Definição e manejo da miastenia gravis

A miastenia gravis é uma doença, mais especificamente, um distúrbio neuromuscular que afeta a porção pós-sináptica da junção neuromuscular.

A miastenia gravis é uma doença, mais especificamente, um distúrbio neuromuscular que afeta a porção pós-sináptica da junção neuromuscular, tendo como efeito déficit motor e fatigabilidade da musculatura esquelética.

Médica verifica dados sobre miastenia gravis

Qual é a etiologia?

A principal forma da doença é a adquirida, na qual o paciente apresenta anticorpos contra seus receptores de acetilcolina, receptores nicotínico localizados na junção neuromuscular. A relação dos anticorpos com essa doença foi comprovada após verificação da melhora dos pacientes após realização de plasmaférese com retirada dos anticorpos da circulação. Esses anticorpos não apenas diminuem a quantidade de receptores disponíveis para se ligarem a acetilcolina, como também tornam as fendas sinápticas mais simples, com diminuição do comprimento da membrana pós-sináptica e menor quantidade de dobras juncionais. Possivelmente existe uma predisposição genética para o desenvolvimento dessa condição autoimune. Infecções, cirurgia e certos medicamentos (como nifedipina, verapamil, procainamida) podem desencadear o quadro.

Existe também a forma congênita, menos comum, na qual os anticorpos produzidos pela mãe passam pela barreira placentária para o feto, gerando a miastenia neonatal com sintomas que desaparecem um tempo após nascimento.

Avanços na medicina intensiva têm aumentado sobremaneira a sobrevida desses pacientes.

Qual o mecanismo fisiopatológico?

Como mencionamos acima, como resultado das alterações produzidas pelos anticorpos, a quantidade de receptores da acetilcolina está reduzida na placa miastênica. Há alguma evidência demonstrada pelos estudos que a agressão é iniciada no timo.

Seguem esquemas representando a parte muscular da junção neuromuscular de um paciente sem miastenia gravis e de um paciente doente. As bolinhas verdes representam a acetilcolina, a linha vermelha representa o músculo da placa motora e as dobras da junção representam a superfície na qual se encontram os receptores.

Esse situação normal, a acetilcolina liberada na terminação nervosa atravessa o espaço sináptico em direção aos seus receptores encontrados no músculo. Existe uma enzima chamada Acetilcolinesterase que, por realizar a hidrólise da acetilcolina livre (a que não está ligada ao receptor), encerra a neurotransmissão, inativando-a.

Na miastenia gravis, como a fenda sináptica é mais simples, há consequentemente menos receptores de acetilcolina e os presentes podem estar ligados aos anticorpos e não disponíveis a ligação com acetilcolina. Esta disponível na placa, sem ligar a seus receptores correspondentes, é hidrolisada pela acetilcolinesterase.

Leia também: Atenção para miastenia gravis materna pós-parto!

Qual a apresentação clínica esperada?

Os sintomas podem aparecer de repente com um quadro mais grave de fraqueza, porém isso não é a apresentação mais comum. O que em geral ocorre é a evolução lenta e sutil dos sintomas, tornando bem difícil o diagnóstico da doença.

Espera-se sintomas resultantes da fraqueza e fatigabilidade muscular. Esta piora durante a execução de uma atividade repetitiva, ao fim do dia, pela saturação rápida do terminal sináptico ao desempenhar um exercício. Parece haver melhora do quadro após um período de repouso/sono. Podemos enumerar os sinais e sintomas principais:

  • Ptose/diplopia/estrabismo: a musculatura ocular extrínseca é acometida precocemente;
  • Disfagia;
  • Disartria;
  • Disfonia;
  • Fraqueza na mastigação;
  • Fraqueza nos MMII: principalmente musculatura proximal, de forma que o paciente apresenta dificuldade para subir escadas, elevar os braços para pentear o cabelo ou se barbear;
  • Fraqueza da musculatura respiratória.

Esses sintomas podem se manter inalterados durante um período longo de tempo ou apresentar rápida progressão. Isso varia de um paciente para o outro e o mesmo indivíduo pode apresentar padrões de evolução dos sintomas totalmente diferentes.

Os sintomas podem ser estratificados de acordo com a Escala de Osserman:

  • CLASSIFICAÇÃO 0: Sem sintomas.
  • CLASSIFICAÇÃO 1: Com sintomas oculares.
  • CLASSIFICAÇÃO 2: Quadro leve com progressão lenta sem crises, boa resposta a medicação.
  • CLASSIFICAÇÃO 3: Quadro moderado.
  • CLASSIFICAÇÃO 4: Quadro grave, com insuficiência respiratória.

Um dado importante no exame físico, para diagnóstico diferencial, é a preservação dos reflexos tendíneos profundos.

