Da pré concepção ao pós-parto: o manejo do DM1 na gestação

Apresentamos os cuidados desde o momento da pré-concepção, gestação, até o pós parto em pacientes com DM1.

Embora a alteração glicêmica mais comum na gestação seja o diabetes mellitus gestacional (DMG), com prevalência estimada em cerca de 18% no Brasil, o DM1 também merece destaque. Esta condição representa cerca de 7% dos casos de diabetes durante o período gestacional e pode ter implicações inclusive já no início, sobretudo se a gestação ocorrer de forma não planejada e em vigência de um mau controle glicêmico.

Em abril deste ano foi publicada uma revisão no Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism (JCEM) abordando os cuidados desde o momento da pré-concepção, gestação, até o pós parto em pacientes com DM1. Foram selecionados 169 artigos para a confecção final do texto. Buscamos trazer os principais destaques desta revisão.

Apresentamos os cuidados desde o momento da pré-concepção, gestação, até o pós parto em pacientes com DM1.

Os riscos da DM1

Uma gestação que cursa com bom controle glicêmico pode ser muito segura e saudável. Para tanto, é necessário cuidado multidisciplinar. No entanto, o mau controle glicêmico pode se associar a:

  •  Abortamento
  • Óbito fetal
  • Malformações congênitas (cardíacas, sistema nervoso central, urogenital)
  • Pré eclâmpsia
  • Macrossomia
  • Trabalho de parto prematuro
  • Potenciais alterações metabólicas futuras no concepto

Pré-Concepção

Todas as mulheres com DM1 que estão planejando engravidar devem receber informações sobre os riscos do DM na gestação. Nas que não desejam engravidar, sobretudo naquelas com controle ruim, é fundamental abordar a anticoncepção para evitar uma gravidez em curso de um DM mal controlado. Uma hemoglobina glicada (HbA1c) maior que 10% no primeiro trimestre, está associada a incidência de 20-25% de malformações. 

Pensando na redução de riscos, o ideal é que as pacientes engravidem com HbA1c < 6,5% e atinjam um alvo < 6% durante a gestação, salvo em situações onde há antecedente de hipoglicemias assintomáticas ou graves, onde o alvo pode ser mais frouxo.

É necessário ainda medidas gerais como suplementações (sobretudo ácido fólico, com dose recomendada variando entre as sociedades – geralmente entre 1 e 5 mg/d) e substituição de eventuais medicações como iECA/BRAs, além da descontinuação de estatinas e fibrato.

Quanto à avaliação de comorbidades, é fundamental estar em dia com rastreios de complicações microvasculares (retinopatia, nefropatia e neuropatia), uma vez que a gestação sabidamente pode acelerar o surgimento destas. Lembrando que DM1 é uma doença autoimune, é importante avaliar a função tireoideana, anti-TPO e, caso a paciente tenha mais que 35 anos, ECG. Vale lembrar que DAC conhecida é uma contraindicação à gestação pela alta morbimortalidade. Mulheres obesas devem ser encorajadas ao tratamento da obesidade antes do início da gestação.

Durante a gestação com DM1

O alvo de HbA1c para essas pacientes é <6% (atentar que a gestação por si só já está associada a uma redução de – 0,5% na glicada devido ao alto turnover de hemácias), mas este método não é o mais acurado.

O alvo glicêmico também muda, com objetivos de manter a glicemia de jejum (GJ) < 95 mg/dL, glicemia 1h pós prandial < 140 mg/dL e 2h < 120 mg/dL. A avaliação da glicemia pós prandial pode ser feita tanto 1h como 2h após a refeição, porém no estudo “Diabetes in Early Pregnancy”, a avaliação em 1h mostrou maior associação com macrossomia e aumento da circunferência abdominal fetal.

A avaliação contínua da glicemia (CGM) também pode ser utilizada (inclusive o sensor Libre foi aprovado recentemente para uso na gestação), com tempo no alvo (TIR) de 63 a 140 mg/dL > 70%, < 25% acima de 140, < 4% menor que 63 e < 1% menor que 54 mg/dL.

É necessário atentar às complicações, rastreando retinopatia se ainda não tiver sido realizado e avaliação de proteinúria já no primeiro trimestre. 

O risco de pré-eclâmpsia aumenta 4 a 6 vezes em pacientes com DM1, comparado a gestantes sem DM e é maior quando há descontrole glicêmico. É recomendado iniciar aspirina (60 a 150 mg/d) a partir da  12ª semana até o parto.

Quanto à necessidade diária de insulina, existe uma variação grande durante a gestação. É esperado uma redução na necessidade entre a 7ª e 15ª semana, com incrementos a partir da 16ª (cerca de 5% por semana!). A maioria das gestantes requer 1,5-2x a dose que utilizava antes da gestação no terceiro trimestre.

O tratamento sempre deve ser realizado com insulina em esquema basal/bolus, sendo que as insulinas basais estudadas e consideradas seguras na gestação são a NPH e a detemir. Quanto às insulinas rápidas, a regular, lispro e asparte também são seguras e podem ser empregadas, com vantagem das últimas estarem relacionadas a menor incidência de hipoglicemia quando comparado à insulina regular. O uso de1q bomba de insulina não demonstrou benefício materno ou neonatal em ensaios clínicos randomizados (RCTs), mas deve ser empregado sobretudo em gestantes com hipoglicemias frequentes ou graves. Idealmente deve-se iniciar o uso antes da gestação para treinamento adequado. 

Dentre as complicações agudas, é fundamental lembrar que durante a gestação há maior risco de cetoacidose diabética (CAD) e que esta pode acontecer com menores níveis de glicemia, mesmo menores que 250 mg/dL.

O controle glicêmico intraparto deve ser individualizado, já que não existem RCTs avaliando o assunto. Da mesma forma, não há consenso sobre o alvo glicêmico durante o parto, sendo recomendado entre 70 e 100 mg/dL pela American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). O bom controle nesse período é importante para evitar hipoglicemia neonatal.

Pós parto

A resistência insulínica cai imediatamente após o parto. Portanto, a dose total de insulina deve ser reduzida em aproximadamente 30%, comparada a dose pré gestação, ou em 50% da dose utilizada até então. Ao longo das duas semanas seguintes, a sensibilidade retorna ao basal, porém é necessário atentar a quedas na glicemia durante o aleitamento materno.

Além dos cuidados com a glicemia, é importante lembrar também da tireoidite pós parto, que é 4x mais comum em pacientes com DM1. Devemos checar a função tireoideana 3 e 6 meses após o parto.

Conclusão

O controle do DM1 na gestação está relacionado a melhores desfechos, mas para isso acontecer, é necessária uma equipe multidisciplinar e sobretudo dedicação das futuras mães!

 

Referência bibliográfica:

  • Buschur EO, Polsky S. Type 1 Diabetes: Management in Women From Preconception to Postpartum. J Clin Endocrinol Metab. 2021 Mar 25;106(4):952-967. doi: 10.1210/clinem/dgaa931. PMID: 33331893.

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