Delirium em doentes críticos com Covid-19: um risco duplo

Dentre muitas afecções que a Covid-19 causa, há uma delas já conhecida de longa data pelas equipes de cuidados intensivos, o chamado delirium.

Dentre muitas afecções que o novo coronavírus (Covid-19) causa, há uma delas já conhecida de longa data pelas equipes de cuidados intensivos dentro do cenário dos pacientes críticos, o chamado delirium: definido como uma disfunção cerebral aguda que altera o estado de consciência de forma transitória e flutuante, acompanhada de comprometimento cognitivo.

Um estudo retrospectivo realizado por Mao et al. com 214 pacientes com Covid-19, demonstrou que sintomas neurológicos estavam presentes em até um quarto dos pacientes gravemente doentes, com sintomas que incluíam tanto a doença cerebrovascular aguda quanto alteração do estado de consciência.

cama de uti com paciente com delirium e covid-19

Delirium na Covid-19

Nos pacientes com Covid-19, o delirium pode ser determinado pelas seguintes situações:

1. Manifestação de invasão direta do sistema nervoso central (SNC)

Em experiência anterior com vírus da família coronavidae mostraram que a invasão direta do SNC ocorre raramente e de forma tardia, e pode haver convulsões, comprometimento da consciência, e até hipertensão intracraniana.

Durante o ano de 2002 indivíduos mais velhos da epidemia de SARS de 2003 apresentaram não apenas sintomas respiratórios e resposta febril típica, mas também diminuição do bem-estar geral, má alimentação e delirium.

2. Indução de mediadores inflamatórios do SNC

A resposta imunológica ao vírus parece ser mediada por ativação aguda de células T citolíticas, essa resposta pode estar desregulada levando a uma encefalopatia autoimune.

Estudos post-mortem documentaram uma infiltração maciça do cérebro por células imunes, que foram associadas ao edema neuronal. Macrófagos ativados e micróglias estão presentes em áreas de desmielinização e desempenham um papel crítico na destruição da mielina. Axônios com pouca mielina foram encontrados em animais com disfunção cognitiva.

3. Efeito secundário de falha de outros órgãos

A hipoxemia cerebral causada pelo vírus ou ainda a desregulação metabólica associada à falha de sistemas pulmonares e outros órgãos pode contribuir para o delirium.

Leia também: Delirium em pacientes com Covid-19 suspeita ou confirmada

4. Efeito de estratégias sedativas

Sobretudo os benzodiazepínicos utilizados para manter o paciente inconsciente durante os primeiros dias da ventilação mecânica (VM).

5. Tempo prolongado de ventilação mecânica

Permanência em ventilação mecânica leva obviamente a uma imobilidade prolongada o que aumenta em muito o risco de delirium em UTI. Além disso, quanto mais tempo o paciente fica em ventilação muitos efeitos deletérios ocorrem, e há um aumento da permanência na internação.

6. Fatores ambientais

E por último, e sobretudo nesse específico e importante contexto do novo coronavírus o isolamento social desses pacientes, sobretudo familiar, contribuem nos sintomas depressivos e no próprio delirium.

O vírus SARS-CoV-2 pode causar pneumonia grave cuja condição exige internamento em UTI e até 48% dos pacientes requerem intubação e precisam de ventilação mecânica invasiva. Esses pacientes necessitam de medicamentos sedativos por um determinado tempo, sobretudo quando recentemente intubados, inclusive com bloqueadores neuromusculares (BNM) como estratégia para otimização da VM.

Pela condição dessa patologia a VM se torna prolongada e a retirada dos sedativos difícil, muitas vezes associada a um desmame ventilatório complicado pela associação de agitação quando é retirada a sedação.

Os pacientes idosos, com risco muito maior de contrair doença grave pela Covid-19, já tem fator de risco independente para desenvolvimento de delirium, a soma sedação com ventilação mecânica invasiva pode tornar-se um importante fator de piora.

Independente da idade ou da necessidade de intubação esses pacientes travam uma verdadeira “guerra imunológica” e como consequência vários imunomediadores são liberados e o organismo enfrenta uma grande atividade inflamatória.

Além de todo o contexto que o organismo enfrenta no combate da doença o paciente enfrenta o afastamento de seus entes queridos por conta da necessidade da quarentena.

