido fazer no Brasil. Primeiro o isolamento eficaz, que nós não fazemos. Se você é do Rio de Janeiro, nesses dias de calor o que você mais vê são pessoas na rua, praia, lagoa, sem máscara, aglomerando nos bares. Então você não tem efetivamente mais o isolamento social. Mas engraçado que isso ainda não corroborou nos números de reinternações. Ou de internações de pacientes graves. Mas, por exemplo, em um dos hospitais que eu trabalho que é na UFRJ, nós vamos voltar a dobrar o número de leitos essa semana por conta do aumento dos casos no Rio de Janeiro. Pode ser que voltemos a ter o aumento dos casos com a diminuição do isolamento social. Não é uma profilaxia, mas é uma medida bastante válida. Outra medida que teve um efeito importante na Alemanha e na Coreia do Sul, por exemplo, foi a testagem em massa. Por quê? Se 80% dos pacientes são assintomáticos e nós testamos todo mundo, conseguimos isolar esse paciente eficazmente. O isolamento social é muito difícil. Se você pensar na questão social brasileira, em que você tem uma casa as vezes de um cômodo que mora 10, 15 pessoas, não tem água encanada, não tem banheiro, como você vai isolar uma pessoa dessa? Impossível. Então pelo menos se você conseguisse detectar quem está contaminado e você criasse para essa população de baixa renda, locais de isolamento médico, mesmo que sejam hospitais, mas locais de isolamento efetivo, já que o isolamento ainda varia de 14 a 21 dias e talvez o CDC americano querendo diminuir para dez dias, essa seria uma questão importante. Quer dizer, você sabe quem está contaminado e você afasta a pessoa que está contaminada independente dos sintomas. E a terceira questão que eu acho fundamental é que tanto nós somos contaminados, profissionais de saúde, quanto nós contaminamos os pacientes. Então o que tenho visto de melhor, assim, como política de rastreamento hospitalar: O paciente chega, é feito inicialmente um genius expert nele, ou seja, um exame que em duas horas você tem o resultado. Se você encontra o PCR ele é menos sensível do que o swab tradicional. Mas você pelo menos separa já esse doente de ter baixo ou alto risco de ter Covid. Se o PCR é negativo inicialmente, ele é liberado para ir para uma área não Covid. Ele pode ter um acompanhante. Essa acompanhante tem que ficar com ele pelo menos por uma semana. Não pode trocar acompanhante a cada hora, tá? E essa acompanhante também é testada. Ela não pode inicialmente acompanhar esse paciente, ela faz o swab tradicional e assim que é liberado com 36h a 48h é que ela pode vir acompanhar o paciente. Semanalmente nós fazemos a troca dessa pessoa. Nós temos pegado muitas pessoas assintomáticas que tem swab positivo que agrega chance de contaminar o paciente ou equipe. Esse paciente que interna, em 48h ele faz um swab tradicional, com sensibilidade gold standart de hoje. E a cada sete dias nós repetimos. A chance de não detectarmos um paciente positivo mesmo que assintomático com familiar positivo antes dele entrar no hospital mesmo que assintomático, é muito baixa. E outra coisa é que a equipe de saúde suaba a cada 14 dias. Ou sintomático afastado e assuabado. Então a equipe de saúde hoje também é suabada para tentar detectar precocemente os casos positivos mesmo que assintomático e afastar essas pessoas do trabalho. Muito mais do que sabermos se a hidroxicloroquina ou algum outro remédio, mas não tem nenhuma proposta no momento, mas se a hidroxicloroquina será eficaz para doentes paucissintomáticos para eles não desenvolverem formas graves ou formas que necessitem internações hospitalar, talvez sejam essas medidas de afastamento social, de testagem em massa e de proteção ou testagem coordenada e organizada dentro do hospital. Eu acho isso fundamental.

Dayanna Quintanilha: Perfeito. Eu fiquei com duas dúvidas eu vendo você falando. A primeira dúvida é com relação à testagem em massa. O intervalo dessa testagem? Eu fiquei com essa curiosidade, se tem alguma orientação já? Vai testar em massa de duas em duas semanas, de mês em mês? Como seria isso?

Vicente Dantas: Não. Seria de duas em duas semanas, mas isso é impraticável em termos de custos.

Dayanna Quintanilha: Impraticável. Exatamente.

