Diagnóstico e manejo da perfuração esofágica no departamento de emergência

Perfuração esofágica (PES) é definida como a disruptura transmural do esôfago em sua porção cervical, torácica ou abdominal. Saiba mais.

Perfuração esofágica (PES) é definida como a disruptura transmural do esôfago em sua porção cervical, torácica ou abdominal. Em decorrência de sua raridade, o diagnóstico precoce e tratamento adequado da PES permanece sendo desafiador no departamento de emergência, o que contribui para a persistente alta morbimortalidade nesse perfil de
paciente.

Levando em consideração que o correto manejo tem potencial de reduzir pela metade a mortalidade (de 27% para 14% quando o diagnóstico é feito em até 24 horas do evento), objetivamos abordar os princípios básicos no atendimento do paciente com perfuração esofágica.

Perfuração Esofágica

Áreas anatômicas relevantes

Devemos ter em mente que o esôfago possui áreas de estreitamento que apresentam maior risco de perfuração: na porção cervical o músculo cricofaríngeo (14-16 cm de diâmetro), na porção torácica a constrição bronco-aórtica (22-24 cm de diâmetro) e na porção abdominal a junção esofagástrica (40-45 cm de diâmetro).

Etiologia

Fatores que aumentam significativamente a pressão intraluminal ou que violam diretamente a parede esofágica são os principais envolvidos na ocorrência de perfuração esofágica. Podemos citar como mais relevantes:

Perfuração iatrogênica: ocorrem durante abordagens endoscópicas como dilatação esofagiana, ligação varicosa e escleroterapia, sendo responsável por 60% dos casos;

Perfuração espontânea (Síndrome de Boerhaave): ocorre por aumento abrupto da pressão luminal (normalmente por episódios copiosos de vômito) sem relaxamento do esfíncter esofagiano superior. É responsável por 15% dos casos e ocorre principalmente na borda esquerda do terço inferior da porção torácica;

Outras causas: neoplasia, trauma penetrante, presença de corpo estranho, lesão transoperatória e ingesta cáustica são etiologias mais raras.

Investigação inicial

O quadro clínico inicial frequentemente é inespecífico, podendo se apresentar com disfagia, cervicalgia, hipersalivação, edema cervical, dor retroesternal, hematêmese, enfisema subcutâneo e peritonite. Os principais diagnósticos diferenciais são condições como infarto agudo do miocárdio, pneumonia e úlcera gástrica. Fazem parte dos exames complementares iniciais:

  • Laboratoriais como hemograma, eletrólitos, função renal e hepática, lactato, marcadores inflamatórios;
  • Radiografia de tórax faz parte da avaliação radiológica inicial e achados como pneumomediastino, enfisema subcutâneo, pneumotórax, derrame pleural e atelectasia podem sugerir perfuração esofágica. Tomografia computadorizada e exames contratados via oral, como o esofagograma, são normalmente necessários para melhor caracterização do quadro (localização da lesão e extensão de acometimento em estruturas adjacentes);
  • Endoscopia também pode ser uma ferramenta útil em caso de dúvida diagnóstica, porém não é o exame de primeira linha pelo risco de piora da perfuração ou agravamento da contaminação local.

Manejo inicial

A abordagem inicial é fundamentada no diagnóstico precoce, monitorização hemodinâmica, antibioticoterapia e abordagem cirúrgica visando restaurar a integridade esofágica e controlar a contaminação de estruturas adjacentes.
Nesse contexto, é indicado manter o paciente em NPO, iniciar ressuscitação volêmica e antibióticos de largo espectro (ampicilina-sulbactam, piperacilina-tazobactam ou carbapenêmicos, por exemplo).

Tratamento não-cirúrgico

Após diagnóstico e estabilização do paciente, deve-se avaliar a melhor indicação terapêutica. Critérios de Altorjay e, mais recentemente, Pittsburgh esophageal perforation severity score são ferramentas que utilizam aspectos clínicos e radiológicos para auxiliar na decisão terapêutica.

Em pacientes estáveis, com diagnóstico precoce e sem sinais de contaminação local significativa, o tratamento conservador é uma opção considerável. Optando-se por essa abordagem o paciente deve permanecer em vigilância em centro especializado, com antibiótico de largo espectro, além de inicialmente ser mantido em NPO e introduzido
precocemente suporte alimentar por via enteral ou parenteral. Procedimentos minimamente invasivos como drenagem de coleção radioguiada ou decorticação pleural por videotoracoscopia também podem auxiliar no controle de contaminação local, sendo ferramentas adicionais no manejo não cirúrgico. A abordagem endoscópica terapêutica também ganha relevância nesse contexto, visto que é o tratamento de escolha em casos de perfurações iatrogênicas diagnosticadas durante procedimentos endoscópicos. Nesses casos, opta-se pelo uso de clips (em perfurações < 2
cm), stens (em defeitos maiores ou na falha de clips) ou terapia endoluminal à vácuo, podendo essa ferramenta também ser aplicada em pacientes que apresentam escape no pós-operatório de perfuração esofágica.

Tratamento cirúrgico

Tratamento cirúrgico é a escolha para a maioria dos pacientes. Os princípios dessa abordagem são: exposição adequada da área a ser tratada, desbridamento de tecidos desvitalizados, reparo primário do defeito e inserção de dreno local. Nos casos em que rafia primária não pode ser realizada (área de perfuração de difícil acesso, necrose ou mediastinite severa, extensa área perfurada, concomitância com neoplasia esofágica ou instabilidade hemodinâmica), opta-se por ressecção ou exclusão do esôfago com esofagostomia cervical, gastrostomia e jejunostomia como via alimentar. O desfecho pós-operatório tende a ser mais favorável nas perfurações cervicais, com mortalidade média de 7%, contrapondo-se à mortalidade de 27-34% nas perfurações torácicas.

Conclusão

A PES é uma urgência cirúrgica rara que ocorre principalmente por iatrogenismo ou
espontaneamente (síndrome de Boerhaave), tendo apresentação clínica normalmente inespecífica, o que demanda alto grau de suspeição para investigação complementar adequada. A abordagem terapêutica é majoritariamente cirúrgica com predileção pelo reparo primário, porém em pacientes estáveis e com perfuração contida pode-se optar por abordagem conservadora.

Leia também: Esôfago curto: Estudo revisa questões históricas e atuais relacionadas ao seu tratamento

O que levar para casa

O médico emergencista deve ter em mente que o diagnóstico precoce, preferencialmente nas 24 horas iniciais, tem significativo potencial de reduzir morbimortalidade na perfuração esofágica, por isso a importância de saber reconhecer um quadro de ruptura esofágica em potencial no departamento de emergência, otimizando seu diagnóstico e manejo.

Referências bibliográficas:

  • Chirica M, Kelly M, Siboni S, Aiolfi A, Riva C, Asti E et al. Esophageal emergencies:
    WSES guidelines. World Journal of Emergency Surgery. 2019;14(1). https://doi.org/10.1186/s13017-019-0245-2
  • P Raymond D. Surgical management of esophageal perforation [Internet]. uptodate. 2021
    [cited 27 August 2021]. Available from: http://www.uptodate.com

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