Diretriz para tratamento da apneia do sono com pressão aérea positiva

A AASM criou uma diretriz para tratamento da apneia obstrutiva do sono com o uso de pressão aérea positiva. Veja as principais orientações:

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Devido aos avanços na área de tratamento da apneia obstrutiva do sono com o uso de pressão aérea positiva (PAP), a American Academy of Sleep Medicine (AASM) criou uma força tarefa para atualizar as recomendações sobre os parâmetros práticos. Estas recomendações não abordam o tratamento de pacientes com hipoventilação por obesidade, apneia do sono central associada à obstrutiva ou outras síndromes de hipoventilação do sono. Algumas recomendações anteriores foram deixadas de lado enquanto outras foram transformadas em orientações de boa prática médica, dada sua importância.

As recomendações foram obtidas a partir de uma força tarefa, composta de especialistas em medicina do sono certificados pela AASM e outros profissionais com experiência no uso de PAP para apneia obstrutiva do sono (AOS), que realizaram revisão sistemática extensa e avaliaram as indicações para iniciação do tratamento. Não foram comparados outros métodos de tratamento (dispositivos intra-orais, cirurgia, etc) e nem foram avaliados componentes específicos dos aparelhos de PAP.

As duas declarações de boa prática médica incluídas nestes guidelines foram: o início do tratamento da AOS com PAP deve ser baseado no diagnóstico objetivo da doença, seja através de polissonografia (PSG) domiciliar ou a feita em laboratório de sono; e em segundo lugar, após iniciado o tratamento com PAP, o paciente deverá ser acompanhado regularmente pelo médico responsável, principalmente nas primeiras semanas e meses que se seguem ao início do tratamento.

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A boa adesão e eficácia dependerão em muito deste seguimento, assim como a resolução de possíveis complicações. Em pacientes aderentes ao tratamento e bem controlados, posteriormente o acompanhamento poderá ser mais espaçado, até mesmo anual, dependendo de cada caso.

Estas foram às recomendações definidas pela força tarefa da AASM; elas foram divididas em fortes (indicadas para todos os pacientes a menos que haja contraindicações) ou condicionais (podem ou não ser indicadas, avaliadas caso a caso):

1. Recomenda-se o tratamento da AOS em adultos que apresentam sonolência excessiva diurna com PAP, comparando-se a nenhum tratamento (FORTE). A melhora na sonolência diurna é bastante evidente em todos os estudos, e os potenciais desconfortos que o PAP pode causar (ressecamento nasal, sinusite, desconforto de máscara, perda de intimidade com o parceiro) podem ser mitigados ou extintos com boa orientação, boa adaptação ao tratamento e informação para o paciente.

2. Sugere-se o tratamento da AOS em adultos que apresentam perda de qualidade de vida relacionada ao sono, com PAP, comparando-se a nenhum tratamento (CONDICIONAL). Perda de qualidade de vida relacionada ao sono inclui, mas não se restringe, a roncos, engasgos, insônia, interrupção do sono do parceiro de cama, cefaleia matinal, nocturia, perda de produtividade e fadiga durante o dia. Neste caso, assim como na sonolência diurna, o PAP é eficaz em mitigar a maioria destes sintomas, e seus benefícios superam os possíveis desconfortos do PAP, porém como estes parâmetros são mais subjetivos, a revisão sistemática não conseguiu extrair um valor categórico de melhora clínica com uso de PAP, logo a força da recomendação foi menor.

3. Sugere-se o tratamento da AOS em adultos que apresentam hipertensão comórbida, com PAP, comparando-se a nenhum tratamento (CONDICIONAL). A maioria dos estudos revisados mostra benefício, com redução da pressão arterial, tratando-se a AOS com PAP, apesar dos estudos não relacionarem o grau de benefício à gravidade da AOS. A força da recomendação foi mais baixa devido à imprecisão de dados obtidos na revisão sistemática sobre este tema. Na maioria dos casos, entretanto, esta indicação é boa e supera em muito os possíveis desconfortos.

