Dicas para o Clínico: como manejar HAS em pacientes dialíticos?

Decidimos organizar esse resumo com alguns conhecimentos que todo Clínico deve saber sobre o manejo da HAS em pacientes dialíticos.

O maior desafio da Clínica Médica é justamente saber um pouco de cada área da Medicina e, com isso, ser capaz de fazer diagnósticos e integrar os conhecimentos de forma a cuidar do paciente como um todo. Por isso, nesse processo, é frequente a necessidade de auxílio das especialidades quanto o caso se aprofunda mais em uma ou outra. Mesmo assim, quanto mais o Clínico souber, melhor vai ser sua capacidade de organizar esse malabarismo e organizar um plano de ação eficaz para seu paciente.

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Dentro desse contexto, não é raro que o Clínico se encontre responsável pelos cuidados de um paciente dialítico (afinal, eles comumente são internados por outras condições que fogem do âmbito da Nefrologia). Dentre os vários desafios que esses pacientes representam, o controle da pressão arterial com certeza é um dos mais difíceis de manejar. Por mais que muitas das estratégias para isso envolvam a prescrição da diálise, conhecer como elas funcionam pode ajudar o Clínico a dialogar com as especialidades e, com isso, contribuir de sua própria maneira para melhorar o controle da hipertensão arterial (HAS).

Por isso, decidimos organizar esse resumo com alguns conhecimentos importantes que todo Clínico deve saber sobre o manejo da HAS em pacientes dialíticos.

Dicas para o Clínico: como manejar HAS em pacientes dialíticos?

1. Quando devo medir a PA do paciente?

Variações de PA são comuns durante as sessões de hemodiálise, o que deixa muitos médicos incertos quanto a qual valor de PA deve ser considerado para as estratégias de controle. Essa é uma questão importante, pois a hipertensão, em pacientes dialíticos ou não, é um fator de risco para diversas doenças cardiovasculares e por isso precisa ser bem controlada. Muitos guidelines da KDIGO reforçam a importância da aferição adequada da PA, com todo um preparo para que os resultados sejam de fato confiáveis. Afinal, o mínimo movimento ou alteração de estado mental podem alterar momentaneamente o valor aferido e, com isso, ele deixa de representar o basal daquele paciente em particular. Os guidelines sugerem que a medida seja sempre feita ambulatorialmente, com o paciente sentado durante um período de repouso de 5 minutos (evitando mesmo conversar) e com alguns controles como evitar exercícios físicos ou consumo de estimulantes antes da medida (ex: cigarro ou café). Além disso, o membro superior no qual a pressão será aferida deve ser mantido apoiado na altura do precórdio e a técnica de aferição deve ser seguida à risca.

No caso dos pacientes dialíticos, porém, além das questões técnicas existe também a dúvida quanto ao momento: o resultado mais confiável é aquele obtido antes ou depois da sessão de hemodiálise? O que as pesquisas mostraram é que nenhum desses momentos é adequado para usar como referência, sendo sugerida a aferição da PA nos intervalos interdialíticos. A avaliação ideal é aquela feita no período de g44h entre duas sessões de diálise, especialmente se for possível a realização de MAPA. As medidas podem ser feitas em qualquer local, como em ambulatório próprio, desde que seguidas as orientações para aumentar a precisão da aferição. As medidas em domicílio também são válidas, mas, nesse caso, sugere-se 2 vezes ao dia (nos dias entre as diálises) durante 1 a 2 semanas para garantir que os resultados sejam confiáveis.

A importância desse timing é comprovado por algumas pesquisas que mostraram a elevação da PA sistólica nos períodos interdialíticos como um fator de risco independente para mortalidade por várias causas.

2. Quais são os alvos pressóricos para pacientes dialíticos?

Esse é um dos pontos mais delicados do assunto. Afinal, existem poucos estudos envolvendo o controle pressórico em pacientes dialíticos e a maioria deles tem “N” pequenos ou outros fatores de confusão que comprometem os resultados. No caso de alvos pressóricos, também não existem estudos populacionais definindo alvos específicos, nem para o diagnóstico nem para o tratamento da HAS nesses pacientes. Em geral, a estratégia empregada é extrapolar as orientações dos demais guidelines de manejo da HAS para os pacientes dialíticos. Alguns sugerem o alvo pressórico de 130 x 80 mmHg, como a American Heart Association por exemplo, enquanto outros sugerem esse mesmo valor para pacientes com menos que 65 anos e PAS entre 130 e 140 mmHg para os demais, como no caso da European Society of Cardiology.

