Diagnóstico e manejo de mieloma múltiplo: novas diretrizes

O mieloma múltiplo (MM) é uma neoplasia hematológica, envolvendo os plasmáticos. É uma doença mais prevalente em idosos (> 65 anos).

O mieloma múltiplo (MM) é uma neoplasia hematológica, envolvendo os plasmáticos. É uma doença mais prevalente em idosos (> 65 anos), principalmente do sexo masculino e de raça negra. A doença é caracterizada, em sua fisiopatologia, pela multiplicação anormal de plasmócitos, geralmente de origem monoclonal, que produzem quantidades exageradas de anticorpos e geram lesões orgânicas através desse mecanismo.

Leia também: Diagnóstico de mieloma múltiplo: o papel dos exames de imagem

Diagnóstico e Manejo de Mieloma Múltiplo: novas diretrizes

Diferença entre mieloma múltiplo, MGUS, e Smoldering myeloma

A grande maioria dos casos começa como uma doença ainda não neoplásica ou de desenvolvimento bem lento, como a gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS) ou o mieloma múltiplo “de combustão lenta” (em inglês, smoldering multiple myeloma – SMM). A diferença entre essas entidades é a presença, ou não, de proliferação plasmocitária e o prognóstico quanto à progressão para mieloma múltiplo franco. Didaticamente, podemos diferenciar os 3 diagnósticos da seguinte maneira:

– Gamopatia monoclonal de significado indeterminado: presença de produção aumentada de anticorpos monoclonais por plasmócitos, identificável em exames de imunofixação do sangue ou da urina, porém sem os sintomas clássicos de MM (lesão de órgão alvo), e sem proliferação monoclonal de plasmócitos identificável na medula óssea. A progressão anual para MM, em estatísticas, é de cerca de 1% ao ano. [2]

SMM: nesse caso, o paciente já apresenta contagem de plasmócitos > 10% na medula óssea, configurando a proliferação monoclonal, porém sem os sinais clássicos de MM. Os pacientes incluídos neste diagnóstico apresentam desde quadros semelhantes à gamopatia de significado indeterminado até mesmo alguns com sintomas leves de mieloma múltiplo mas que ainda não desenvolveram os critérios completos. A progressão anual para MM é de cerca de 10% ao ano.

Mieloma múltiplo: O paciente já possui a proliferação monoclonal bem estabelecida, acometimento medular significativo, desenvolvendo os sinais e sintomas clássicos de anemia, disfunção renal, hipercalcemia e lesões ósseas líticas.

Investigação da suspeita de Mieloma Múltiplo

A suspeita inicial de um caso de MM se inicia por um ou mais dos sintomas clássicos que levam o paciente a procurar atendimento médico. Um dos sintomas mais conhecidos e característicos são as lesões ósseas líticas, que podem acometer: coluna vertebral, ossos pélvicos ou virtualmente qualquer osso longo portador de medula óssea vermelha. Alguns pacientes podem apresentar sintomas extra ósseos, como plasmocitomas em outros órgãos, leucemia plasmocitária ou acometimento neurológico (geralmente por infiltração de leptomeninges ou nervos cranianos). Outros pacientes apresentam sintomas relacionados a amiloidose por cadeias leves (AL), uma comorbidade frequentemente associada. O Mnemônico CRAB nos lembra algumas condições onde esse diagnóstico deve ser lembrado: C – HiperCalcemia; R – lesão Renal; A – Anemia; B – Bone lesions.

Na suspeita de um caso de MM, recomenda-se coleta de hemograma completo, creatinina sérica, cálcio sérico, albumina, desidrogenase lática (DHL), pesquisa de cadeias leves no soro (kappa e lambda) e beta-2-microglobulina sérica. É importante a coleta de urina e sangue para realização de eletroforese e imunofixação de proteínas, pois esses exames auxiliarão na identificação de proteínas monoclonais características da doença. Essa etapa inicial também é importante porque os níveis de proteínas monoclonais e cadeias leves, especialmente no soro, são usados para acompanhar a eficácia do tratamento posteriormente.

