Dia Mundial da Obesidade: enoxaparina

O guideline da ESC sugere que pacientes com obesidade grave não iniciem o tratamento com heparina de baixa peso molecular (enoxaparina).

A obesidade é um problema mundial, e está intimamente relacionada à ocorrência de tromboembolismo venoso. Nessa população, isso significa que é frequente na prática clínica a necessidade de prevenir e tratar esses fenômenos, especialmente em pacientes internados. Apesar da relevância do tema, são escassos os trabalhos que abordam essa subpopulação na literatura. Assim, as principais recomendações dos guidelines sobre o tema são baseadas em evidência de baixa qualidade. As principais orientações sobre o assunto vêm dos guidelines da European Society of Cardiology (ESC) de tromboembolismo pulmonar de 2019, e da CHEST de 2012. No tratamento do tromboembolismo pulmonar (TEP) de intermediário e alto risco, damos preferência pelo início de anticoagulação parenteral, com posterior conversão para anticoagulantes orais. O guideline da ESC sugere que pacientes com obesidade grave iniciem o tratamento com heparina não fracionada em bomba de infusão contínua, em detrimento da heparina de baixa peso molecular (enoxaparina). No entanto, não é definido um ponto de corte do IMC para a recomendação.

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Dia Mundial da Obesidade: enoxaparina

Estudo base

O artigo utilizado para basear a indicação é um RCT (randomized controlled trial), multicêntrico, de 1993, que incluiu 115 pacientes em Nova York. O objetivo do artigo era comparar dois protocolos diferentes para início de anticoagulação com heparina não fracionada (HNF), para avaliar qual conseguia atingir níveis terapêuticos mais rapidamente, em diferentes cenários clínicos (TEP, síndrome coronariana aguda, oclusão arterial aguda). O protocolo baseado em peso real utilizou 80 ui/Kg de ataque, seguido de 18 ui/Kg/h. Ele foi significativamente superior ao outro grupo, se tornando a dose universalmente aceita de HNF para tromboembolismo pulmonar atualmente. Mas o que isso tem a ver com os pacientes obesos?

De todos pacientes incluídos, nove pacientes do protocolo de HNF baseado em peso real, eram obesos, com pesos variando entre 101 a 131 Kg. As doses foram calculadas com base no peso real, e mesmo utilizando doses de até 2350 ui/h de HNF, todos os pacientes atingiram níveis terapêuticos em até 24 horas. Em comparação aos pacientes que pesavam menos de 100 Kg, nos pacientes obesos não houve diferença na incidência de tempo de tromboplastina parcialmente ativada (PTTa) supra terapêutico (p > 0,20). Assim, por possuir um subgrupo de pacientes obesos, o estudo foi utilizado para embasar a recomendação. Note que se trata de recomendação com grau de evidência baixo.

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Apesar da sugestão do guideline da ESC, existe uma evidência robusta de que a enoxaparina é superior à HNF no tratamento do TEP, com menor taxa de recorrência de tromboembolismo e menor incidência de sangramentos. Não existem bons trabalhos desenhados especificamente para avaliar a segurança/eficácia da enoxaparina em obesos. No entanto, a obesidade mórbida (grau III ou IMC > 40) não foi um critério de exclusão na maioria dos trabalhos sobre anticoagulação em tromboembolismo venoso.

Revisão

Uma revisão recente da Cochrane sobre o assunto reforçou essa ideia. Uma análise dos estudos incluídos demonstra que a obesidade mórbida não foi utilizada como critério de exclusão. Os estudos utilizaram a dose de 1 mg/Kg de enoxaparina, a cada 12 horas, em todos os pacientes, incluindo obesos, com controle do nível terapêutico com dosagem de anti-Xa. O guideline da CHEST fornece esta mesma recomendação, ressaltando uma metanálise publicada no JAMA 2005, onde pacientes com IMC ≥ 30 utilizando essa dose tiveram a mesma taxa de sangramentos graves que pacientes não obesos.

Dessa forma, nos pacientes obesos com tromboembolismo venoso, podemos utilizar as mesmas doses de enoxaparina utilizadas na população geral. No entanto, nessa população é fundamental guiar a anticoagulação com dosagens seriadas de anti-Xa, para garantir eficácia e prevenir sobredosagem.

O contexto clínico não deve ser deixado de lado, de modo que algumas situações (ex: lesão renal aguda; super obesidade – IMC > 50; super superobesidade – IMC > 60) ainda demandam ajustes individualizados na dose de início da anticoagulação.

Em relação a profilaxia de TEV com enoxaparina nos pacientes obesos, os principais estudos disponíveis são no perioperatório de cirurgia bariátrica.

Os estudos são extremamente heterogêneos, com doses variando desde 30, 40, e 60 mg, uma vez ao dia, até 40 mg duas vezes ao dia. A qualidade metodológica deles também deixa a desejar. Isso torna virtualmente impossível compará-los em uma metanálise.

Alguns utilizaram desfechos substitutos, sem relevância clínica. Naqueles que avaliaram desfechos clinicamente significativos, como incidência de tromboembolismo ou sangramentos graves, não houve diferença entre os esquemas de profilaxia. Dessa forma, no momento não podemos afirmar que uma dose seja superior, ou inferior, a outra.

Mensagens finais

  • A obesidade é um problema mundial e representa um fator de risco para o tromboembolismo venoso (TEV);
  • Os estudos dedicados a estudar as doses de anticoagulação nessa população são escassos e de baixa qualidade;
  • Nos eventos de TEV em pacientes obesos, mesmo com IMC ≥ 30, podemos utilizar as doses habituais de 1 mg/Kg de enoxaparina a cada 12 horas, porém com necessidade de monitorização do anti-Xa;
  • Em relação a profilaxia de TEV em obesos, não existem evidências robustas para afirmar superioridade, ou inferioridade, das doses de 40 mg/dia, 60 mg/dia, ou 40 mg a cada 12h, entre si.

Veja mais do Dia Mundial da Obesidade:

Referências bibliográficas:

  • 2019 ESC Guidelines for the diagnosis and management of acute pulmonary embolism developed in collaboration with the European Respiratory Society (ERS): The Task Force for the diagnosis and management of acute pulmonary embolism of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Respir J. 2019 Oct 9;54(3):1901647. doi: 1183/13993003.01647-2019.
  • Antithrombotic therapy for VTE disease: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012 Feb;141(2 Suppl):e419S-e496S. doi: 1378/chest.11-2301
  • Raschke RA, Reilly BM, Guidry JR, Fontana JR, Srinivas S. The weight-based heparin dosing nomogram compared with a “standard care” nomogram. A randomized controlled trial. Ann Intern Med. 1993 Nov 1;119(9):874-81. doi: 7326/0003-4819-119-9-199311010-00002
  • Robertson L, Jones LE. Fixed dose subcutaneous low molecular weight heparins versus adjusted dose unfractionated heparin for the initial treatment of venous thromboembolism. Cochrane Database Syst Rev. 2017 Feb 9;2(2):CD001100. doi: 1002/14651858.CD001100.pub4
  • de Denus S, Sanoski CA, Carlsson J, Opolski G, Spinler SA. Rate vs rhythm control in patients with atrial fibrillation: a meta-analysis. Arch Intern Med. 2005 Feb 14;165(3):258-62. doi: 1001/archinte.165.3.258

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