A crise miastênica é uma condição marcada pela piora dos sintomas respiratórios, sem resposta a medicação, com necessidade de assistência hospitalar. Situações de estresse, reação adversa a alguns medicamentos, atividade física, gestação infectes podem desencadear a crise.

Saiba mais: Covid-19: cientistas italianos identificam três casos de miastenia em pacientes

Quais os exames utilizados para diagnóstico?

A eletroneuromiografia tem grande importância e demonstra aqui redução rápida de amplitude das respostas, principalmente aos estímulos elétricos repetidos.

Outro exame é o teste farmacológico. Observa-se melhora dos sintomas com administração de anticolinesterásicos (edrofônio e neostigmina). Isso é esperado porque não ocorrerá hidrólise da acetilcolina, mantendo-a por maior tempo na placa motora.

Há testes imunológicos também buscando anticorpos antirreceptores de acetilcolina.

O exame de imagem, como tomografia de tórax, serve para procurar anormalidades no timo, sendo a mais comum a hiperplasia folicular linfoide, seguida pelos timomas.

Quais as opções de tratamento?

Medicamentos:

  • Anticolinesterásicos: piridostigmina oral é o medicamento mais utilizado. Eles diminuem a ação da enzima na placa, como vimos acima. Por mais que não impeça a ação dos anticorpos e, portanta, não altere a quantidade de receptores, ele acaba por facilitar a transmissão na placa ao manter a acetilcolina por mais tempo por ali. Inicia-se com dose de 60 mg 3-5x/dia. As doses são aumentadas de acordo com resposta clínica. Esses medicamentos têm efeitos muscarínicos como sintomas colaterais, diarreia, cólicas abdominais, salivação. Esses podem ser controlados com uso da atropina ou escitalopram.
  • Corticosteroides: as doses são progressivas a depender da resposta clínica.
  • Imunossupressores: são utilizados a azatioprina, ciclofosfamida e ciclosporina.
  • Gamaglobulinas: mais indicada na crise miastênica.

Cirurgia:

Como vimos, o timo tem importante relação com essa doença, sendo realizada timectomia. É recomendada a ressecção ampla do timo, tomando como referência os nervos frênicos, ela é realizada de um nervo ao outro. Retira-se quando possível a maior porção de gordura mediastinal peritímica. Os acessos possíveis são transcervical, transesternal, por videotoracoscopia (subxifoide) e cirurgia robótica.

A timectomia é mandatária mediante a identificação de alterações nesse órgão nos exames de imagem.

Existem algumas indicações de realização dessa cirurgia mesmo em situações sem evidência de alterações no exames de imagem:

  • Formas clínicas com manifestações generalizadas refratárias a medicação;
  • Evolução rápida dos sintomas;
  • Pacientes jovens;
  • Intolerância a algumas formas de tratamento pelos efeitos adversos;
  • Sintomas controlados com elevadas dosagens de medicação por longo tempo de tratamento.

Quase 50% dos pacientes podem apresentar expressiva melhora dos sintomas após cirurgia.

Preparo pré e pós-operatório:

Podem ser utilizados plasmaférese ou gamaglobulinas no pré-operatório. No pós-operatório, deve-se evitar benzodiazepínicos e bloqueadores neuromusculares. Deve-se reduzir os anticolinesterásicos e manter a dosagem de corticosteroides.

Todas essas medidas visam evitar as crises miastênicas, falha de extubação pela fraqueza e complicações pós operatória.

Plasmaferese:

É um procedimento realizado principalmente durante a crise miastênica. Aqui, de forma simples, lava-se o plasma do paciente para remoção dos anticorpos que estão atrapalhando a condução do estímulo motor.

Referências bibliográficas:

  • Levischi Júnior CE, Tognini JRF. Principais temas em Cirurgia Toraccica. 1 ed. São Paulo: Medcel. 2019.
  • Rubin M. Miastenia grave. MANUAL MSD. Versão Saúde para a Família. [acesso 28 set 2020]. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/casa/distúrbios-cerebrais,-da-medula-espinal-e-dos-nervos/doenças-dos-nervos-periféricos/miastenia-grave.
  • Associação Brasileira de Miastenia. [acesso em 28 set 2020]. Disponível em: http://www.abrami.org.br.
  • Kandel E, Schwartz J, Jessel T, Siegelbaum S, Hudspeth A . Principles of Neural Science 5ª ed. McGraw-Hill Education ; 2012. 318–9.
  • McGrogan A, Sneddon S, de Vries CS. The incidence of myasthenia gravis: a systematic literature review. Neuroepidemiology. 2010.;34(3):171–183.
  • Kumar V, Kaminski HJ. Treatment of Myasthenia Gravis. Current Neurology and Neuroscience Reports. 2010;11(1):89–96.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.