Exames de imagem também são recomendados para identificação de lesões ósseas. Damos preferência pela solicitação de tomografia computadorizada de corpo inteiro, com baixa dose de radiação. Ressonância magnética também pode ser empregada, porém se nenhum desses exames estiverem disponíveis, o inventário ósseo com Rx pode ser uma opção. Além desses, a biópsia de medula óssea também é necessária para confirmar a proliferação clonal de plasmócitos (tanto em número, quanto em marcadores por imunohistoquímica, citometria de fluxo, FISH e citogenética).

Diagnóstico de Mieloma Múltiplo

O diagnóstico é firmado quando observamos: presença de mais de 10% de plasmócitos clonais na biópsia de medula óssea, associado ≥ 1 dos sinais/sintomas clássicos (CRAB). Alternativamente ao CRAB, também firmamos o diagnóstico na presença de ≥ 1 marcadores: plasmócitos clonais em medula óssea > 60%; razão de cadeias leves envolvidas (em relação às cadeias não envolvidas no quadro) ≥ 100; > 1 lesão focal óssea maior que 5 mm.

No caso de suspeita de outras comorbidades associadas (amiloidose AL ou leucemia plasmocítica), outros exames são necessários como: proteína de Bence-Jones urinária ou citometria de fluxo sanguínea, respectivamente. Em serviços que dispõem de FISH para definição do perfil genético do mieloma, o exame pode ser usado para identificar mutações que estão associadas a pior prognóstico.

Tratamento do Mieloma Múltiplo

O objetivo do tratamento do MM é reduzir a presença dos plasmócitos neoplásicos na medula óssea. Isso pode ser acompanhado sem, necessariamente, a realização de novas biópsias sucessivas. Em geral, o acompanhamento da eficácia é feito com os níveis de proteínas monoclonais e cadeias leves séricas (daí a importância da dosagem no diagnóstico). Depois do diagnóstico, a primeira avaliação necessária é quanto à elegibilidade do paciente para transplante de medula óssea – TMO (autólogo ou não). Em geral, pacientes com função orgânica preservada têm indicação de transplante, com a grande maioria dos pacientes portadores de hepatopatias, pneumopatias e/ou cardiopatias excluídos dessa modalidade de tratamento. A exceção são os pacientes nefropatas, que podem receber o transplante apesar da comorbidade em questão.

O processo do TMO autólogo se dá, inicialmente, com o uso de quimioterapia (ex.: ciclofosfamida) ou fatores de crescimento para deslocar células tronco hematopoiéticas para o sangue periférico, de onde elas são coletadas por meio de aférese e reinfundidas no paciente no momento oportuno. Em seguida, o tratamento segue uma linha parecida com a quimioterapia para outras doenças linfohematológicas com as fases de indução, consolidação e manutenção.

A indução se refere à fase de quimioterapia mais potente, responsável pela eliminação celular do tumor, geralmente administrada durante 3-6 meses em pacientes elegíveis para TMO. As drogas de escolha incluem três classes (agentes imunomoduladores, inibidores de proteassoma e glicocorticoides). O esquema preferencial é a associação de lenalidomida + bortezomib + dexametasona. Depois dessa etapa, o paciente recebe a transfusão das células tronco hematopoiéticas que renovarão sua medula óssea com novos plasmócitos (não neoplásicos). A fase de consolidação consiste no uso de mais algumas sessões de quimioterapia após o transplante; ela pode ou não ser usada, e está sendo estudada. Por fim, a fase de manutenção consiste no uso de quimioterápicos em baixas doses (geralmente, lenalidomida) por longos períodos de tempo, com o objetivo de manter a remissão por mais tempo após o tratamento inicial. Como todo tratamento quimioterápico, esses esquemas podem ter efeitos colaterais e complicações como: neuropatias periféricas, reativação de varicela, eventos tromboembólicos, neutropenia, infecções ou reações relacionadas à infusão de imunobiológicos.

