Daratumumabe no tratamento do lúpus eritematoso sistêmico: nova abordagem?

Estudo descreveu o uso do daratumumabe no tratamento de 2 pacientes com lúpus eritematoso sistêmico refratário às terapias convencionais.

O daratumumabe é um anticorpo monoclonal que antagoniza o CD38, um marcador de superfície de plasmócitos. Após sua infusão, ocorre depleção dessas células e, portanto, essa medicação foi aprovada para uso no tratamento do mieloma múltiplo.

Além da indicação inicial, vários ensaios clínicos estão registrados, utilizando o daratumumabe nas mais diversas condições, como várias formas de gamopatias monoclonais, leucemia linfocítica crônica recidivada, linfoma, amiloidose, púrpura trombocitopênica idiopática, glomerulonefrite membranoproliferativa, adenocarcinoma de próstata, entre outras. Essa medicação já foi utilizada com sucesso, inclusive, na síndrome antifosfolípide, publicada como relato de caso.

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No lúpus eritematoso sistêmico (LES), já foram identificados plasmócitos autorreativos de longa duração, que participam da patogênese da doença através da secreção de autoanticorpos. Com base nesse conceito, Ostendorf et al. descreveram o uso do daratumumabe no tratamento de 2 pacientes com LES refratário às terapias convencionais. Esta série de casos foi publicada no New England Journal of Medicine (fator de impacto de 74.699).

Daratumumabe no tratamento do lúpus eritematoso sistêmico

Pacientes

Duas pacientes foram incluídos nesta série. A primeira delas é uma mulher de 50 anos que recebeu o diagnóstico de nefrite lúpica classe III/V. Apesar da indução com ciclofosfamida, micofenolato mofetil e bortezomibe, a remissão sustentada não foi atingida, e a paciente mantinha os quadros de nefrite, artrite e pericardite. Após início do daratumumabe, a proteinúria apresentou grande queda (de 6.362 para 1.197 mg/24 horas), houve normalização dos níveis de creatinina, melhora da artrite e pericardite (com melhora ecocardiográfica do derrame pericárdico), além da normalização dos níveis de C3 e queda de 50% nos títulos do anti-dsDNA. Dessa forma, o SLEDAI-2K caiu de 22 para 8 no período de 12 semanas. Houve redução na dose de prednisolona de 20 para 4 mg/dia. Os autores relataram que ocorreu queda nos níveis séricos de IgG após uma semana da infusão, com estabilização após duas doses de imunoglobulina intravenosa.

A segunda paciente é uma mulher de 32 anos com diagnóstico de LES com predomínio hematológico (principalmente anemia hemolítica autoimune e plaquetopenia imune — síndrome de Evans). Ela foi refratária ou apresentou eventos adversos (intolerância ou infecção — vários episódios de sepse, pneumonia e ARDS em 3 anos) aos tratamentos previamente realizados com hidroxicloroquina, ciclofosfamida, micofenolato mofetil, belimumabe, rituximabe, azatioprina, metotrexato, plasmaferese, imunoglobulina e bortezomibe. Após a infusão do daratumumabe, a paciente apresentou melhora global do quadro, com negativação do teste de antiglobulina (Coombs) direto pelo período de 11 meses de seguimento. O SLEDAI-2K caiu de 21 para 6 em 12 semanas, com queda adicional para 4 após terapia sequencial com belimumabe. Os títulos de anti-dsDNA reduziram cerca de 60%.

Maiores detalhes dos casos são apresentados no artigo original.

Avaliação do efeito do daratumumabe

A avaliação dos efeitos do daratumumabe nas células CD38+ foi realizada através da citometria de fluxo. Houve uma redução rápida, porém transitória de células com alta expressão de CD38 na superfície (células NK, células dendríticas plasmocitoides e plasmablastos). Linfócitos B CD19+ sofreram uma queda gradual, que se acentuou após terapia sequencial com belimumabe. Linfócitos T CD4+ e CD8+ mantiveram níveis estáveis.

Saiba mais: ACR 2020: lúpus eritematoso sistêmico e síndrome antifosfolípide

Com relação ao impacto na ativação e função de células T, a análise do transcriptoma de linfócitos T CD3+ evidenciou que o daratumumabe reduziu a expressão de CD38 nesses linfócitos, o que culminou com uma redução da atividade de interferon tipo 1 (avaliada através da pesquisa de genes relacionados à assinatura inteferon — p.e., IRF7). Os resultados também sugerem que aconteceu uma restauração da função dos linfócitos T citotóxicos, que inicialmente se encontravam desregulados.

Comentários

Essa série de casos traz informações relevantes para o entendimento e sugere uma nova possibilidade terapêutica para os casos de LES refratários.

Visto que existem diversas possibilidades de viéses nesse tipo de estudo (notadamente o de publicação e o de seleção), é importante que ensaios clínicos sejam conduzidos para avaliar a possível eficácia dessa medicação no tratamento do LES.

Referências bibliográficas:

  • Ostendorf L, Burns M, Durek P, et al. Targeting CD38 with daratumumab in refractory systemic lupus erythematosus. N Engl J Med. 2020;383:1149-55. doi: 1056/NEJMoa2023325.
  • Cole S, Walsh A, Yin X, et al. Integrative analysis reveals CD38 as a therapeutic target for plasma cell-rich pre-disease and established rheumatoid arthritis and systemic lupus erythematosus. Arthritis Res Ther. 2018 May 2;20(1):85. doi: 1186/s13075-018-1578-z.
  • Diaz-Simón R, Pleguezuelo D, Cabrera-Marante O, et al. Resetting humoral immunity by targeting plasma cells as a new Antiphospholipid Syndrome therapy. Lupus. 2019;28:P92.

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