Cuidados paliativos em cirurgias de risco elevado

A da integração de cuidados paliativos com as cirurgias, no planejamento e acompanhamento peroperatório, pode implicar em resultados promissores.

Procedimentos cirúrgicos não são raros em pacientes próximos do fim de vida, podendo incluir desde aqueles emergenciais ou mesmo eletivos em contextos curativos ou mesmo paliativos. A mortalidade nesse grupo de pacientes está diretamente ligada a fatores cirúrgicos intrínsecos bem como a morbidade do próprio indivíduo, incluindo alterações próprias do envelhecimento, presença de fragilidade e comorbidades graves.

cirurgiões realizando cirurgias com planejamento de cuidados paliativos

Cuidados paliativos e cirurgias

Os cuidados paliativos apresentam relevante papel no manejo da terminalidade da vida, com resultados expressivos relatados na literatura naqueles portadores de doenças limitantes graves e neoplasias malignas bem como para suas respectivas famílias, todavia, menos se sabe sobre seus potenciais benefícios no contexto cirúrgico. Apesar da integração dessa modalidade de cuidado dentro do planejamento cirúrgico e acompanhamento peroperatório poder implicar em resultados promissores, estudos apontam que o contato com o paliativismo em algum ponto antes do óbito naqueles submetidos às cirurgias é ainda restrito, com valores entre 4% a 38%.

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Um estudo pioneiro publicado na JAMA surgery pelo grupo de Yefimova et cols se propôs a analisar, a partir de dados nacionais norte-americanos, o uso dos cuidados paliativos em pacientes submetidos à procedimentos cirúrgicos de alto risco e avaliar sua correlação com a qualidade dos cuidados na terminalidade da vida reportada pelas famílias de pacientes que faleceram. O grupo hipotetizava que nesse grupo de pacientes com maior mortalidade a exposição aos cuidados paliativos poderia promover melhor qualidade do manejo da terminalidade, apesar de supostamente ainda subutilizados na prática corrente.

Métodos

Foi realizado um estudo retrospectivo com análise seccional a partir de dados nacionais obtidos de uma coorte formada por militares veteranos norte-americanos que possuem assistência pelo sistema de saúde do Veterans Affair (VA). O período de análise estabelecido foi entre janeiro de 2012 a dezembro de 2015.

O Veteran Experience Center, que foi uma das fontes de dados, é responsável pela administração das informações referentes ao final de vida dos pacientes do VA e regularmente realizada contatos com os familiares do falecido para análise do questionário sobre luto familiar (Bereaved Family Survey – BFS) com o intuito de verificar as percepções relacionadas ao cuidados recebidos na unidade de internação no último mês de vida. Tal questionário orientado para interpretação dos cuidados no final de vida é dotado de 19 perguntas, categorizando a percepção do familiar em diferentes respostas.

Os critérios de exclusão incluíram pacientes sem familiar próximo registrado em prontuário médico e aqueles que morreram dentro de 24 horas da admissão hospitalar, a não ser que tenham uma internação superior a 24 horas em um centro médico do VA no mês anterior.

A definição de cirurgia de alto risco adotada pelo grupo correspondeu aos procedimentos com mortalidade intra-hospitalar de 1% a mais em adultos acima dos 65 anos e até 6% de taxa de mortalidade para admissões cirúrgicas urgentes ou não planejadas, o que ao todo envolveu 227 códigos do CID-9. Naqueles submetidos à mais de um procedimento, utilizou-se como base apenas o primeiro como evento incidente. Todas as cirurgias foram então subdivididas conforme a subespecialidade em: cardiotorácicos, intestinais, esofágicos, abdominais (hepatobiliopancreático-gastroduodenal), urológicos, vasculares, neurológicos e outros (ginecológicos, ortopédicos e otorrinolaringológicos).

A mortalidade operatória, assim como a exposição aos cuidados paliativos, foram estudadas nos períodos de 30 e 90 dias além de um ano após a cirurgia. O foco da avaliação foi a mortalidade em 90 dias devido o suposto limite dos máximos benefícios das intervenções paliativas e complicações pós-operatórias.

O desfecho primário foi o escore geral no BFS, além de duas subescalas do mesmo questionário sobre a qualidade de suporte psicossocial e comunicação nos cuidados de final de vida. As respostas foram dicotomizadas apenas como excelente vs todas as outras categorias (não excelente).

A definição da morbidade pré-operatória baseou-se no cálculo dos escores Charlson Comorbidity Index (CCI) nos doze meses antecedentes ao procedimento.

Inicialmente foram identificados 95204 pacientes submetidos às cirurgias de alto risco nos 129 centros médicos do VA no período estabelecido. O grupo de pacientes era predominantemente formado por homens, caucasianos não-hispânicos e com idade superior a 65 anos (96.6%, 76.2%, 72.8% respectivamente). A mortalidade pós-operatória em 30 dias, 90 dias e 1 ano foi respectivamente de 3.6%, 6.0% e 12.3%. De todos, apenas 2676 faleceram durante a internação e foram elegíveis para a aplicação dos questionários aos seus familiares, no entanto, dessa coorte somente 1.124 completaram o questionário.