O TMO apresenta maiores taxas de remissão, e apresenta taxa de mortalidade menor ou igual a 1% na maioria dos estudos, sendo o tratamento de primeira escolha.  Em pacientes inelegíveis para o transplante, o esquema sugerido é o de daratumumab + lenalidomida + dexametasona. Esse esquema pode ser adaptado para inibidor de proteassoma, ou agente imunomodulador, associado à corticoterapia em pacientes idosos que não toleram o tratamento de escolha.

Acompanhamento de resposta terapêutica e manejo de casos refratários

Conforme dito anteriormente, é importante acompanhar a evolução do caso com realização seriada de hemograma, eletroforese de proteínas (do soro e da urina), imunofixação (do soro e da urina), pesquisa de cadeias leves, exames de imagem e biópsia de medula óssea. Em geral, a observação de proteínas monoclonais e de cadeias leves em queda são suficientes para avaliar a resposta ao tratamento.

Com testes genéticos e moleculares mais modernos, têm sido identificados casos em que há uma pequena quantidade de plasmócitos neoplásicos ainda viáveis (chamados de mieloma múltiplo minimamente residual). Nesses casos, a fim de evitar usar ciclos completos de quimioterapia (com seus altos índices de efeitos colaterais e lesão orgânica), têm-se desenvolvido outras modalidades. A terapia com células T, em que os linfócitos do próprio paciente são coletados e “treinados” para eliminar as células neoplásicas, causa mínimos danos colaterais ao paciente.

Nos casos de MM recidivante ou refratário, ainda existem outros ciclos de quimioterapia possíveis. São utilizadas combinações das classes citadas anteriormente ou anticorpos monoclonais (principalmente daratumumab ou isatuximab), associados ou não a agentes alquilantes como a ciclofosfamida. O TMO também deve ser considerado no momento em que a recidiva é identificada, sendo outras alternativa o uso de quimioterapia citotóxica multiagentes (ciclofosfamida + doxorrubicina + cisplatina + etoposídeo), ou mesmo a terapia de células T citada anteriormente.

Saiba mais: Quais achados laboratoriais importam no diagnóstico de Mieloma Múltiplo?

Outros cuidados durante o tratamento

É importante lembrar que tanto o MM quanto seu tratamento podem levar a múltiplos outros problemas que devem ser abordados de forma a reduzir a morbimortalidade da doença. O acometimento ósseo primário da doença e a quimioterapia frequentemente induzem osteoporose e fraturas. Assim, é importante o tratamento com bisfosfonatos quando apropriado, além de correções cirúrgicas das fraturas quando necessário.

É importante manter atenção ao risco infeccioso, especialmente de varicela zoster, com recomendação do uso de aciclovir profilático em alguns tratamentos. Anemia, leucopenia, plaquetopenia, ou complicações tromboembólicas também são comuns, e devem ser acompanhadas. Por fim, a dor crônica deve ser tratada adequadamente.

Conclusão

O mieloma múltiplo é uma neoplasia prevalente, cujos sintomas se manifestam em diversos sistemas orgânicos. Assim, é necessário um baixo limiar para suspeitar do diagnóstico, e uma investigação adequada deve ser conduzida. Após o diagnóstico, o médico hematologista ou oncologista, devem conduzir o caso conforme o contexto clínico do paciente para escolha adequada das linhas de tratamento e abordagem das complicações esperadas.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Rajkumar SV, Landgren O, Mateos MV. Smoldering multiple myeloma. Blood. 2015 May 14;125(20):3069-75. doi: 10.1182/blood-2014-09-568899.
  • Cowan AJ, Green DJ, Kwok M, Lee S, Coffey DG, Holmberg LA, Tuazon S, Gopal AK, Libby EN. Diagnosis and Management of Multiple Myeloma: A Review. JAMA. 2022 Feb 1;327(5):464-477. doi: 10.1001/jama.2022.0003