Na edição de 2010, a American Heart Association decidiu incluir os cuidados pós-parada cardíaca (PCR) como uma das etapas do atendimento no ACLS (Advanced Cardiac Life Support). Essa etapa não só foi mantida, como atualizada e reforçada em 2015. Podemos citar alguns motivos para essa iniciativa. Primeiro, os primeiros minutos após o retorno da circulação espontânea (RCE) são de alto risco para uma nova parada. O paciente com frequência está comatoso, ventilando mal e hipotenso, com necessidade de intervenção imediata! Além disso, a PCR pode ocorrer fora do ambiente da terapia intensiva, em setores que nem sempre estão com protocolos preparados para lidar com paciente crítico. Poderia ocorrer o erro de se priorizar o transporte ao CTI ao invés de priorizarem a estabilização clínica.
O primeiro passo após o RCE é a estabilização dos sinais vitais, com determinação do nível de consciência/capacidade de proteção da via aérea, oxigenação e pressão arterial. A seguir, são indicados procedimentos que visam determinar a causa da PCR (“5H5T”) e reduzir o risco tanto de recidiva como de sequelas.
- Avaliação laboratorial, incluindo eletrólitos, gasometria com lactato e troponina.
- Coronariografia (CAT), em especial quando o ritmo inicial da parada é FV/TV e/ou se a apresentação inicial do paciente sugere um evento coronariano. Os pacientes com choque cardiogênico, FV/TV recorrente e/ou os pacientes que apresentaram PCR em ambiente extra-hospitalar (na rua) também têm alta prevalência de doença coronariana subjacente e são potenciais candidatos a CAT precoce. Uma dúvida é no paciente em que há elevação de troponina na ausência de outros sinais de SCA: seria uma manifestação de isquemia primária ou secundária à parada prolongada? Infelizmente, ainda não há resposta para essa questão. Destaca-se que, na presença de supradesnível do segmento ST, o CAT tem caráter emergencial e deve ser realizado no perfil “porta-balão 90 minutos”. Nos demais cenários, o CAT é de urgência e pode ser realizado em até 24h. Oficialmente, o choque cardiogênico e a FV/TV refratárias não são indicação para CAT emergencial, mas a maioria das instituições trata este cenário como emergencial (até 90 min).
- Controle direcionado de temperatura (CDT): antigamente chamado de hipotermia terapêutica, a terminologia foi modificada, pois há evidências atuais mostrando que não deixar a temperatura subir > 36,0°C seja tão ou mais importante que o resfriamento em si. Há uma discussão de quais pacientes seriam candidatos ao CDT. Oficialmente, todo paciente comatoso pós-parada deve receber o CDT. Contudo, os maiores benefícios foram notados nos pacientes cuja parada foi presenciada (e não “encontrado parado”) e quando o ritmo era chocável (FV/TV). Além disso, parte dos autores critica os estudos com temperatura de até 36°C e sugerem que pacientes com maior risco de lesão neurológica e menor risco de sangramento poderiam ter como alvo 34°C. A hipotermia deve ser iniciada em ambiente hospitalar tão logo seja possível e mantida por 24h. Alguns trabalhos sugerem que, após as 24h, deva-se utilizar antitérmicos para manter a temperatura < 38°C por mais 72h.
- Resposta inflamatória sistêmica: a maioria dos pacientes após parada prolongada apresenta SIRS, com recrutamento de leucócitos, produção de citocinas e disfunção de múltiplos órgãos. O quadro é muito semelhante a uma sepse grave. Até 70% dos pacientes apresentam disfunção cardiocirculatória com necessidade de aminas. Dois terços desses pacientes apresentam, ainda, disfunção sistólica do VE associada (IVE). Por isso, uma abordagem rápida e sistematizada tem boas chances de conseguir estabilizar o paciente e “estancar” o processo. O primeiro passo é, na presença de má perfusão e/ou hipotensão, a reposição com cristaloide, dose 20-30 ml/kg. Os mesmos parâmetros hemodinâmicos da terapia intensiva devem ser usados para avaliar a necessidade de reposição de doses adicionais, como variação da PVC e deltaPP, por exemplo. A amina de escolha é a noradrenalina e o alvo é uma PA sistólica > 90-100 mmHg e uma PAM > 65-70 mmHg. Há estudos com PAM 80 mmHg em situações de lesão neurológica grave, mas os dados são incipientes ainda. Não tenha receio de usar dobutamina, pois, como falamos, IVE associada é frequente. E o corticoide? Assunto polêmico, as recomendações do próprio ACLS já mudaram algumas vezes. Mas a posição oficial até a publicação deste texto é não usar corticoide de rotina pós-parada, pois a evidência disponível é ruim.
