Dia da Imunização: como a vacina para Covid-19 se saiu em seu primeiro teste em humanos?

Hoje, que é comemorado o Dia da Imunização no Brasil, vamos falar sobre os primeiros testes em humanos da tão esperada vacina contra Covid-19.

Dentre os objetivos das inúmeras pesquisas acontecendo em meio a essa nova pandemia está o desenvolvimento de vacinas eficazes contra o novo coronavírus. Essa talvez seja a conquista mais almejada na ciência e na saúde porque poderia prevenir a progressão do número de casos mundialmente e, com isso, reduzir os impactos pessoais e econômicos resultantes da “doença do ano”.

Hoje, que é comemorado o Dia da Imunização no Brasil, vamos falar sobre os primeiros testes da tão esperada vacina contra Covid-19.

vidros de vacina para covid-19 com agulha espetada em um deles

Vacina para Covid-19

Para se ter uma ideia do quanto a imunização contra o SARS-CoV-2 tem sido alvo da comunidade científica, já existem aproximadamente 100 potenciais vacinas em estudo. 8 dessas já estão ou entrarão em breve em ensaios clínicos para testar sua eficácia. Dentre elas, diferentes mecanismos de imunização estão sendo testados, incluindo vacinas de RNA viral, DNA viral, vacinas com vírus da Covid-19 inativados e vacinas com outros vetores virais.

Em 22 de maio deste ano, a revista The Lancet publicou os resultados do primeiro teste em humanos com uma dessas vacinas. O estudo foi feito com uma vacina, em desenvolvimento por uma equipe chinesa, cujo mecanismo é a entrega de epítopos do SARS-CoV-2 (mais especificamente, glicoproteínas de espícula do envelope) através de um adenovírus inativado (o Ad5).

O estudo foi um ensaio de fase 1 que, no processo de desenvolvimento de vacinas, quer dizer que o teste foi feito com pacientes saudáveis, fora da faixa de risco para a doença em questão e com o objetivo de testar as doses a fim de descobrir quanto do medicamento é tolerado e quais são os efeitos colaterais mais comuns. É uma fase essencial, pois mostra se o produto é seguro o suficiente para seguir com os testes em fases 2 e 3, após os quais ele pode ser liberado para uso.

Esse ensaio, especificamente, recrutou 108 pessoas de 18 a 60 anos com comprovação de que não estavam e nunca estiveram infectados pelo SARS-CoV-2 (essa avaliação foi feita com testes sorológicos, swab nasal e TC de tórax de todos os participantes em questão). Critérios de exclusão incluíram história pessoal de epilepsia ou transtornos mentais, alergia conhecida a quaisquer componentes da vacina, febre no dia de início dos testes, hemotransfusão nos últimos quatro meses, ter participado de pesquisas com medicamentos ou vacinas no último mês e não conseguir cumprir o cronograma do estudo.

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Os participantes escolhidos foram então divididos uniformemente em três grupos destinados a receber doses baixa, média ou alta da vacina. Cada dose da vacina consistia em um frasco de 0,5 mL contendo 5 x 1010 partículas virais de Ad5 contendo a glicoproteína de espícula em sua superfície.

Participantes do grupo de baixa dose receberam apenas uma dose da vacina, os do grupo de média dose receberam duas doses em um mesmo braço e o grupo de alta dose recebeu duas doses em um braço e uma no outro. Os pacientes foram acompanhados quanto a sinais clínicos e também laboratoriais de possíveis efeitos colaterais. Os efeitos da vacina foram avaliados com sorologias coletadas nos dias 14 e 28 do estudo, sendo também testados a atividade neutralizante dos anticorpos (tanto com vírus da Covid-19 quanto um vírus de estomatite revestido com as glicoproteínas do primeiro) e o grau de atividade dos linfócitos T (através da produção de interferon gama e outras citocinas mediante contato com antígenos virais).

Resultados

Os resultados foram considerados positivos quando o participante apresentava um aumento dos títulos de anticorpos anti-SARS-CoV-2 em quatro vezes comparado aos níveis iniciais.

Mais de 80% dos participantes apresentaram pelo menos um efeito adverso nos primeiros sete dias, sendo o mais comum a dor local, seguida de febre, astenia, cefaleia e mialgia. Porém, praticamente todos os eventos foram leves e bem tolerados, havendo apenas um paciente do grupo de alta dose que desenvolveu febre alta, mialgia, dispneia e astenia. Menos de 10% dos pacientes tiveram alguma alteração laboratorial, sendo as principais a elevação leve a moderada de bilirrubinas totais, aumento discreto de TGO e hiperglicemia de jejum.

Os títulos de anticorpos contra o domínio ligante de receptor do vírus (ou anti-RBD) foram quatro vezes maiores que os iniciais em 97% dos participantes do grupo de baixa dose, em 94% do grupo de média e em 100% do grupo de alta dose. A capacidade neutralizante desses anticorpos foi maior quanto maior a dose de vacina recebida. Já a atividade das células T foi significantemente maior no grupo de alta dose quando comparado ao de baixa, porém quase indiferente quando comparado ao de média dose.

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Para garantir que os participantes não foram infectados pelo SARS-CoV-2 durante a pesquisa (o que falsearia o resultado), eles foram testados nos dias 14 e 28 com um teste rápido especial que avalia anticorpos contra o núcleocapsídeo viral (um antígeno diferente do usado na vacina). Todos os participantes testaram negativo, excluindo qualquer desvio dos resultados.

Os pesquisadores perceberam, ainda, que os participantes que tinham previamente anticorpos anti-Ad5 tiveram uma soroconversão menos satisfatória com a vacina em teste. Provavelmente, isso ocorreu porque os anticorpos neutralizavam o vírus transportador do antígeno do coronavírus antes que o sistema imune pudesse processá-lo em imunidade adaptativa. Além disso, a soroconversão dos participantes entre 45 e 60 anos foi pior que a dos mais jovens.

Conclusões

O estudo, apesar de apresentar resultados satisfatórios, não quer dizer que a vacina está pronta para o uso. Como tratou-se de um ensaio de fase 1, o número de participantes foi pequeno e o estudo não foi randomizado. Além disso, algumas dúvidas ficam como, por exemplo, se a imunidade se manteria potente após 28 dias do estudo e se pessoas com mais que 60 anos seriam capazes de fazer soroconversão eficaz.

Por isso, o estudo seguirá para a fase 2, na qual a vacina será testada nas populações de risco em questão (idosos, pacientes com comorbidades etc). Como a vacina foi eficaz nos três grupos, sendo que o grupo de altas doses apresentou mais efeitos colaterais, as doses baixa e média da vacina foram as escolhidas para seguir no processo de pesquisa.

Mesmo não sendo capaz de liberar a vacina para o uso, esse estudo traz uma luz ao período de turbulência que caracteriza a atual pandemia. Resta acompanhar os demais estudos e continuar investindo no desenvolvimento científico para o combate ao novo coronavírus.

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Referência bibliográfica:

  • ZHU, Feng-cai; LI, Yu-hua; GUAN, Xu-hua; HOU, Li-hua; WANG, Wen-juan; LI, Jing-xin; WU, Shi-po; WANG, Bu-sen; WANG, Zhao; WANG, Lei. Safety, tolerability, and immunogenicity of a recombinant adenovirus type-5 vectored COVID-19 vaccine: a dose-escalation, open-label, non-randomised, first-in-human trial. The Lancet, [s.l.], p. 1-10, maio 2020. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/s0140-6736(20)31208-3.

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