4. Não há evidências suficientes para indicar ou contra-indicar o uso de PAP para pacientes adultos com AOS, com a finalidade exclusiva de reduzir o risco de mortalidade cardiovascular. Apesar de haver uma tendência de pensamento a favor do uso do PAP em todos os pacientes com AOS, mesmo pouco sintomáticos, para redução de risco cardiovascular, a metanálise realizada não mostra força estatística suficiente para corroborar esta conduta; entretanto, dados os possíveis benefícios e baixo risco envolvido no uso de PAP, na maioria dos casos é uma conduta bem indicada e aceita pelos pacientes.

5. Recomenda-se o início do PAP para tratamento de AOS em adultos utilizando-se titulação em laboratório de sono (polissonografia de noite inteira ou split-night) ou auto-titulação (APAP) em ambiente domiciliar, desde que o paciente não possua comorbidades significativas (FORTE). Nos estudos avaliados, excluiu-se como comorbidade significativa: insuficiência cardíaca congestiva (ICC), uso crônico de opióides, doença pulmonar grave, doença neuromuscular, história de uvulopalatofaringoplastia, necessidade de suplementação de O2 durante o sono, síndromes de hipoventilação ou apneia central do sono. Nestes estudos, foi observado que apesar dos potenciais problemas com a polissonografia domiciliar (dificuldade do paciente em ajustar a máscara, detecção de vazamentos, imprecisão do aparelho no auto-ajuste, ausência do técnico para monitorização), devido ao seu custo menor e maior acessibilidade, ela pode ser uma boa opção para o início de tratamento da maioria dos pacientes adultos bem orientados. Em contextos ideais, seus resultados são comparáveis a titulação em laboratório de sono com técnico especializado. Nos casos de comorbidades mais graves, faz-se necessário o ajuste em ambiente próprio, não sendo adequada a polissonografia domiciliar.

6. Recomenda-se o uso de pressão aérea positiva contínua (CPAP) ou auto-ajustada (APAP) para o tratamento contínuo da AOS em adultos (FORTE). Nos estudos avaliados, excluíram-se comorbidades significativas: insuficiência cardíaca congestiva (ICC), uso crônico de opioides, doença pulmonar grave, doença neuromuscular, história de uvulopalatofaringoplastia, necessidade de suplementação de O2 durante o sono, síndromes de hipoventilação ou apneia central do sono. Não houve diferença estatística nos resultados do uso de CPAP ou APAP, sendo que a vantagem do APAP é o auto-ajuste ao longo do tempo devido a mudanças no padrão do paciente, como por exemplo, ao ganho ou perda de peso.

7. Sugere-se que se utilize CPAP ou APAP como tratamento de rotina da AOS em adultos, ao invés da pressão aérea positiva em dois níveis (BPAP) (CONDICIONAL). Na maioria dos estudos avaliados que compararam BPAP com CPAP/APAP, não houveram benefícios significativos, e existem potenciais riscos, como uma pressão expiratória excessivamente baixa que permite a ocorrência de eventos obstrutivos. Hoje em dia a maioria dos aparelhos de CPAP/APAP possui a capacidade de reduzir discretamente a pressão aérea expiratória, permitindo o conforto que seria a grande vantagem do BPAP. O BPAP entretanto continua tendo seu uso, principalmente em casos que a pressão inspiratória necessária é maior que 20 cm H2O, casos que a maioria dos aparelhos de CPAP/APAP não consegue manejar e o paciente pode ter muita dificuldade em expirar nesta pressão. Muitos dos estudos envolvendo BPAP foram patrocinados pela indústria que produz os aparelhos, o que levou a importantes vieses.
8) Recomenda-se que intervenções educacionais sejam feitas em pacientes adultos com AOS antes da iniciação do tratamento com PAP (FORTE).

9. Sugere-se intervenções comportamentais e solução de problemas no início do tratamento de pacientes adultos com AOS com PAP (CONDICIONAL). Intervenções educacionais e comportamentais melhoram em muito a adesão ao tratamento em todos os casos; a força da recomendação caiu devido principalmente a ausência da qualidade de vida como desfecho avaliado nos artigos analisados, sendo este um dos principais desfechos buscados pela força tarefa.

