Devemos utilizar cateter nasogástrico após pancreatoduodenectomia?

Para muitos, é mandatório o uso de CNG após pancreatoduodenectomia, mas um ensaio clínico randomizado buscou entender se existe diferenças.

Cateter nasogástrico (CNG) ou não? Eis a questão… Para muitos esta resposta parece simples e não deixa margem para o diálogo pois prontamente responderiam que é mandatório o uso de CNG após cirurgias no estômago e, principalmente, após pancreatoduodenectomia (PD).

No entanto, uma área que tem tido bastante interesse e estudo é a recuperação pós-operatória com os protocolos de “fast-track” que advoga que o paciente deve retornar o mais rápido possível para suas rotinas usuais, com diminuição das complicações e tempo menor de internação. Uma das medidas é o não uso de CNG após cirurgias abdominais. Algumas áreas da cirurgia já se têm segurança estatística o suficiente para o não uso de rotina, no entanto carece de dados após PD.

Alguns trabalhos retrospectivos já haviam sugerido o não uso de CNG após pancreatoduodenectomia, possa ser benéfico, porém carecia de suporte estatístico com ensaios cínicos. Neste contexto, foi criado este ensaio clínico randomizado IPOD (impacto da ausência de descompressão nasogástrica após pancreatoduodenectomia).

cirurgiões realizando pancreatoduodenectomia

Pancreatoduodenectomia

O estudo foi realizado em centro único com pacientes submetidos a PD randomizados em dois grupos: com descompressão gástrica ou sem descompressão gástrica. A randomização foi na proporção de 1:1 e só era revelada no momento do fechamento da parede abdominal a fim de não influenciar o ato operatório.

Todos os procedimentos seguiram a mesma rotina e foram realizadas pelos mesmos cirurgiões. O procedimento poderia ser feito aberto, laparoscópico ou híbrido. Entende-se por híbrido quando a ressecção foi laparoscópica e a reconstrução realizada através de uma pequena incisão.

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Os pacientes com CNG permaneciam com o mesmo até o terceiro dia caso drenagem menor que 500 mL, ou até o 5o dias na ausência de gastroparesia. No grupo sem CNG, o mesmo era retirado imediatamente ao término da cirurgia.

A oferta de líquidos por via oral era iniciada na noite do procedimento ou no dia seguinte no grupo sem CNG e no grupo com descompressão era iniciado após a retirada. A progressão de dieta era ofertada conforme aceitação.

O desfecho primário a ser avaliado foi a presença de complicações caracterizadas como clavien -dindo grau II ou maior. Quanto aos desfechos secundários seriam eventos pulmonares e aqueles relacionados a complicações cirúrgicas propriamente dito, como fístulas.

Resultados

Entre janeiro de 2016 e agosto de 2018, 125 pacientes foram alocados no estudo, porém após exclusão permaneceram 111 casos que foram alocados. A distribuição entre os grupos foi de 52 pacientes sem CNG e 59 com CNG. Os grupos foram semelhantes na composição entre si. Reintrodução do CNG foi necessário em 23,1% dos pacientes do grupo sem CNG.

As taxas de complicação foram semelhantes nos dois grupos. O tempo de hospitalização foi de dez dias para o grupo sem CNG e 12 dias no grupo com CNG, porém sem significância estatística( P=0,14). Nenhum dos pacientes de ambos os grupos tiveram eventos de broncoaspiração. A análise univariada, apenas um IMC maior que 25 foi associada ao risco de reintrodução de CNG (P<0,01).

Discussão

Este estudo IPOD é o primeiro a avaliar a não descompressão gástrica de rotina após pancreatoduodenectomia de forma randomizada, e os resultados apresentados por este centro de grande volume não mostrou inferioridade da não descompressão. Além disto, a reintrodução do CNG que ocorreu em 23% dos casos não foi associada a aumento da morbidade. A prática de não descompressão gástrica após PD deve ser utilizada mais amplamente, porém especial atenção deve ser dada nos casos com IMC > 25.

Apesar de inicialmente vislumbrado que o não uso do CNG poderia estar associada a maiores complicações pulmonares, isto não se mostrou verdadeiro. Pelo contrário, as taxas deste tipo de complicação foram menores que previamente relatadas e o manejo fast-track pode ter contribuído para este índice.

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Conclusão

Este estudo não demostrou diferença significativa no pós-operatório do uso rotineiro de CNG após cirurgias pancreáticas, sugerindo evitar seu uso sistemático.

Para levar para casa

Tema bastante complexo que necessita de alterações de rotinas da prática médica. Podemos não ser radicais, mas pelo menos devemos ficar atentos que mesmo coisas que parecem óbvias podem sofrer mudanças nas suas indicações.

Referências bibliográficas:

  • Bergeat D, Merdrignac A, Robin F, et al. Nasogastric Decompression vs No Decompression After Pancreaticoduodenectomy: The Randomized Clinical IPOD Trial. JAMA Surg. 2020;155(9):e202291. doi:10.1001/jamasurg.2020.2291
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    Pessaux P, Regimbeau J-M, Dondéro F, Plasse M, Mantz J, Belghiti J. Randomized clinical trial evaluating the need for routine nasogastric decompression after elective hepatic resection. Br J Surg. 2007;94(3):297-303. doi:10.1002/bjs.5728
  • Carrère N, Seulin P, Julio CH, Bloom E, Gouzi J-L, Pradère B. Is nasogastric or nasojejunal decompression necessary after gastrectomy? a prospective randomized trial. World J Surg. 2007;31 (1):122-127. doi:10.1007/s00268-006-0430-9

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