Vicente Dantas: Então o que você tem feito? Você tem feito algumas pesquisas. Por exemplo, existe uma aqui no Rio um pessoal chamado “Rede do bem” que estão fazendo testagem em profissionais de saúde, em comunidade… Eles fizeram uma testagem recente na Rocinha por amostragem, 50% dos pacientes que eles testaram tinham PCR positivo. Se você fizer uma testagem a cada duas semanas a chance de você ter talvez 80%, 90% já com PCR… Lembra que o PCR fica positivo uma sensibilidade alta talvez entre terceiro ou quinto dia que podemos não pegar. Então, talvez a chance da população estar contaminada é muito alta. Só que 20% desenvolve sintomas só 2% ficam graves. Esses 20% são esses quatro milhões que você falou no início do podcast e já temos aí quase 200 mil mortos que são esses 2% que ficam graves. Seriam a cada 14 dias como fazemos com os profissionais de saúde nos Centros de excelência que tem dinheiro para isso. Como política populacional em um país como o Brasil eu não sei te dizer como é que faríamos. A amostragem poderia dar uma ideia pra gente do que estamos lidando, mas não ajudaria a isolar ninguém. Esse que é o problema.

Dayanna Quintanilha: Entendi. A minha segunda dúvida é até em relação a esses centros aí que tem testado os profissionais da saúde. O profissional que já tem (IGG) também está entrando nesse pacote ou não?

Vicente Dantas: Então, nós fazemos diferente de alguns hospitais que você trabalhou. Não fazemos sorologia. Vou te colocar três questões. Primeira do PCR. Se você tem sintoma, seu PCR é positivo. Daqui a um mês aí você não fez mais o PCR porque não fazemos mais o PCR na volta. Antigamente fazíamos para saber que ele está negativo. Se daqui a um mês, dois meses, você tem uma gripe, faz o PCR de novo e deu positivo. O que é isso? Ninguém sabe. Então nós não sabemos ainda se o paciente que permanece com o PCR positivo ele é contaminante. Seria antiético você pegar um paciente desse, colocar em uma sala de dez pessoas que poderiam ter Covid e daqui a duas semanas vamos fazer o teste. Então não dá pra fazer esse estudo. Mas não sabemos ainda o que fazer com esse doente. A questão dos anticorpos. Existem vários métodos para você testar. Métodos mais sensíveis e específicos e outros menos. Os que nós temos feito são baseados em ELISA quantitativo. A questão é o seguinte: Você demora em torno de quatro a seis semanas para positivar uma (IGG). Então, você poderia tentar fazer um método de triagem inicial com IGM. Ou seja, os pacientes que tem IGM na chegada do hospital, que é um exame mais barato, mais rápido, eles deveriam ser testados. Qual é o problema disso? O problema é que nem todo paciente desenvolve IGM e nós temos um prazo para desenvolvimento de IGM em torno de duas a quatro semanas. Ele pode estar em uma janela imunológica. Talvez o teste inicial para esse doente seja o genius expert. Que é um exame que sai em duas horas, tem uma sensibilidade boa e uma especificidade bastante alta. Se você não quiser usar o genius expert por custo, você hoje tem o antígeno salivar que também é muito bom para rastreamento inicial. Para você tentar diferenciar quem seriam os doentes que deveriam estar isolados antes de você ter o PCR que é o gold standart atual que demora em torno de 36h a 48h. Agora, ter IGG te dá proteção? Não sabemos. Quanto tempo de proteção? Acha-se hoje que seja seis meses. Mas a doença tem em torno disso, de nove meses. Então no fundo não sabemos. E aí eu vou colocar mais uma pulga atrás da orelha: Será que o coronavírus também não vai virar um H1N1? Ou um Influenza da vida? Ou seja, nós teremos mutações que vão permitir a reinfecção dos pacientes mesmo com IGG? Talvez com formas mais brandas? Já temos no mundo quatro mutações detectadas com possibilidade de reinfecções. Uma mutação japonesa, a mutação clássica chinesa e duas mutações europeias. Essas mutações já tem possibilidade… Temos muito mais de 120 ou 130 mutações detectadas. Mas essas quatro mutações são infectantes e na teoria podem voltar a fazer circular o vírus mesmo você tendo IGG. Talvez em formas mais brandas. E o que talvez deixe outra pulga atrás da orelha… Você fez uma pergunta lá trás e eu não falei da vacina. A vacina talvez seja a grande cartada. Está todo mundo correndo atrás disso. Seja o coelho da cartola. Tem duas perguntas em relação a vacina. A primeira pergunta é: será que quando a vacina chegar, e eu acho que ela vai chegar, nós já teremos uma variante e essa vacina que foi feita para a variante inicial já não vai ser tão efetiva? Essa é uma pergunta que eu me faço. E a segunda pergunta é: Tá. Deu certo. As pessoas vão ter acesso inicialmente a vacina, talvez na melhor das hipóteses em março do ano que vem na minha opinião. Mas como estratégia de vacinação mundial populacional, de barreira, talvez você só consiga fazer isso para 2022. Para você fazer oito bilhões de doses ou pelo menos as pessoas que não foram contaminadas no mundo… Existe essas vários senão. A PCR que continua positiva, o IGM negativo mesmo você tendo. IGG positivo te confere imunidade, a vacina vai chegar, chegando ela vai ser efetiva. Sendo efetiva como ela vai ser como estratégia populacional? E para quando isso vai acontecer? Não sei responder isso e acho que ninguém sabe ainda.

