Depressão na infância e adolescência: apresentação clínica

Outubro é muito associado à infância, por isso vamos discutir os aspectos clínicos de uma preocupação crescente: transtorno depressivo maior.

Outubro é um mês muito associado à infância e, por isso, vamos discutir os aspectos clínicos de uma preocupação crescente entre crianças e adolescentes: o transtorno depressivo maior.

Apesar de ainda ser subdiagnosticado, sabemos que sua prevalência aumenta conforme a idade avança dentro deste grupo, variando de 0,3% a 0,5% dos pré-escolares, 1,4% a 3% entre crianças na idade escolar, mas chegando até 8% entre adolescentes. Até a adolescência sua distribuição tende a ser semelhante entre meninos e meninas ou um pouco maior em meninos, mas torna-se consideravelmente maior em meninas (até 2:1) após a puberdade.

Quando presente pode ter impactos no desenvolvimento, comprometendo aspectos acadêmicos, familiares, sociais, cognitivos e psicológicos. Desta forma o diagnóstico e tratamento precoces podem diminuir os prejuízos e melhorar o prognóstico, pois uma criança deprimida pode ter um mau desempenho escolar, por exemplo, fazendo com que se afaste da escola, tenha mais prejuízos sociais e familiares, perpetuando as condições que podem predispor um novo episódio ou a maior duração da apresentação atual.

O transtorno depressivo maior em crianças e adolescentes também parece se relacionar com maiores chances de doença cardiovascular e aterosclerose prematura. O quadro costuma durar entre de 1 e 2 anos, sendo que 90% dos jovens se recupera após este período. A presença de um episódio aumenta as chances de que outro se desenvolva no futuro. Contudo, alguns casos podem apresentar a forma persistente do transtorno, com maiores chances de recorrência. Quanto mais precoce o quadro, maiores as chances de cronificação.

Leia também: Blog do Whitebook: nova prescrição sobre Depressão na Pediatria

Criança com sintomas de depressão devido ao transtorno depressivo maior

Causas

As causas por trás do transtorno são multifatoriais, sendo muito provável que haja uma relação entre pré-disposição genética associada à influência de fatores ambientais. Alguns fatores de risco envolvem: possuir parentes próximos (de 1º grau) com o transtorno (especialmente aqueles que o desenvolveram de forma precoce — herança moderada), fatores ambientais, fatores perinatais (como baixo peso ao nascimento) e a ocorrência de eventos adversos na vida. Embora a maioria não possua ideação suicida, quando esta está presente, indica um sinal de gravidade.

Aqui vale fazer uma ressalva: as crianças e adolescentes são muito sensíveis a certos eventos que podem influenciar no seu humor, como brigas familiares, doença ou morte de um dos cuidadores, na vigência de doenças crônicas ou lesões cerebrais traumáticas, relações abusivas, negligência, mau desempenho acadêmico, bullying, dúvidas sobre sua opção sexual/disforia de gênero, o uso de substâncias por parte dos pais, a presença de transtornos mentais nos mesmos, problemas nas relações familiares e a vivência de condições socioeconômicas adversas. Nessas situações, o tratamento não envolve apenas a criança, mas todo o ambiente e as circunstâncias relacionadas. É possível que após a resolução dos fatores associados se observe uma melhora dos sintomas.

O transtorno pode se iniciar de forma lenta e gradual, sendo diagnosticado apenas quando já apresenta repercussões importantes na vida. O quadro se constitui por sintomas depressivos, pela presença de comorbidades e prejuízo no funcionamento. Os sintomas depressivos comuns a este grupo incluem a diminuição da concentração, humor irritado ou deprimido, dificuldade de tomar decisões, mudanças no apetite ou peso, alterações no sono (como insônia), pensamentos recorrentes sobre morte e a ideação suicida.

Porém, a apresentação pode variar conforme a idade e o grau de desenvolvimento. Por exemplo, crianças pequenas podem ter dificuldade em identificar, organizar e explicar o que estão sentindo. Nesses casos conta bastante o relato dos cuidadores, que podem observar irritação, apatia, tristeza, timidez, menor tolerância à frustração, baixa autoestima, sintomas somáticos (ex: dores de cabeça) e, em alguns casos, agitação (ex: dificuldade de ficar quieto por certo tempo ou mexendo nos objetos próximos ou em si mesmos).

Raramente também podem apresentar alucinações auditivas, cujo conteúdo reflete seu estado de humor. Não é comum nesta idade a presença de ideação suicida, mas mesmo que esteja presente, as crianças geralmente têm dificuldade em concretizar seus planos. As crianças pequenas também possuem dificuldade para dimensionar o tempo, devendo isso ser considerado pelo avaliador.

Adolescentes

Já entre adolescentes é possível observar sintomas mais parecidos com os dos adultos, como anedonia (ou seja, perda da capacidade de sentir prazer), desesperança, irritabilidade, lentificação psicomotora (como mover-se mais lentamente, falar menos e mais devagar), inquietação, fadiga ou diminuição da energia (ex: sente-se cansado e desmotivado, com dificuldade para iniciar tarefas — os cuidadores podem perceber isto como preguiça ou como uma postura desafiadora), ilusões, negativismo, recusa em participar das atividades familiares, agressividade, comportamentos antissociais, isolamento social, maior sensibilidade à rejeição, sensação de culpa ou de ser inútil (também de fracasso e menos valia), descuido com a própria aparência e até mesmo delírios e alucinações nas formas graves.

Adolescentes também podem fazer uso de substâncias lícitas (ex: álcool) ou ilícitas, além de se envolverem em atividades que possam oferecer algum risco (como comportamento sexual promíscuo). Por consequência, dificuldades escolares e acadêmicas podem ser percebidas.

