Desenvolvimento cognitivo e fatores sociais e comportamentais — indo além do biológico

O desenvolvimento humano é extremamente complexo. Quando pensamos no desenvolvimento cognitivo, essa complexidade fica mais evidente.

O desenvolvimento humano é extremamente complexo. Quando pensamos no desenvolvimento cognitivo, essa complexidade fica mais evidente. Inicialmente pensada como um resultado de características genéticas, sabe-se hoje que uma série de fatores sociais e de exposições ambientais se relacionam fortemente ao desenvolvimento cognitivo de uma criança, influenciando sua capacidade de aprender, ter uma vida melhor e mais digna e com menor risco de acometimento de doenças cardíacas, câncer e transtornos de ansiedade.

Vivendo em um mundo extremamente desigual, sabemos portanto que o desenvolvimento cognitivo de crianças variará com relação a características como sexo, idade, situação socioeconômica, dentre outras, e que existe potencial real de perpetuação das iniquidades sociais, quando não se pensa em formas de minimizar os impactos dessas situações no desenvolvimento infantil.

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Não podemos mudar a biologia; no caso, não podemos mudar a genética. Mas muitos dos fatores que se relacionam com o desenvolvimento infantil podem sim ser modificados. Pensando nisso, um grupo de pesquisadores americanos realizou um estudo, publicado na Jama Pediatrics em setembro de 2020, que investiga quais fatores potencialmente modificáveis relacionam-se com o desenvolvimento cognitivo de crianças.

Impacto no desenvolvimento cognitivo advindos de fatores sociais e comportamentais

Características do estudo

O estudo foi denominado CANDLE (Conditions Affecting Neurodevelopment and Learnig in Early Life) e um dos seus pontos fortes é o fato de ter sido um estudo prospectivo, que avaliou 1.055 gestantes sem comorbidades no período de dezembro de 2006 a julho de 2011. Houve acompanhamento dessas gestantes e das crianças após seu nascimento. Durante o período de acompanhamento, foram avaliadas características como estrutura familiar, posição socioeconômica, cognição e saúde mental e física da mãe, nutrição da mãe e bebê, características do parto e do nascimento, condições de saúde infantil, comportamentos parentais e percepções maternas sobre sua vizinhança. Também foram realizadas medições de QI nas crianças quando elas atingiam a idade entre 4 e 6 anos.

Após análises dos modelos estatísticos gerados pelos dados, os pesquisadores encontraram associação significativa entre o valor do QI da criança e alguns fatores de exposição. Dentre os fatores que atuaram positivamente no desenvolvimento infantil, os autores destacam: nível educacional materno mais elevado, maior oportunidade educacional na vizinhança, e maior renda familiar. Entre os que atuaram de forma negativa, o estudo cita o número alto de gestações (3 ou mais), engajamento em programas sociais de combate à fome e uso de saúde pública (esses dois últimos indicando relação com nível socioeconômico).

Um dado muito interessante diz respeito à questão cognitiva relacionada ao aleitamento materno. Crianças amamentadas ao seio durante qualquer período apresentaram maior desenvolvimento cognitivo do que as que não fizeram aleitamento materno.

Outros achados

Os investigadores não encontraram diferenças significativas na associação entre o desenvolvimento cognitivo e indicadores como raça e posição socioeconômica, quando essas exposições foram analisadas individualmente. Porém, quando avaliadas em relação às exposições negativas, a população negra encontrava-se mais expostas a esses fatores, o que os tornou mais propensos a redução do desenvolvimento cognitivo quando comparado a outros grupos. Esse efeito, portanto, frisa que os resultados piores para o QI encontrados para esse grupo não apresentam relação com a raça em si, e sim à exposição maior que esse grupo apresenta a fatores com desfechos mais negativos (especialmente nutrição no período pré-natal, habilidade materna de leitura, apoio social, oportunidades educacionais na vizinhança e aleitamento materno).

Outros fatores que o estudo destaca como de importância para o desenvolvimento cognitivo das crianças incluem a interação parental com a criança durante realização de tarefas cognitivas e a redução do estresse materno.

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Apesar de o estudo ter sido realizado fora do Brasil, muitos dos problemas sociais enfrentados pelos Estados Unidos são semelhantes aos brasileiros, e sendo assim, podemos esperar que os mesmos fatores influenciam o desenvolvimento cognitivo de nossas crianças. Muitos desses fatores são modificáveis, porém, exigem interesse político e social. E modificar essas exposições deve ser prioridade para que possamos melhorar o desenvolvimento de nossas crianças.

Referências bibliográficas:

  • Lewinn KZ, et al. Identification of Modifiable Social and Behavioral Factors Associated With Childhood Cognitive Performance. JAMA pediatrics, 2020. doi:10.1001/jamapediatrics.2020.2904

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