Ao se analisar as características desse grupo final, aqueles que faleceram nos 90 dias possuíam mais comorbidades, CCI ≥ 4, além de maior prevalência de câncer, falência cardiopulmonar, doença renal em estágio terminal e demência. Os procedimentos mais frequentemente realizados na coorte geral foram cardiotorácicos e vasculares, enquanto naqueles que morreram em 90 dias foram os intestinais. As diferenças entre subespecialidades foram consideráveis na mortalidade em 90 dias, sendo configurada principalmente por procedimentos neurocirúrgicos, ao contrário dos urológicos, com menor mortalidade associada. Possivelmente a mortalidade elevada nos primeiros decorre da maior proporção de procedimentos cranianos de emergência.

Do total de respostas dos BFS, mais da metade (52.4%) responderam como excelente os cuidados de terminalidade; bem como 69.4% classificaram a comunicação e 66.1% o suporte como excelentes. Não houve diferença conforme as subespecialidades cirúrgicas, fardo da doença ou relação do respondedor com o paciente analisado. Além disso, a proporção de respostas excelentes foi similar quando aplicado o paliativismo antes (54%) ou após a cirurgia (57.5%).

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No modelo de análise mista, ajustado pelo nível do paciente e variações do nível da instituição, a associação entre as consultas de cuidados paliativos e melhores desfechos no fim de vida foi suportada. Famílias daqueles que receberam tal estratégia tenderam mais a classificar os cuidados gerais como excelente (47%) assim como comunicação e suporte, com associação estatisticamente significativa.

As consultas no geral ocorreram mais no período pós-operatório com uma média de 12 dias após o procedimento, sendo mais comuns naqueles que morreram dentro de 90 dias e durante a internação e não ambulatorialmente. A exposição foi mais comum nos procedimento neurocirúrgicos e menos naqueles cardiotorácicos. Nos poucos casos que a abordagem paliativa ocorreu no pré-operatório, os pacientes apresentavam maior CCI, ou seja, eram mais doentes que os demais.

Conclusões

Embasado nos resultados, o estudo encontrou que os desfechos do fim de vida nos indivíduos que faleceram após a cirurgia e sua associação com as intervenções paliativas foram comparáveis com aqueles que morrem por condições clínicas graves. Ademais, a partir dos dados dos BFS, obtiveram respostas similares quanto a excelência dos cuidados ao final de vida quando comparado a familiares de veteranos falecidos por câncer, doença renal avançada, demência e falência cardiopulmonar. A exposição ao paliativismo produziu resultados positivos tanto no cuidado geral como na comunicação e suporte, como apontado pelos familiares, no último mês de vida desses pacientes.

Curiosamente, apesar do potencial benefício, o estudo ainda demonstrou a sua subutilização no contexto cirúrgico, com apenas 3.5% dos pacientes expostos a esse tipo de intervenção no período per-operatório, com valores bem inferiores às demais condições médicas como câncer.

A proporção muito reduzida de avaliação paliativa antes do procedimento (< 1%), pode ser melhorada com a melhor compreensão sobre o papel dessa iniciativa nos desfechos do paciente, aliado com ferramentas de triagem como a de fragilidade, permitindo uma consulta precoce e redução da mortalidade cirúrgica.

A comunicação e suporte psicossocial adequados são as práticas paliativas com mais evidência na melhora do cuidado na terminalidade. Um aumento do enfoque nessas habilidades mesmo para os não especialistas torna-se, portanto, imperativo, deixando-se apenas casos mais complexos para o especialista.

Como limitações o estudo aponta o fato dos veteranos serem um grupo com pior morbidade em relação a população geral, tornando as informações obtidas mais sustentáveis nas populações com doenças mais graves. Os cuidados paliativos avaliados pelo grupo foram realizados por especialistas, perdendo em parte a análise referente àqueles praticados primariamente por cirurgiões. Por fim, os desfechos limitaram-se com a perda de pacientes elegíveis dependendo apenas daqueles que responderam aos questionários. Pouco é sabido a respeito daqueles que evoluíram para óbito em suas casas ou outras instituições.

Este estudo abre caminho para mais uma oportunidade de melhora no cuidado cirúrgico, sendo a avaliação e intervenções paliativas importantes ferramentas em pacientes submetidos às cirurgias de alto risco com melhora nos desfechos de final de vida focados no paciente e seus familiares.

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Referência bibliográfica:

  • Yefimova M, Aslakson RA, Yang L, Garcia A, Boothroyd D, Gale RC, et al. Palliative Care and End-of-Life Outcomes Following High-Risk Surgery. JAMA Surg. 2020; E1-9 (DOI: 10.1001/jamasurg.2019.5083)

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