O isolamento social nos pacientes acordados com Covid-19 pode causar a longo prazo depressão e alterações comportamentais, portanto, faz-se necessário nos pacientes acordados meios em que o contato familiar seja mantido. Porém, obviamente, o impedimento de visitas deve continuar sendo seguida procurando outros meios para que estes pacientes tenham um momento com pessoas conhecidas e não só os profissionais envolvidos em seu atendimento. A implementação de políticas como conversa telefônica e por vídeo durante o tempo ocupado em UTI pode minimizar o afastamento.

As evidências indicam que o delirium não é apenas um indicador de pior prognóstico, mas também de elevação dos custos dos cuidados e da qualidade da sobrevida após a alta. Além disso a agitação associada ao delirium hiperativo, por exemplo, pode contribuir para a disseminação da doença em meio intra-hospitalar.

Veja ainda: COMECC19: como proceder quando há CIVD na Covid-19?

Então … quais são as ações propostas para se prevenir o delirium no contexto do COVID-19 ?

Implementação do pacote de segurança chamado ABCDEFs promovido pela Society of Critical Care Medicine (SCCM), que pode ser observado na tabela 1.

Tabela 1. Considerações sobre gerenciamento de delirium Covid-19 via SCCM. Estrutura do pacote de segurança ABCDEF (Adaptada) 

Característica Problema potencial durante a pandemia COVID-19 Soluções potenciais
A – Avaliar, prevenir e controlar a dor

(Assess, Prevent and Manage Pain)

Pacientes estão intubados e profundamente sedados  Procurar fontes de dor (posição prona, constipação, retenção urinária, neuropatias)

Avaliar a dor pelo menos quatro vezes por plantão utilizando uma escala validada.

Tratar a dor em até 30 minutos após sua identificação e reavaliar.

Utilizar abordagens não farmacológicas e farmacológicas.

Prevenir a dor: administrar analgesia e/ou intervenções não farmacológicas antes de procedimentos.

Primeiro tratar a dor antes de sedar o paciente.

B – Protocolos de despertar espontâneo e de respiração espontânea

(Both Spontaneous Awakening Trials and Spontaneous Breathing Trials)

Necessidade de manutenção da sedação por tempo prolongado, associado ao uso de BNM, pelo perfil da doença Monitorar a profundidade dos BNM e reduzir a duração sempre que possível da sedação 
C- Escolha de analgesia e sedação

(Choice of Analgesia and Sedation)

Uso de BNM, PEEP elevada e posição  prona exigem sedação profunda Ajustes da sedação às necessidades da ventilação
D – Delirium: avaliar, prevenir e manejar

(Delirium: assess, prevent and manage)

Delirium hiperativo como fonte de infecção cruzada intra-hospitalar  PARE: considerar uso de sedativos, revisar as medicações e fazer um plano de redução da exposição a drogas.

PENSE: Situações Tóxicas, Hipoxemia Infecção/sepse nosocomial, Imobilização,Intervenções Nau farmacológicas, K+ ou outros distúrbios hidroeletrolíticos.

MEDIQUE: as recomendações atuais sugerem o uso de medicamentos não benzodiazepínicos.

E –  Mobilidade precoce e Exercício

(Early Mobility and Exercise)

Carga elevada de trabalho dos profissionais de fisioterapia e protocolos de prevenção Fisioterapia passiva durante infusão de BNM

Mobilização precoce por toda a equipe multidisciplinar.

F -Envolvimento da Família

(Family Engagement and Empowerment)

Limitada ou inexistente durante a pandemia devido a quarentena e distanciamento

Social

Cuidados no fim de vida

Conversas por telefone ou videoconferência.

Ofereça contato visual e vocal com a família / cuidadores / amigos, especialmente para todos os pacientes que estão morrendo

Referências bibliográficas:

  • Kotfis, K., Williams Roberson, S., Wilson, J.E. et al. COVID-19: ICU delirium management during SARS-CoV-2 pandemic. Crit Care 24, 176 (2020). https://doi.org/10.1186/s13054-020-02882-x
  • Faria, R. B., & Moreno, R. P. (2013). Delirium na unidade de cuidados intensivos: Uma realidade subdiagnosticada. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, 25(2), 137-147. doi: 10.5935/0103-507X.20130025.

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