É importante ressaltar, porém, que a doença renal crônica avançada tem fisiopatologia própria que envolve alterações multissistêmicas como vasculopatias induzidas pelo estado inflamatório persistente, distúrbios de cálcio e fósforo, hipervolemia, dentre outros mecanismos. Logo, é preciso lembrar que valores de PA muito baixo são tão arriscados para esses pacientes quanto os níveis elevados, podem gerar isquemias teciduais e aceleração da perda da função renal residual. Logo, o ideal é que o alvo seja individualizado de acordo com a capacidade de resposta do indivíduo ao tratamento, status volêmico, presença de outras lesões orgânicas e outros elementos.

3. Como identificar as variações de PA durante a diálise?

As definições de hipotensão e hipertensão na diálise não diferem muito dos demais contextos clínicos. A hipotensão é qualquer queda abaixo de 90 mmHg ou abaixo da pressão basal que resulte em repercussão clínica (daí uma das importâncias de se identificar a PA basal no período interdialítico). Em geral, ela resulta do desafio hemodinâmico apresentado pelo fluxo da diálise e tem íntima relação com a velocidade do mesmo, podendo resultar em isquemia orgânica, trombose de cateter, além de perda mais rápida da função renal residual. Uma das primeiras estratégias adotadas na presença de hipotensão é a redução drástica do ultrafiltrado ou a interrupção da sessão de diálise, mas os guidelines da KDIGO reforçam que a prevenção da hipotensão não deve vir às custas do tempo adequado de diálise ou do ultrafiltrado adequado, considerando a importância do bom controle da volemia e complicações metabólicas da DRC dialítica.

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Já a hipertensão é qualquer elevação significativa da pressão basal e costuma resultar da ativação simpática adaptativa do corpo mediante o desafio hemodinâmico da diálise. Muitas vezes, pode ser evitada pelo bom controle da volemia e pelo uso adequado de medicações anti-hipertensivas.

4. Como funciona o manejo medicamentoso da HAS nesses pacientes?

As medidas de controle não farmacológico da HAS também são importantes nos pacientes dialíticos, incluindo a atividade física (que deve ser encorajada, dentro das limitações inerentes da doença). No caso específico deles, o controle de volemia é outra medida não farmacológica extremamente importante, considerando que o excesso de fluidos corporais é um dos principais responsáveis pela dificuldade do controle pressórico nesse cenário. Porém, com frequência, os pacientes também vão precisar de medicamentos para poder controlar melhor essa comorbidade.

Nesse caso, os medicamentos de primeira escolha são os mesmos da população não-dialítica e o início e progressão das drogas deve ser feito da mesma maneira. Em pacientes com variação da PA durante a diálise, porém, conhecer a dialisabilidade das drogas é uma poderosa carta na manga para contribuir para uma sessão eficaz. Dentre os betabloqueadores, por exemplo, o carvedilol e o propranolol são não-dialisáveis enquanto o atenenol e o metoprolol são altamente dialisáveis. Os estudos mostram que os não dialisáveis apresentam melhor redução de mortalidade, uma vez que mantém a proteção cardíaca contra arritmias mesmo durante a diálise, mas aumentam os riscos de hipotensão intradialítica. Logo, se o paciente tem episódios de hipotensão frequentes, o uso de medicamentos dialisáveis pode evitar que isso ocorra e melhorar a eficácia da sessão. Da mesma forma, se o paciente tem hipertensão intradialítica com frequência, o uso de medicamentos não dialisáveis é preferido.

Existem ainda medicações que podem auxiliar a abortar a hipotensão durante a diálise, permitindo manutenção da UF desejada quando o paciente precisa de um controle volêmico mais estrito. Alguns exemplos são a vasopressina, a sertralina e fludrocortisona (e, possivelmente, outros corticoides com efeito mineralocorticoide mais forte).

