Desmame de opioides em crianças na UTIP: como fazer?

A transição para a metadona por via oral é uma estratégia comum para o desmame de opioides, como o fentanil. Na prática, essa transição pode ser desafiadora e muitas crianças ainda evoluem para síndrome de abstinência.

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A transição para a metadona por via oral (VO) é uma estratégia comum para o desmame de infusões contínuas de opioides, como o fentanil. Na prática, essa transição pode ser desafiadora e muitas crianças ainda evoluem para síndrome de abstinência. No entanto, não existe um consenso sobre a melhor forma de introdução da metadona para desmame de opioides e não existem, até o momento, evidências suficientes para recomendar qualquer estratégia específica de desmame da metadona, ou para recomendar a metadona para o desmame da infusão contínua (JOHNSON; BOYLES; MILLER, 2012; DERVAN et al., 2017).

Diferentes estratégias têm sido usadas. Uma delas preconiza o desmame com a menor dose possível de metadona VO, titulando a resposta da criança. A maioria dos pacientes pode ser desmamada com sucesso com uma dose inicial de metadona de 0,1 mg/kg/dose, 6/6h (JOHNSON; BOYLES; MILLER, 2012). Entretanto, pacientes que receberam fentanil em dose muito elevada ou por longo período podem precisar de doses mais altas (0,2 a 0,4 mg/kg/dose, 6/6h) (LAMBERT, BRINK; MAFFEI, 2012; GIBY et al., 2014).

Outra estratégia de desmame de fentanil intravenoso (IV) para metadona VO utiliza doses equivalentes entre esses medicamentos, devendo-se levar em conta as diferenças de potência, meia-vida e biodisponibilidade. As diferenças de potência são compensadas pelas diferenças de meia-vida. Para a conversão de fentanil IV para metadona VO, calcula-se a dose diária total de fentanil administrada ao paciente em µg e divide-se essa dose por 1.000 para que seja convertida em mg. Essa quantia em mg corresponde à dose diária total de metadona que deve ser administrada, de preferência, de 12/12 h (SIMONE; SORCE, 2012; PIRES; FIORETTO; MYLLER, 2013; KUDCHADKAR et al., 2016). Alguns autores recomendam que a dose diária total inicial de metadona deva ser 2,5 vezes a dose diária total de fentanil. A infusão contínua de fentanil deve ser reduzida em 50% após a segunda dose de metadona, reduzida novamente em 50% após a terceira dose de metadona e suspensa após a quarta dose (SIDDAPPA et al., 2003).

Uma recente proposta de desmame classifica os pacientes para o risco de abstinência, antes que o desmame seja iniciado. A estratificação de risco é baseada no número de dias de infusão contínua de opioides (SANCHEZ-PINTO et al., 2018):

  • baixo risco: o paciente recebeu opioides em infusão contínua por um período inferior a 5 dias;
  • risco moderado: o paciente recebeu opioides em infusão contínua por 5 a 7 dias;
  • risco elevado: o paciente recebeu opioides em infusão contínua por 8 a 30 dias;
  • risco muito elevado: o paciente recebeu opioides em infusão contínua por um período superior a 30 dias (SANCHEZ-PINTO et al., 2018).

Sendo assim, o desmame ficaria da seguinte forma:

DESMAME DE OPIOIDES SUGERIDO POR SANCHEZ-PINTO E COLABORADORES (2018)

Risco

Definição

Conversão*

Desmame**

Baixo

O paciente recebeu opioides em infusão contínua por um período inferior a 5 dias

O desmame não é necessário

Moderado

O paciente recebeu opioides em infusão contínua por 5 a 7 dias

Os autores recomendam o uso de hidromorfona (não disponível no Brasil)

Reduza 20% da dose original diariamente

Duração do desmame: 5 dias

Elevado

O paciente recebeu opioides em infusão contínua por 8 a 30 dias

Comece metadona VO

Após a 2ª dose, reduza a infusão em 50%

Após a 3ª dose, reduza a infusão em 50%

Após a 4ª dose, suspenda a infusão

Reduza 20% da dose original em dias alternados

Duração do desmame: 10 dias

Muito elevado

O paciente recebeu opioides em infusão contínua por um período superior a 30 dias

Comece metadona VO

Após a 3ª dose, reduza a infusão em 50%

Após a 6ª dose, reduza a infusão em 50%

Após a 8ª dose, suspenda a infusão

Reduza 10% da dose original em dias alternados

Duração do desmame: > 10 dias

Adaptado de SANCHEZ-PINTO et al. (2018), com permissão dos autores.
Legenda: VO – via oral; WAT-1 – Withdrawal Assessment Tool-1. 

*Usar a tabela de conversão.

