Deve-se usar anticoagulantes orais diretos no tratamento da síndrome antifosfolípide?

Há anos, surgem diversos anticoagulantes orais capazes de inibir o fator Xa ou a trombina e qual seria seu valor no tratamento da síndrome antifosfolípide?

A síndrome antifosfolípide (SAF) é a trombofilia adquirida mais frequente, cursando com episódios de trombose em qualquer território do organismo (tanto arterial quanto venoso), em vasos de qualquer calibre. Na última década, acompanhamos o desenvolvimento e lançamento de diversos novos anticoagulantes orais (DOACs), capazes de inibir diretamente o fator Xa (rivaroxabana, apixabana, edoxabana e betrixabana [indisponível no Brasil]) ou a trombina (dabigatrana).

Devido à ausência da necessidade de monitorização laboratorial (quando comparado à varfarina e aos outros antagonistas da vitamina K) e à menor interação com dieta e medicamentos (ainda que existam interações potencialmente graves), o uso dos DOACs em diversas situações vem crescendo substancialmente na prática clínica diária.

No entanto, os dados relativos ao uso de rivaroxabana em pacientes com SAF vêm demonstrando que existem vários problemas com relação à eficácia dessas medicações nesse subgrupo de pacientes. Pensando nisso, a Comissão de SAF da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) publicou um posicionamento com relação ao uso dos DOACs na SAF. Nesse texto para o portal PEBMED, abordarei os 2 pontos mais importantes desse documento, que são: (1) a pesquisa quanto à presença de anticoagulante lúpico (LA) em pacientes utilizando DOACs; e (2) a avaliação da eficácia e segurança dos DOACs na SAF.

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Anticoagulante lúpico (LA) em pacientes usando anticoagulantes orais diretos (DOACs)

Diversos estudos demonstraram que os pacientes em uso de DOACs podem apresentar resultados tanto falso-positivos (mais frequentes) quanto falso-negativos para a presença de LA, o que varia de acordo com o método utilizado para testagem e o tipo de DOAC analisado.

Em resumo, todos os DOACs podem levar a resultados falso-positivos, mas parece que a rivaroxabana e a dabigatrana são os que apresentam maior tendência, enquanto que a apixabana apresenta uma menor probabilidade (podendo, inclusive, levar a resultados falso-negativos).

Dessa maneira, sempre que você estiver diante de um exame demonstrando a presença de LA em um paciente que está fazendo uso de DOAC, você deve considerar fortemente a possibilidade de um resultado falso-positivo. Assim, o diagnóstico de SAF jamais poderá se basear nesse dado isolado.

Para garantir um resultado mais fidedigno do LA, a estratégia mais prática é a pesquisa do LA nos trough levels (momento em que a concentração sérica do DOAC é a menor possível, o que corresponde ao período imediatamente anterior à sua próxima dose — ou seja, 24 horas após última dose de rivaroxabana ou edoxabana e 12 horas após última dose de dabigatrana e apixabana). Ainda assim, esse método pode gerar resultados falso-positivos. Por isso, também não deve ser utilizado de maneira isolada no diagnóstico da SAF, mas pode auxiliar na interpretação do risco de novo evento em pacientes com o diagnóstico de SAF confirmado de outras formas.

Vale lembrar que a anticardiolipina IgG e IgM e a anti-ß2-glicoproteína I IgG e IgM não são afetados pelos DOACs e, dessa forma, são preferidos nesse contexto.

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Eficácia dos DOACs na síndrome antifosfolípide (SAF)

Os diversos estudos observacionais publicados na literatura apresentaram resultados conflitantes. Em uma revisão sistemática recente, o uso de DOACs foi associado a um maior risco de trombose geral em pacientes com SAF. No entanto, uma análise de subgrupo desse estudo recentemente publicada sugeriu que esse risco não foi tão elevado em pacientes com evento venoso único, sem tripla positividade. Como se tratam de estudos observacionais, os ensaios clínicos randomizados em pacientes com perfil de baixo risco são necessários para uma resposta definitiva.

Já existem 3 ensaios clínicos randomizados com resultados completos publicados, comparando a rivaroxabana com a varfarina em pacientes com SAF. Nenhum dos 3 foi capaz de demonstrar que a rivaroxabana é não inferior à varfarina, sendo que um deles (que incluiu somente pacientes triplo positivos com ou sem eventos arteriais – perfil de alto risco de trombose) foi interrompido precocemente por excesso de eventos arteriais no grupo da rivaroxabana (4 AVCs e 3 IAMs contra nenhum no grupo da varfarina).

Dessa maneira, o tratamento padrão-ouro da SAF continua sendo a varfarina e o uso de DOACs não deve ser feito de maneira rotineira. Os DOACs poderiam ser considerados apenas excepcionalmente, em pacientes com evento venoso único, sem tripla positividade, caso o paciente se recuse a tomar, apresente dificuldade de anticoagulação ou possua alergia a algum dos componentes da varfarina. Nos pacientes com tripla positividade, evento arterial ou evento venoso recorrente, o uso de rivaroxabana está contraindicado.

Comentários

Apenas os aspectos principais foram resumidos nesse texto. Para maiores detalhes e para ver todos os 8 posicionamentos publicados, favor consultar o documento original (open access), disponível na seção de referências bibliográficas.

Esperamos que esse documento possa ajudar os reumatologistas e demais médicos que lidam com a SAF no processo de tomada de decisão, resultando em melhores desfechos para seus pacientes.

Disclaimer: Gustavo Balbi é o primeiro autor do artigo analisado e membro da Comissão de Síndrome Antifosfolípide da Sociedade Brasileira de Reumatologia.

Referências bibliográficas:

  • Balbi GGM, et al. Antiphospholipid Syndrome Committee of the Brazilian Society of Rheumatology position statement on the use of direct oral anticoagulants (DOACs) in antiphospholipid syndrome (APS). Adv Rheumatol 2020;60:29. doi: 10.1186/s42358-020-00125-9.
  • Dufrost V, et al. New Insights into the Use of Direct Oral Anticoagulants in Non-high Risk Thrombotic APS Patients: Literature Review and Subgroup Analysis from a Meta-analysis. Curr Rheumatol Rep 2020;22:25.

 

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