Dia Mundial de Conscientização do Autismo: saiba como se manifesta o transtorno

Após a criança completar 18 meses, o autismo se torna mais evidentes. O pediatra deve procurar por qualquer atraso de linguagem verbal ou não-verbal. Saiba como:

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Bentinho tem dois anos e está se desenvolvendo como esperado. Ele já progrediu de simples habilidades linguísticas (antes falava só “ma-ma”) à capacidade de junção de duas palavras (“comê biscoto”). Também aponta para os biscoitos quando quer um e adora estar rodeado de outras crianças. Gosta de comer suas comidinhas usando uma colher e ama brincar fingindo que está falando com o vovô no telefone.

Seu primo Dudu, da mesma idade, ainda não usa suas palavras para expressar o que ele precisa ou o que ele quer. Ele só brinca com um carrinho vermelho e canta a mesma música o tempo todo. Ele é capaz de repetir palavras, mas parece que ele está apenas repetindo o que você está perguntando a ele, ao invés de responder às perguntas. Dudu também não faz contato visual e não parece ter qualquer interesse em brincar com outras crianças.

A mãe do Dudu levou-o ao pediatra para uma consulta de rotina e falou com o médico sobre suas preocupações em relação ao menino, que não está cumprindo seus marcos do desenvolvimento, comparando-o ao primo Bentinho. O pediatra, após uma avaliação minuciosa e direcionada, suspeitou da possibilidade de Dudu ser autista1. O 12º Dia Mundial de Conscientização do Autismo é celebrado hoje, 2 de abril de 20192.

O autismo ou transtorno do espectro autista (TEA) é uma deficiência complexa do desenvolvimento: é definido como um determinado conjunto de comportamentos caracterizado por déficits e dificuldades na comunicação e interação social, associados a interesses e atividades restritas e circunscritas e que afeta os indivíduos de forma diferente e em graus variados1,2,3,4.

Leia mais: EEG pode ajudar no diagnóstico precoce do autismo

Em 2013, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) fundiu quatro categorias distintas de autismo em um único diagnóstico – TEA. São elas: transtorno autista, transtorno desintegrativo da infância, transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação e síndrome de Asperger3. Os critérios diagnósticos para TEA de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais quinta edição da APA5 estão resumidos no quadro a seguir.

Quadro 1: Critérios para diagnóstico do transtorno de espectro autista segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais quinta edição (DSM-5).

A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos; ver o texto):

  1. Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa normal a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais.

  2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal pouco integrada a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou déficits na compreensão e uso gestos, a ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal.

  3. Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo, de dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, a ausência de interesse por pares.

Especificar a gravidade atual: A gravidade baseia-se em prejuízos na comunicação social e em padrões de comportamento restritos e repetitivos.

B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos; ver o texto):

  1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos (p. ex., estereotipias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar objetos, ecolalia, frases idiossincráticas).

  2. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (p. ex., sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente).

  3. Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco (p. ex., forte apego a ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos).

  4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (p. ex., indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento).

Especificar a gravidade atual: A gravidade baseia-se em prejuízos na comunicação social e em padrões restritos ou repetitivos de comportamento.

C. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida).

D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente.

E. Essas perturbações não são mais bem explicadas por deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento. Deficiência intelectual ou transtorno do espectro autista costumam ser comórbidos; para fazer o diagnóstico da comorbidade de transtorno do espectro autista e deficiência intelectual, a comunicação social deve estar abaixo do esperado para o nível geral do desenvolvimento.

Nota: Indivíduos com um diagnóstico do DSM-IV bem estabelecido de transtorno autista, transtorno de Asperger ou transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação devem receber o diagnóstico de transtorno do espectro autista. Indivíduos com déficits acentuados na comunicação social, cujos sintomas, porém, não atendam, de outra forma, critérios de transtorno do espectro autista, devem ser avaliados em relação a transtorno da comunicação social (pragmática).

Especificar se: com ou sem comprometimento intelectual concomitante; com ou sem comprometimento da linguagem concomitante; associado a alguma condição médica ou genética conhecida ou a fator ambiental; associado a outro transtorno do neurodesenvolvimento, mental ou comportamental; com catatonia.

Em 2018, os Centers for Disease Control and Prevention emitiram o relatório de monitoramento de deficiências de desenvolvimento e TEA (Autism and Developmental Disabilities Monitoring – ADDM). O relatório concluiu que a prevalência do TEA subiu para 1 em cada 59 nascimentos nos Estados Unidos (duas vezes mais que em 2004, que era de 1 em 125) e quase 1 em 54 meninos. Em junho de 2014, os pesquisadores estimaram que o custo de vida de um indivíduo com autismo pode atingir 2,4 milhões de dólares.

A Autism Society estima que os Estados Unidos gastem quase US$ 90 bilhões anuais em custos para o TEA, este valor inclui os gastos com pesquisa, seguro e despesas não cobertas, educação, moradia, transporte, emprego, serviços terapêuticos relacionados e gastos com o cuidador3.

