Deve-se utilizar corticoide precoce no tratamento da Covid-19?

O uso de corticoides na Covid-19 é um tema que ainda é questão de debate. Um estudo recente avaliou a diferença entre o uso tardio e precoce de corticoides.

O uso de corticoides em pacientes com Covid-19 é um tema que ainda gera questionamentos na comunidade médica. Apesar de muitos trabalhos não mostrarem benefício e não existir recomendação oficial de guidelines nacionais e internacionais para seu uso, muitos médicos têm utilizado a corticoterapia como forma de tentar prevenir a progressão do comprometimento respiratório.

O racional por trás da administração de corticoides é sua ação anti-inflamatória. Como casos graves de Covid-19 estão relacionados a uma resposta inflamatória exacerbada, o uso de corticoides seria benéfico ao controlar a produção de citocinas pro-inflamatórias. Enquanto o uso em fases tardias não mostrou benefício até o momento, muitos advogam o início precoce de corticoterapia em pacientes com Covid-19 com necessidade de oxigenoterapia e com comprometimento respiratório em progressão. Um estudo recente avaliou a diferença entre o uso tardio e precoce de corticoide nesses pacientes.

Corticoides utilizados no estudo sobre sua eficácia no combate à Covid-19.

Métodos do estudo sobre uso de corticoide em pacientes com Covid-19

O estudo foi conduzido em cinco hospitais norte-americanos. Os pacientes elegíveis para inclusão se fossem adultos, tivessem infecção por SARS-CoV-2 confirmada por PCR, apresentassem infiltrados pulmonares bilaterais em exames radiológicos e necessitassem de oxigenoterapia com cateter nasal, oxigênio de alto fluxo ou ventilação mecânica. Pacientes que foram transferidos de outros hospitais, morreram dentro das primeiras 24 horas de admissão ou ficaram internados por menos de 24 horas foram excluídos.

Pacientes sem hipoxemia ou sem dispneia aos esforços foram classificados como tendo Covid-19 leve e foram tratados de forma ambulatorial e com medicação sintomática. Já pacientes com infiltrados em radiografia de tórax e que necessitavam de oxigênio suplementar (cateter nasal ou oxigenoterapia de alto fluxo) foram classificados como casos moderados e os com insuficiência respiratória necessitando de ventilação mecânica, como casos graves de Covid-19.

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O desenho do estudo incorporou mudanças no protocolo das instituições em relação ao uso de corticoide. Pacientes que receberam os cuidados padrão durante o período de 12 a 19 de março de 2020 foram comparados com os que receberam corticoterapia precoce no período de 20 a 27 de março de 2020. Em ambos os grupos, os pacientes receberam tratamento padrão com medidas de suporte, que incluíram oxigênio suplementar, ventilação invasiva, antibioticoterapia, agentes antivirais, vasopressores e terapia de substituição renal, conforme avaliação da equipe assistente.

Os pacientes com Covid-19 moderada ou grave que participaram do grupo de tratamento padrão, antes da mudança de protocolo, foram tratados com medidas de suporte com ou sem combinação de lopinavir/ritonavir e ribavirina ou hidroxicloroquina. Para os que evoluíram para necessidade de VM, o uso compassionado de remdesivir foi solicitado. Em 17 de março, lopinavir/ritonavir e ribavirina foram retirados do protocolo institucional. O uso de corticoides nesses pacientes foi discutido de forma individualizada a critério da equipe assistente.

Evolução dos pacientes

A partir de 20 de março, pacientes com casos moderados que precisavam de ≥ 4 L/min de oxigênio na admissão ou que apresentaram necessidades crescentes de oxigenoterapia passaram a receber metilprednisolona IV 0,5 a 1 mg/kg/dia, dividido em 2 doses, por 3 dias. Os que necessitaram de admissão em UTI receberam metilprednisolona IV 0,5 a 1 mg/kg/dia, dividido em 2 doses, por 3 a 7 dias. Em ambos os casos, os pacientes poderiam ser tratados com hidroxicloroquina 400 mg, 12/12h, no primeiro dia, seguidos de 200 mg, 12/12h, por mais 4 dias. Pacientes em UTI foram avaliados individualmente para o uso de tocilizumabe. A conversão para dose equivalente de prednisona também foi avaliada individualmente e realizada a critério da equipe assistente. Para os pacientes com infecção por Influenza confirmada, não se recomendou o uso de corticoides.