10. Sugere-se o uso de telemonitorização para guiar intervenções no início do tratamento com PAP em adultos com AOS (CONDICIONAL). Os dados obtidos dos artigos mostraram melhora na adesão e redução nos escores de gravidade da AOS quando a telemonitorização do uso do PAP é usada para ajustes no início do tratamento, porém não houve melhora clínica significativa (principalmente em relação à sonolência diurna). Ela poderá portanto ser usada e provavelmente é benéfica, mas pode incorrer em mais custos para o usuário.
Além das recomendações, alguns outros fatores foram analisados pela força tarefa, com possíveis benefícios no tratamento da AOS, como considerações adicionais:

  • Muitos aparelhos de PAP atuais permitem o uso de perfis modificados de pressão, para maior conforto do paciente. Não houve diferença estatística significativa com o PAP tradicional na qualidade do tratamento, mas esta modalidade pode ajudar principalmente em casos de dificuldade de adaptação e pacientes refratários. Mais estudos são necessários.
  • A máscara utilizada também influencia muito na adesão do paciente; existem preferências pessoais e os casos devem ser analisados individualmente. Apesar de estatisticamente não haver superioridade em um determinado tipo de máscara, as máscaras nasais levam a menos efeitos colaterais que as orais ou oronasais, e devem ser as primeiras a serem utilizadas, visando melhor adaptação.
  • O uso de umidificação no sistema de PAP alivia os efeitos colaterais relacionados ao ressecamento das vias aéreas, apesar de não melhorar significativamente a eficácia do tratamento em termos estatísticos, elevar os custos e potencialmente danificar/contaminar o sistema (devido ao acúmulo de água no circuito do PAP por condensação).
  • As recomendações deste artigo visaram atualizar à luz dos conhecimentos mais recentes e da experiência dos experts na área do uso da pressão aérea positiva no tratamento da apneia obstrutiva do sono, além de trazer algumas orientações sobre boa prática médica e considerações sobre fatores que podem influenciar o tratamento direta ou indiretamente, levantando questões que deverão ser investigadas e reavaliadas no futuro buscando sempre uma melhor definição de condutas baseadas no benefício ao paciente.

O artigo em questão traz de forma muito prática as novas recomendações da AASM sobre o uso do PAP no tratamento da AOS. Dados recentes mostram que a prevalência da AOS no Brasil é enorme (assim como em todo o mundo), entretanto é uma doença muito pouco valorizada em termos de saúde pública, apesar de ser responsável por grande carga de comorbidade e perda de produtividade na população em geral.

Poucos são os pacientes diagnosticados adequadamente, mesmo no contexto privado, e menos ainda são tratados de forma correta. A discussão do diagnóstico não cabe no contexto deste artigo, mas supondo que foi realizado da maneira adequada, fica claro que as evidências da literatura apontam a necessidade de medidas educacionais sobre a doença, e tão importante quanto o uso do PAP, o seguimento e adaptação ao mesmo.

É frequente em nosso meio que se prescreva o tratamento e logo depois se perca o acompanhamento do paciente; isto reduz ou invalida o benefício do PAP, pois de nada adianta a aquisição do aparelho se ele é utilizado de forma inadequada em casa, se causa desconforto ao paciente (o paciente dificilmente manterá o uso se este for o caso) ou se a pressão prescrita se tornar obsoleta (se o paciente perde ou ganha peso, por exemplo).

Faz-se necessário avaliar bem inicialmente, orientar bem o paciente e acompanhar de perto, principalmente no início do tratamento, se o PAP está sendo utilizado de forma correta. O APAP e a polissonografia domiciliar ainda são pouco presentes em nosso meio, mas devem se tornar mais difundidos, devido ao seu menor custo; esbarramos aí também na necessidade de orientação do paciente, para que elas sejam eficazes.

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Referências:

  • Susheel P. Patil et al. Treatment of Adult Obstructive Sleep Apnea with Positive Airway Pressure: An American Academy of Sleep Medicine Clinical Practice Guideline. Journal of Clinical Slepp Medicine
    http://dx.doi.org/10.5664/jcsm.7640

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