Uma das perguntas mais comuns feitas após um diagnóstico de TEA é o que causou o distúrbio. Sabe-se que não há uma causa definida. Pesquisas sugerem que o TEA se desenvolve a partir de uma combinação de influências genéticas e ambientais. Estas influências parecem aumentar o risco de uma criança desenvolver TEA. No entanto, é importante ter em mente que risco aumentado não é o mesmo que causa. Por exemplo, algumas alterações genéticas associadas ao TEA também podem ser encontradas em pessoas que não têm o problema. Da mesma maneira, nem todos os indivíduos expostos a um fator de risco ambiental para o TEA desenvolverão o distúrbio (a maioria, na verdade, não vai desenvolvê-lo)1.

As principais manifestações clínicas do TEA são os desafios de comunicação social e os comportamentos restritos e repetitivos. No TEA, essas manifestações começam na primeira infância (embora possam não ser reconhecidas), podendo persistir e interferir na vida diária1.

Os sinais de autismo podem ser exibidos pelo lactente logo nos primeiros meses de vida. Alguns sinais como o atraso para adquirir o sorriso social, a preferência por objetos e não por pessoas, o olhar ausente, a predileção por dormir isolado no berço, irritando-se quando é pego no colo, a ausência da ansiedade de separação e indiferença quando os pais se ausentam podem ser indícios de que o desenvolvimento precisa ser avaliado e que é necessário o estímulo precoce deste paciente com foco na socialização, na linguagem e no carinho4.

Após a criança completar 18 meses, as características de TEA são mais evidentes. Nesta idade, o pediatra deve procurar por qualquer atraso de linguagem verbal ou não-verbal, déficit de contato social e de interesse por outras crianças, interesses repetitivos proeminentes e estereotipias4. Os relatos de autismo ocorrem em crianças de todos os grupos raciais, étnicos e socioeconômicos6.

Dessa forma, a Academia Americana de Pediatria (American Academy of Pediatrics – AAP) recomenda que todas as crianças passem por uma triagem para autismo aos 18 e aos 24 meses de vida em suas visitas de rotina ao pediatra, além de serem observadas quanto aos marcos de desenvolvimento. Para que a triagem seja eficaz, deve ser aplicada a todas as crianças, e não somente naquelas com sintomas sugestivos7. Esta triagem teste pode ser repetida em intervalos de tempo regulares ou quando houver dúvidas4.

A AAP e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomendam a triagem dos pacientes pediátricos para TEA com o uso da escala Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT). Esta escala foi traduzida e validada para o português do Brasil em 2004.

A escala M-CHAT é disponibilizada pela SBP em parceria com o site Autismo & Realidade ONLINE. É uma escala autoexplicativa e de fácil execução, devendo ser aplicada pelo pediatra em consultas ambulatoriais de rotina. É composta por 23 perguntas claras e dicotômicas, com respostas “sim” ou “não”, e deve ser respondida pelos pais e/ou pelos cuidadores da criança.

Ao final da escala, há um escore com a pontuação total, que define se a criança tem risco ou não para TEA:

  1. não são apresentados sinais de TEA ou
  2. deve-se ter atenção e procurar um profissional de saúde para determinar se a criança está ou não dentro do TEA.

A pontuação final obtida deve ser passada para os pais e/ou cuidadores da criança na mesma consulta e deve ser correlacionada com os dados colhidos na anamnese e com o exame físico completo4.

A SBP enfatiza que, por ser uma escala para triagem e não diagnóstico, nem todas as crianças que pontuam no M-CHAT serão diagnosticadas com TEA, ou vice-versa4. Todavia os resultados podem apontar para a ocorrência de outros transtornos de desenvolvimento, como, atraso da linguagem, preocupações sobre o comportamento, ou possíveis próximos passos para uma criança em risco com testes genéticos, neurológicos ou de desenvolvimento adicionais4,7.

Em casos de escores positivos ou quando há suspeita de atraso nos marcos do neurodesenvolvimento e na interação social, a criança deve ser encaminhada sempre para avaliação por médico especialista e por uma equipe multidisciplinar. Isso porque a estimulação precoce é crucial, tanto para ajudar no desenvolvimento cerebral da maneira mais saudável possível, quanto para esclarecer e apoiar pais e/ou cuidadores4.

Os pais devem estar cientes de que a nutrição, o exercício e o descanso adequados são importantes. Proporcionar um lar seguro e amoroso e passar tempo com a sua criança, brincando, cantando, ou lendo, por exemplo, também pode fazer uma grande diferença em seu desenvolvimento1.

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Referências:

  1. Peacock, G.; Aldridge, A. (2009). Learning the Signs of Autism – The Importance of Acting Early. Fonte: Autism Society: https://www.autism-society.org/wp-content/uploads/2014/04/learning-signs.pdf.
  2. What’s Autism? (2019). Fonte: Autism Speaks Inc: https://www.autismspeaks.org/what-autism.
  3. Autism Society. (2019). Fonte: Autism Society: http://www.autism-society.org/.
  4. Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento (2017). Triagem precoce para Autismo/Transtorno do Espectro Autista. Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2017/04/19464b-DocCient-Autismo.pdf.
  5. American Psychiatry Association. (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-5). Arlington, VA: American Psychiatric Association.
  6. Autism Initiatives. (2019). Fonte: American Academy of Pediatrics: https://www.aap.org/en-us/advocacy-and-policy/aap-health-initiatives/Pages/autism-initiatives.aspx.
  7. How Pediatricians Screen for Autism? (2016). Fonte: American Academy of Pediatrics: https://www.healthychildren.org/English/health-issues/conditions/Autism/Pages/How-Doctors-Screen-for-Autism.aspx

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