- Antiarrítmicos: não há estudos mostrando que a infusão profilática de amiodarona (ou lidocaína) reduza o risco de arritmias ou nova PCR. A indicação formal é apenas nos casos do paciente manter arritmias após RCE. Contudo, a maioria dos médicos utiliza dose de manutenção de amiodarona nos casos de PCR por FV/TV, no qual o RCE ocorra com FC/PA adequados.
- P/F < 200: muitos pacientes apresentam critérios para SARA após PCR prolongada. Aspiração, resposta inflamatória e congestão pulmonar (IVE) são os mecanismos mais comuns. A recomendação aqui segue o padrão de SARA: ventilação protetora, Vc < 6-8 ml/kg, PEEP > 5-8 cmH2O, Pplatô < 30 cmH2O e, talvez, o delta de pressão < 15 cmH2O, este último com menor nível de evidência (ainda). Quando houver sinais ou risco de lesão neurológica – exemplo: PCR prolongada, coma após RCE – deve-se ter atenção especial com CO2. Estudos mostram uma relação “em U” entre CO2 e prognóstico neurológico – muito alto (hiperemia cerebral) e muito baixo (vasoconstrição cerebral) com risco aumentado. Por isso, o alvo de CO2 está entre 40-50 cmH2 Utilize o capnógrafo! E, caso pH < 7,15/7,25, considere o uso de bicarbonato. Outro dado bem legal que as pessoas não dão tanta atenção é a pO2. Caso as medidas acima tenham sucesso, cuidado com hiperóxia: pO2 > 300 mmHg está associada com pior prognóstico pós-PCR.
- Sedação: se as condições hemodinâmicas/cardiogênicas permitirem, o agente de escolha é o propofol, pois sua meia-vida curta permite reavaliação neurológica intermitente, bem como melhor análise no EEG. O fentanil pode ser associado caso necessário para controle do drive respiratório.
- Prognóstico neurológico: a avaliação clínica, o aspecto tomográfico e o EEG são as principais ferramentas para estimar o prognóstico de recuperação. Contudo, todos apresentam limitações nas primeiras horas e, desse modo, evite “dar muitas certezas” nas primeiras 72 horas pós-parada – essa é uma fase cinzenta e o paciente pode te surpreender. Há estudos com potencial evocado somatosensorial e dosagem de NSE (enolase neurônio-específica), auxiliando na estratificação do prognóstico neurológico. Ah, e lembre que todo paciente neurocrítico deve evitar febre, hiper/hipo-glicemia e convulsão!
- Glicemia: estudos com controle “estrito” (70-110 mg/dl) não mostraram benefícios. Desse modo, é recomendado o controle “tradicional” como é feito em outros cenários, com teto 140-180 mg/dl.
- Jentzer Jacob C., Clements Casey M., Murphy Joseph G. et al. Recent Developments in the Management of Patients Resuscitated From Cardiac Arrest, Journal of Critical Care (2017), doi: 10.1016/j.jcrc.2017.02.011
- Callaway C, Soar J, Aibiki M et al. Part 4: Advanced Life Support. 2015 International Consensus on Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science With Treatment Recommendations. Circulation. 2015;132[suppl 1]:S84-S145. DOI: 10.1161/CIR.0000000000000273
Muito obrigado pelo artigo… abraço