Infelizmente a presença de comorbidades não é incomum e incluem transtorno de conduta, transtorno de oposição desafiante, transtornos ansiosos, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e o uso abusivo de substâncias. Outros transtornos que também podem ser encontrados são os transtornos de aprendizado, os transtornos de sintomas somáticos e os transtornos alimentares.

Para diferenciar qual é o transtorno comórbido, o médico deve observar quais sintomas se apresentaram primeiro. A presença de comorbidades pode estar associada a uma maior duração do curso da doença, pior resposta ao tratamento e maiores chances de recorrência, além de interferir na apresentação clínica e consequências do transtorno (ex: piora das dificuldades acadêmicas).

Quando olhamos para esses jovens retrospectivamente podemos observar que antes do episódio já apresentavam alguns sintomas ou mesmo outros transtornos mentais, como TDAH ou alguma forma de transtorno ansioso.

Critérios diagnósticos

Os critérios oficiais para o diagnóstico do transtorno depressivo maior em crianças e adolescentes envolvem a presença dos sintomas a seguir. Eles devem estar presentes na maior parte do tempo por pelo menos 14 dias (2 semanas):

  • Critério obrigatório: perda do prazer ou interesse E/OU humor irritado ou deprimido;
  • Critérios adicionais — pelo menos 4: problemas de concentração ou dificuldades relacionadas ao pensamento e tomadas de decisão, diminuição da energia ou fadiga, alterações no sono (insônia ou maior quantidade de sono), alterações na psicomotricidade (lentificação ou agitação), dificuldade para ganhar o peso esperado para a idade, sensação de ser inútil ou culpa excessiva e frequentes pensamentos sobre morte;
  • A combinação de tais sintomas causa prejuízos à vida do jovem, como comprometimento da socialização ou da performance acadêmica;
  • Devem ser excluídos diagnósticos diferenciais, como uso de alguma medicação, de substâncias ilícitas, a presença de outro transtorno mental (especialmente transtorno bipolar) ou alguma doença clínica.

O diagnóstico é clínico e, no geral, não é necessário solicitar nenhum exame laboratorial, a menos que haja suspeita ou se queira excluir outros quadros, como hipotireoidismo. Deve ser realizada uma boa anamnese, acompanhada de exames físico e psíquico. Além das informações dos cuidadores e da conversa com o jovem paciente, é possível também solicitar um relato da escola. As perguntas devem ser adaptadas para a idade, grau do desenvolvimento e realidade sociocultural, entendendo o contexto de fatores na vida desse paciente que levaram ou podem predispor à manutenção ou recorrência do quadro.

Durante a avaliação não devemos nos esquecer de perguntar sobre os fatores de gravidade: a presença de ideação suicida (ou a história de atos suicídas no passado) e a presença de sintomas psicóticos. Caso presentes, uma avaliação especializada deve ser feita para avaliar os critérios de internação hospitalar. O uso de escalas não substitui o diagnóstico clínico, mas pode ser complementar a ele. Algumas escalas são a Children’s Depression Rating Scale – Revised (CDRS-R), a Escala de Depressão de Beck e o inventário de depressão infantil (CDI – Child Depression Inventory), disponíveis em português.

Saiba mais: Como abordar a depressão unipolar resistente?

Diagnósticos diferenciais

Também é necessário estar atento aos diagnósticos diferenciais e saber separar momentos de tristeza e frustração após um evento indesejado de um diagnóstico de transtorno depressivo. O quadro também pode ser confundido pelos cuidadores e pelos médicos como um transtorno de aprendizagem ao invés de um transtorno depressivo. Os clínicos também devem estar atentos aos quadros depressivos induzidos por uma substância e outros transtornos mentais, como TDAH, transtorno de adaptação (ou ajustamento) e transtorno afetivo bipolar.

Em relação àqueles que perderam um familiar, devemos considerar que o luto possui características em comum com o transtorno depressivo maior, como perturbações do sono (insônia), tristeza, retraimento social, perda de apetite e diminuição do peso. Ele não é considerado como um transtorno mental, mas como uma reação normal.

No entanto, alguns jovens durante o período de luto podem preencher os critérios para transtorno depressivo maior, como pensamentos de morte em demasia, culpa exagerada, importante alteração psicomotora, sentimento de menos valia, alucinações e importante prejuízo do funcionamento por um período de tempo maior.

Mensagens finais

Finalmente, é necessário cuidado ao comunicar o diagnóstico para os pais ou cuidadores, já que nem todos podem aceitar ou compreender a doença e insistir que há uma outra explicação por trás dos sintomas. A psicoeducação tem por objetivo explicar sobre a doença, suas manifestações, formas de tratamento, duração do mesmo e sinais de alerta ou gravidade.

Para se informar sobre atualizações referentes ao tratamento do transtorno depressivo maior em crianças e adolescentes confira o material já publicado aqui no Portal e no Whitebook. Confira também nossa conversa com o psiquiatra da Infância e Adolescência, dr. Guilherme Gonçais, sobre suicídio em crianças e adolescentes realizado no nosso último especial pelo Setembro Amarelo 2020 no nosso canal no YouTube.

Referências bibliográficas:

  1. Sadock BJ, Sadock VA, Ruiz P. Compêndio de Psiquiatria – Ciência do Comportamento e Psiquiatria Clínica, 11ª edição. Porto Alegre: Editora Artmed, 2017.
  2. Bonin L. Pediatric unipolar depression: Epidemiology, clinical features, assessment, and diagnosis. Brent D, Blake D, Solomon D, eds. UpToDate.(Accessed on September 28th, 2020).

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