5. Como a prescrição da diálise interfere no controle pressórico?

Os detalhes da prescrição da diálise fogem do âmbito da Clínica Geral, mas saber alguns pontos básicos pode ajudar a encontrar estratégias para o melhor controle pressórico.

Como dissemos, um dos determinantes da PA no paciente dialítico é seu status volêmico, de forma que a hipervolemia contribui para a hipertensão. Isso é importante porque não só o excesso líquido resulta em edema generalizado e todas as repercussões clínicas correspondentes, mas também acelera o remodelamento cardíaco e o surgimento de insuficiência cardíaca, adicionando mais uma comorbidade grave à lista de problemas do paciente. A retirada de líquido na diálise é feita através do processo de ultrafiltração (UF), cujo volume total e ritmo são calculados com base em um peso seco considerado ideal para cada indivíduo. Logo, quanto mais hipervolêmico um paciente estiver, maior terá que ser sua UF para atingir a euvolemia e o peso seco objetivado. Nesse cenário, é comum que o paciente apresente hipotensão durante a diálise, considerando a necessidade de retirada rápida de grande quantidade de volume corporal. O resultado disso é um paciente hipertenso entre as sessões, mas hipotenso durante elas, o que impossibilita uma hemodiálise eficaz e favorece acúmulo de mais líquido, gerando um ciclo vicioso. De fato, ritmos de UF altos têm sido repetidamente associados a maior mortalidade na literatura médica.

Logo, podemos concluir que tanto a UF alta ou rápida quanto a UF baixa ou lenta podem interferir no controle pressórico tanto intra quanto interdialítico. Além disso, a composição dos banhos da diálise também pode interferir nisso. Algumas evidências mostram que uma maior concentração de sódio no dialisato pode contribuir para a hipertensão e para a retenção hídrica, ao mesmo tempo em que também pode ser uma boa estratégia para a solução de hipotensão persistente durante as sessões de diálise. Outros componentes e até mesmo a temperatura do dialisato também podem interferir na resposta vascular e, com isso, nos valores de PA do período intradialítico, como vamos detalhar na próxima sessão.

6. Quais estratégias podem ser usadas para melhorar o controle pressórico durante a diálise?

Apesar de a PA interdialítica ser a mais fidedigna quando falamos em risco cardiovascular e de outras causas de mortalidade, fica claro que os distúrbios de PA durante a diálise comprometem o controle adequado dessa comorbidade. Afinal, uma sessão que precisa ser interrompida ou que não consegue seguir a prescrição torna-se ineficaz e isso compromete o controle pressórico, além de impedir a depuração de toxinas e componentes plasmáticos em excesso que seriam originalmente eliminados pelo rim. Por isso, estratégias de controle da PA tanto durante quanto entre as sessões de diálise são essenciais para se atingir os resultados objetivados. As principais medidas incluem:

  • Reduzir o ritmo da UF: essa estratégia é importante para evitar a hipotensão intradialítica e, com isso, permitir a retirada adequada de líquido e a obtenção do peso seco esperado para o paciente. Algumas formas de se fazer incluem aumentar o tempo da sessão de diálise ou aumentar o número de sessões (todos os dias ao invés de dias alternados, por exemplo). Em hospitais lotados, com frequência, essa medida se torna difícil de ser implementada, considerando a falta de recursos ou a superlotação das agendas de diálise. Quando disponível, o uso de outra modalidade de diálise (como a peritoneal, por exemplo) também pode ajudar nesse desafio. Outra forma de se atingir esse objetivo, porém, é reduzir a necessidade da UF, o que se traduz em otimizar a perda de líquido fora dos períodos de diálise. É essencial que a dieta do paciente seja restrita em sódio e, quando há algum grau de função renal residual, a otimização de diuréticos também ajuda a reduzir a retenção hídrica e, com isso, a necessidade de UF mais intensas. Quando o paciente é atendido em ambulatório, ainda é possível introduzir na rotina outras formas de perda de líquido como a perda pela sudorese e pela via respiratória (estimulando exercícios físicos, por exemplo).
  • Melhorar a tolerância à UF: a maior parte das medidas possíveis, nesse aspecto, vêm da prescrição da diálise, o que está fora do controle do Clínico. Algumas evidências mostram que dialisatos mais frios ou com maior concentração de sódio e/ou cálcio aumentam o tônus vascular, o que reduz a perda de volume intravascular efetivo e o risco de hipotensão. Algumas evidências apontam que a composição de magnésio e de bicarbonato do dialisato também podem interferir na PA, mas as evidências ainda são muito escassas para uma conclusão definitiva. Uma forma simples para se contribuir com essa estratégia é através do uso de meias de média compressão, que geram um efeito semelhante ao intensificar o retorno venoso, porém com menos eficácia que as alterações na prescrição da diálise.
  • Manutenção da saúde global: este é um ponto em que o Clínico pode atuar de forma mais intensa. Apesar de os resultados dessa estratégia não serem possíveis no curto prazo, elas são essenciais para o longo-prazo. A desnutrição proteico-energética, comum em pacientes renais crônicos dialíticos, interfere na capacidade de adaptação do corpo a diversos desafios, incluindo a própria diálise e, logo, manter um status nutricional adequado auxilia na tolerância às sessões. Além disso, o controle de comorbidades e o ajuste das prescrições é essencial para preservar o máximo de função renal residual possível, já que ela é importante como uma forma de perda de líquido corporal e também de controle pressórico.

Apesar de, aparentemente, essas medidas focarem mais na prevenção da hipotensão durante a diálise, elas também são importantes para o controle da hipertensão. Isso porque sessões de hemodiálise eficazes são capazes de controlar o balanço hídrico e, com isso, prevenir também a hipertensão tanto dentro quanto fora da diálise.

7. Como acompanhar a hipertensão e o status volêmico do paciente dialítico?

Como dissemos anteriormente, a curva pressórica deve ser acompanhada de acordo com os valores de PA no período interdialítico (mesmo que as flutuações de PA durante a diálise também sejam importantes para planejamento das condutas), pois são os valores fora da diálise que vão refletir o risco cardiovascular do paciente. É importante lembrar também sobre como fazer as aferições de forma adequada e confiável, conforme orientado pelos guidelines da KDIGO.

Para avaliar o status de volume, as diretrizes ressaltam que não há um exame ou conjunto de critérios específicos que possam ser usados para mensurar a retenção hídrica com precisão. Logo, a avaliação é feita com base em dados de história clínica e exame clínico: sintomas como edema, ortopneia, dispneia, cãibras e outros podem sinalizar o excesso ou falta de líquido corporal; já sinais perceptíveis no exame físico como edema, turgência jugular, tendência à hipertensão ou hipotensão, ganho ou perda de peso em avaliações seriadas também sinalizam o status volêmico. Por isso, o contato com o paciente e anotação dos dados objetivos, como o peso corporal, são importantes para as decisões e a prescrição (de medicamentos ou de diálise). Tanto que as diretrizes sugerem que os pacientes passem por anamnese e exame físico antes de cada sessão de diálise, pelo menos.

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Outros elementos como a bioimpedância e o USG pulmonar também podem auxiliar na estimativa da água corporal e a quantificação da diurese é um bom marcador, apesar de indireto, da função renal residual.

Conclusão

Por mais que existam muitas especificidades no cuidado com o paciente dialítico, há muito que o Clínico pode fazer para contribuir, inclusive no controle da hipertensão. Conhecer mais a fundo as estratégias possíveis, mesmo aquelas envolvidas na prescrição da diálise, permitem um melhor diálogo com a especialidade e, consequentemente, maior sucesso na manutenção da saúde e qualidade de vida do paciente.

Referências bibliográficas:

  • Cheung AK, et al. KDIGO 2021 Clinical Practice Guideline for the Management of Blood Pressure in Chronic Kidney Disease. Kidney International [S.L.]. 2021;99(3); 1-87, mar. 2021. Elsevier BV. doi: 10.1016/j.kint.2020.11.003.
  • Flythe JE, et al. Blood pressure and volume management in dialysis: conclusions from a kidney disease. Kidney International [S.L.]. 2020;97(5):861-876. doi:10.1016/j.kint.2020.01.046.

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