Avaliação clínica foi feita por meio dos escores NEWS e qSOFA e todos os pacientes incluídos foram acompanhados por no mínimo 14 dias após inclusão. O desfecho primário foi necessidade de transferência para UTI, progressão para insuficiência respiratória com necessidade de VM após admissão hospitalar e mortalidade hospitalar por todas as causas. Desfechos secundários incluíram desenvolvimento e gravidade de SARA, dias livres de VM, choque, IRA e duração da internação hospitalar.

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Resultados

Ao todo, 213 pacientes foram incluídos, 81 (38%) no grupo de tratamento padrão e 132 (62%) no grupo de corticoterapia precoce. A média de idade foi de 64 e 61 anos, respectivamente. O grupo de tratamento precoce possuía mais pacientes negros, enquanto o de tratamento padrão tinha mais pacientes com DPOC, mas, em ambas as situações, a diferença não alcançou diferença significativa.

O uso global de corticoides foi de 56,8% e 68,2% no grupo de tratamento padrão e no de corticoterapia precoce, respectivamente, sem diferença estatística (p = 0,094). Entretanto, o grupo de corticoterapia precoce teve maior proporção de início de corticoide nas primeiras 48 horas (12,4% vs. 41,7%; p < 0,001), com média de tempo para o início da medicação de 2 dias, comparado com média de 5 dias no grupo de tratamento padrão. A média de tempo para início de hidroxicloroquina foi maior no grupo de tratamento padrão comparado com o de tratamento precoce (3 vs. 1 dia, respectivamente).

Os desfechos primários combinados ocorreram de forma menos frequente no grupo de corticoterapia precoce (34,9% vs. 54,3%; p = 0,005). Também foram observadas reduções em cada desfecho primário individualmente, porém também sem diferença estatística significativa. O NNT calculado para prevenir ventilação mecânica foi de 8, isto é, pelos resultados obtidos seria necessário tratar 8 pessoas de acordo com a intervenção para prevenir 1 progressão para VM. Após ajuste para sexo, NEWS ≥ 7, idade ≥ 60 anos, o início precoce de corticoide foi associado de forma independente com redução na combinação de desfechos primários no D14 (OR = 0,41; IC 95% = 0,22 – 0,77).

A média de dias de internação teve redução significativa de 8 para 5 dias no grupo que recebeu corticoide precocemente. O desenvolvimento de SARA ocorreu em 38,3% dos pacientes no grupo de tratamento padrão e 26,6% no grupo de corticoide precoce, respectivamente (p = 0,04).

Mensagens práticas

Ambos os grupos apresentaram frequência alta de uso de corticoide, porém, no grupo intervenção, metilprednisolona foi iniciada significativamente mais cedo, em média com 48 horas de admissão. O uso de outras terapias, como hidroxicloroquina ou antivirais, foi similar entre os grupos.

Os resultados sugerem que o início precoce de corticoide pode ser benéfico na prevenção de progressão de doença grave em pacientes com Covid-19 moderado. A maior associação foi na redução de tempo de internação hospitalar.

Os autores sugerem que o uso de metilprednisolona no início da dispneia (que geralmente se desenvolve após 5 a 7 dias de sintomas) pode atenuar a progressão para a fase hiperinflamatória e desenvolvimento de SARA em pacientes com Covid-19.

O uso de ventilação prona foi tentado em alguns pacientes inicialmente, mas interrompido durante o estudo e retomado no final do período. Isso pode ter influenciado nos resultados dos desfechos primários.

Embora animadores, os resultados do estudo não permitem conclusão definitiva para recomendação de uso de corticoides em casos de Covid-19. As publicações oficiais ainda não recomendam o uso de corticoterapia para tratamento de Covid-19 sem outra indicação.

 

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