Dayanna Quintanilha: É verdade, Vicente. Muitas perguntas sem respostas. Vemos aí a importância que continuarmos investindo na pesquisa no Brasil. E para encerrarmos o nosso bate papo: Você poderia deixar uma mensagem para os profissionais que estão na linha de frente?

Vicente Dantas: Poderia. Tenho talvez algumas mensagens. Acho que uma que você acabou de falar que é importante é que o nível de evidência dos tratamentos, das profilaxias, tudo é muito baixo. Então nós aqui no Brasil não temos hábito de investir em pesquisa. Acho que é o momento para nós, profissionais de saúde na linha de frente, também lembrarmos que a pesquisa é muito importante para darmos essas respostas. Eu sei que temos medo de trabalhar com esse perfil de doenças infectocontagiosas, todos nós. Eu já tive Covid, várias pessoas já tiveram, mas trabalhamos para isso. Eu faço Terapia Intensiva. É importante nós estarmos do lado do paciente porque eu não lembro de nenhuma epidemia… Tivemos o ebola que foi muito localizado, o MERS, o SARS foi tudo muito localizado. E a Gripe Espanhola que nós não pegamos, muito menos a Peste Negra. Eu não lembro de uma pandemia em que você isolou os doentes, afastou as famílias e colocou todo mundo de máscara. Então ninguém se reconhece, os pacientes não tem referência, ficam sozinhos. A grande mensagem além da pesquisa para os profissionais na linha de frente é que independente do medo que é normal, de querer trabalhar com isso ou não, fazer especialidades que você tenha que estar mais à frente disso ou não, é: vamos ser humanos, compassivos. Porque os doentes estão isolados, não podem ver as famílias, não podem se comunicar. As famílias estão isoladas, não conseguem ver o paciente, as vezes nem informações fidedignas. As vezes a única pessoa que o doente tem como referência somos nós que estamos mascarados. Às vezes é importante… Coloca uma foto sua na roupa que você usa, depois você vai jogar fora, vai trocar. Escreve o seu nome na roupa que você está vestindo. Obviamente ninguém pode tirar a máscara, ninguém pode ficar desprotegido. Mas essa questão de que é uma pandemia e que está isolando as pessoas, criando um medo enorme, inclusive em nós que estamos trabalhando. Mas é esse o momento de sermos humanos, de estarmos juntos e podermos ajudar sendo isso: Profissionais de saúde, claro, mas sendo humanos. Podendo estar ali. As vezes um aperto de mão, um sorriso, um nome escrito para a pessoa saber como ela te chama, isso faz toda a diferença. Outro dia o paciente curado de Covid quando foi embora, já não estava mais contaminante, ele pediu: Doutor, posso ver seu rosto? Pode. Aí eu tirei a máscara. Eu te imaginava de outro jeito. (-risos) Enfim, é isso. Isso é uma doença. E eu acho que vão ter outras pandemias para frente, infelizmente, até pelo jeito que estamos tratando o mundo. Mas isso talvez seja um jeito de voltarmos a ser mais humano. Porque está faltando isso no mundo. Essa é a principal ideia que eu tenho para passar.

Dayanna Quintanilha: Ótima mensagem, Vicente! Muito obrigada pela sua participação aqui conosco hoje!

Vicente Dantas: Dai, obrigado pelo convite! Agradeço a PEBMED e vamos nisso! Eu acho que é isso: Criar ciência, portais brasileiros, incentivar o nosso país a ser muito melhor do que ele é. Muito obrigada a todos.

Dayanna Quintanilha: Obrigada a todos que nos ouviram até aqui. Espero que estejam gostando do nosso podcast. Continue nos acompanhando! As novidades tem saído no portal da PEBMED que é o pedmed.com.br. Até a próxima!

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