Diabetes: como a demência interfere no controle da doença

Diabetes Mellitus, caracterizado pela deficiência de insulina, apresenta uma associação bem estabelecida como fator de risco para demência.

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A insulina é um dos principais hormônios produzidos pelas células ß do pâncreas e, assim como seus receptores, está presente em diversos tecidos do corpo, inclusive no sistema nervoso central 1.

Neste sítio, ela atravessa a barreira hematoencefálica e é capaz de interferir na função cerebral através da modulação do metabolismo local, do crescimento e diferenciação neuronal, da transmissão sináptica e da formação de memória e aprendizado 2. Portanto, parece lógico que a insulina esteja relacionada à saúde cognitiva.

O Diabetes Mellitus (DM), caracterizado pela deficiência absoluta ou relativa de insulina, já apresenta uma associação bem estabelecida como fator de risco para demência, síndrome caracterizada pela deterioração da função cognitiva, como memória, pensamento e comportamento.

Há dados mais consistentes em relação ao DM tipo 2 e menos claros em relação ao DM tipo1 3-5. Além disso, há diferenças entre os dois tipos em termos do elemento cognitivo afetado. No DM tipo 1, há um prejuízo na velocidade de processamento mental, enquanto memória e aprendizado estão preservados; já no DM tipo 2 há déficit de memória, aprendizado, atenção e psicomotricidade 6-7.

Um dos principais mecanismos fisiopatológicos envolvidos no desenvolvimento de demência seria o distúrbio na sinalização da insulina levando à resistência à ação do hormônio, prejudicando as funções neuromoduladoras já mencionadas.

Leia mais: Diabetes tipo 2: até que ponto o excesso de risco pode ser reduzido?

Além disso, destacam-se como outros fatores que levam à injúria neuronal a disfunção do endotélio vascular com consequente isquemia, inflamação e perda da integridade da barreira hematoencefálica e aumento na produção e deposição de proteína ß amiloide e amilina no tecido nervoso 8.

A presença de demência no paciente com DM pode interferir diretamente no controle da doença, tanto em relação à hipoglicemia quanto à hiperglicemia de forma bidirecional. Isto quer dizer que as alterações metabólicas podem aumentar o risco de demência por lesão neuronal, assim como a demência aumenta o risco destas alterações metabólicas pela perda da capacidade do paciente em seguir todas as orientações necessárias do tratamento 9-13.

Sendo assim, é fundamental que o clínico se atenha a duas informações importantes sobre esta associação entre DM e demência: a primeira é o reconhecimento do problema, através da triagem da função cognitiva por meio do uso de ferramentas validadas, como, por exemplo, o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), especialmente quando se observa dificuldades no autocuidado.

A segunda é a adaptação do tratamento àquela realidade. Algumas estratégias incluem selecionar medicamentos com baixo risco de hipoglicemia; tornar a posologia dos medicamentos mais cômoda, isto é, menor número de tomadas de comprimidos ou de aplicações, no caso de uso de insulinas; estabelecer metas glicêmicas menos rigorosas e reavaliá-las periodicamente; por fim, educar familiares e cuidadores 14.

Em conclusão, com os avanços no tratamento do DM e o envelhecimento da população com a doença, é fundamental a abordagem preventiva e terapêutica adequados em relação à demência, para que os pacientes experimentem melhor qualidade de vida e sem danos.

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Referências:

  1. Blázquez, E., Velázquez, E., Hurtado-Carneiro, V., & Ruiz-Albusac, J. M. (2014). Insulin in the Brain: Its Pathophysiological Implications for States Related with Central Insulin Resistance, Type 2 Diabetes and Alzheimer’s Disease. Frontiers in Endocrinology, 5, 161. http://doi.org/10.3389/fendo.2014.00161
  2. S. Freude, L. Plum, J. Schnitker et al. Peripheral hyperinsulinemia promotes tau phosphorylation in vivo. Diabetes, vol. 54, no. 12, pp. 3343–3348, 2005.
  3. Ott A, Stolk RP, van Harskamp F, Pols HA, Hofman A, Breteler MM. Diabetes Mellitus and the risk of dementia: the Rotterdam Study. Neurology 1999;53:1937–1942pmid:10599761
  4. Rawlings AM, Sharrett AR, Schneider AL, et al. Diabetes in midlife and cognitive change over 20 years: a cohort study. Ann Intern Med 2014;161:785–793pmid:25437406
  5. Whitmer RA, Biessels GJ, Quesenberry CP, Liu JY, Karter AJ, Beeri M. Type 1 diabetes and risk of dementia in late life: the Kaiser Diabetes & Cognitive Aging Study. Alzheimer’s and Dementia 2015;11(Suppl.):P179–P180
  6. Brands AM, Biessels GJ, de Haan EH, Kappelle LJ, Kessels RP. The effects of type 1 diabetes on cognitive performance: a meta-analysis. Diabetes Care 2005;28:726–735
  7. Okereke OI, Kang JH, Cook NR, et al . Type 2 diabetes mellitus and cognitive decline in two large cohorts of community-dwelling older adults. J Am Geriatr Soc 2008;56:1028–1036
  8. Geert Jan Biessels , Florin Despa. Cognitive decline and dementia in diabetes mellitus: mechanisms and clinical implications. Nature Reviews Endocrinology volume 14, pages591–604 (2018).
  9. Yaffe K, Falvey CM, Hamilton N, et al.; Health ABC Study . Association between hypoglycemia and dementia in a biracial cohort of older adults with diabetes mellitus. JAMA Intern Med 2013;173:1300–1306.
  10. Punthakee Z, Miller ME, Launer LJ, et al.; ACCORD Group of Investigators; ACCORD-MIND Investigators. Poor cognitive function and risk of severe hypoglycemia in type 2 diabetes: post hoc epidemiologic analysis of the ACCORD trial. Diabetes Care 2012;35:787–793
  11. Aung PP, Strachan MW, Frier BM, Butcher I, Deary IJ, Price JF; Edinburgh Type 2 Diabetes Study Investigators. Severe hypoglycaemia and late-life cognitive ability in older people with type 2 diabetes: the Edinburgh Type 2 Diabetes Study. Diabet Med 2012;29:328–336.
  12. Whitmer RA, Karter AJ, Yaffe K, Quesenberry CP Jr, Selby JV. Hypoglycemic episodes and risk of dementia in older patients with type 2 diabetes mellitus. JAMA 2009;301:1565–1572.
  13. Munshi M, Grande L, Hayes M, et al. Cognitive dysfunction is associated with poor diabetes control in older adults. Diabetes Care 2006;29:1794–179.
  14. Munshi M. Cognitive Dysfunction in Older Adults With Diabetes: What a Clinician Needs to Know. Diabetes Care 2017 Apr; 40(4): 461-467.

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