*Tabela de conversão

Dose atual de fentanil em infusão contínua

Dose recomendada de metadona

(dose máxima: 10 mg)

1,0 µg/kg/h

0,05 mg/kg/dose 8/8h

2,0 µg/kg/h

0,1 mg/kg/dose 8/8h

3,0 µg/kg/h

0,1 mg/kg/dose 8/8h

4,0 µg/kg/h

0,15 mg/kg/dose 8/8h

Adaptado de SANCHEZ-PINTO et al. (2018), com permissão dos autores.

** Após a conversão, avalie a possibilidade de abstinência através da escala WAT-1. Usar essa proposta de desmame caso o paciente não apresente síndrome de abstinência.
– Caso o paciente apresente provável síndrome de abstinência, avalie o WAT-1. Se o WAT-1 NÃO for ≥ 4 ou NÃO estiver 2 pontos acima do nível basal do paciente, veja se ele necessitou de >2 doses de resgate em 24 horas. Se ele NÃO necessitou dessas doses de resgate, prossiga o desmame conforme orientado acima. Se ele necessitou de 3 ou mais doses de resgate em 24 horas, não prossiga com o desmame. Se ele necessitou de 5 ou mais de resgate em 24 horas, considere retornar para as doses administradas previamente.
– Caso o WAT-1 seja ≥ 4 ou estiver 2 pontos acima do nível basal do paciente, não prossiga com o desmame. Se o escore WAT-1 for alto e o paciente não demonstrou um benefício sustentado (ou piorou os sintomas), considere a possibilidade do diagnóstico de delirium e prossiga com o desmame.

Vinte e quatro horas após o início do desmame, o uso de doses de resgate com morfina IV ou VO (0,05 mg/kg/dose) deve ser realizado em caso de manifestações de síndrome de abstinência. A dose total de morfina administrada em 24 horas deve ser calculada e adicionada à dose diária total de metadona. A nova dose diária de metadona deve ser administrada no dia seguinte a cada 12 horas, até que uma dose estável de metadona seja alcançada (SIMONE; SORCE, 2012; PIRES; FIORETTO; MYLLER, 2013; KUDCHADKAR et al., 2016). Quando a infusão de fentanil for suspensa, a metadona não deve ser modificada por um período de 48-72 horas, para permitir que o paciente alcance um nível sérico adequado do medicamento. Contudo, se o paciente estiver excessivamente sedado, a dose subsequente de metadona deve ser reduzida em 10-20% (SIMONE; SORCE, 2012).

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Referências:

  1. DERVAN, L. A. et al. The use of methadone to facilitate opioid weaning in pediatric critical care patients: a systematic review of the literature and meta-analysis. Paediatric Anaesthesia, v. 27, n. 3, p. 228-39, Mar. 2017.
  2. GIBY, K. et al. Use of methadone for opioid weaning in children: prescribing practices and trends. Canadian Journal of Hospital Pharmacy, v. 67, n. 2, p. 149-56, Mar. 2014.
  3. JOHNSON, P. N.; BOYLES, K.; MILLER, J. Selection of the Initial Methadone Regimen for the Management of Iatrogenic Opioid Abstinence Syndrome in Critically Ill Children. Pharmacotherapy, v. 2, n. 2, p. 148–57, 2012.
  4. KUDCHADKAR, S. R. et al. Pain and Sedation Management. In: NICHOLS, D. G.; SHAFFNER, D. H. Rogers’ Textbook of Pediatric Intensive Care. 5. ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health, 2016. Chapter 14, p. 132-64.
  5. LAMBERT, R.; BRINK, L.; MAFFEI, F. Sedation and Analgesia. In: LUCKING, S.; MAFFEI, F.; TAMBURRO, R.; THOMAS, N. Pediatric Critical Care Study Guide. London: Springer, 2012. Chapter 18, p. 382-405.
  6. PIRES, R. B.; FIORETTO, J. R.; MYLLER, G. Sedação, analgesia e bloqueio neuromuscular. In: FIORETTO, J.R.; BONATTO, R. C.; CARPI, M. F.; RICCHETTI, S. M.Q.; MORAES, M. A. UTI pediátrica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. Cap. 8. p. 58-76.
  7. SIDDAPPA, R. et al. Methadone dosage for prevention of opioid withdrawal in children. Paediatric Anaesthesia, v. 13, n. 9, p. 805–10, 2003.
  8. SANCHEZ-PINTO, L. N. et al. Implementation of a risk-stratified opioid weaning protocol in a pediatric intensive care unit. Journal of Critical Care, v. 43, p. 214–219, 2018.
  9. SIMONE, S.; SORCE, L. Analgesia, Paralytics, Sedation and Withdrawal. In: REUTER-RICE, K.; BOLICK, B. Pediatric Acute Care. A Guide for Interprofessional Practice. Burlington: Jones & Bartlett Learning, 2012. Chapter 21, p. 151-87.

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