NeurologiaMAR 2018

Disfagia em vítimas de AVE: rastreamento e avaliação

O artigo “Effect of Dysphagia Screening Strategies on Clinical Outcomes After Stroke” aborda o tema do rastreamento e avaliação da disfagia em pacientes vítimas de acidente vascular encefálico (AVE).

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Por Eduardo Moura Assad Monteiro dos Santos
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O artigo “Effect of Dysphagia Screening Strategies on Clinical Outcomes After Stroke” aborda o tema do rastreamento e avaliação da disfagia em pacientes vítimas de acidente vascular encefálico (AVE). Existem diversos protocolos diferentes, incluindo ou não exames complementares cuja disponibilidade é variável. Além disso, nem todos os protocolos incluem avaliação de risco de broncoaspiração e pneumonia e nem sempre estes dados estão explícitos. O comitê responsável pelos guidelines de 2018 da Stroke para AVE isquêmico encomendou esta revisão de ensaios clínicos controlados randomizados sobre protocolos de rastreamento de disfagia tendo como desfechos pneumonia broncoaspirativa, morbidade e óbito.

O estudo utilizou ensaios randomizados controlados que mostrassem, no mínimo, a comparação entre dois ou mais métodos, incluindo intervenções para melhoria de qualidade de vida, e cujos desfechos incluíssem óbito, pneumonia e morbidade. A revisão resultou em 448 artigos, dentre os quais 20 foram escolhidos para serem revistos na íntegra, resultando apenas em três artigos relevantes que foram utilizados.

O primeiro estudo, QASC study (Quality in Acute Stroke Care), utilizou dados de 19 “stroke units” (unidades de terapia intensiva específicas para AVE) nas quais as enfermeiras eram treinadas por um fonoaudiólogo especializado para aplicação da ferramenta Acute Screening of Swallow in Stroke or TIA. O viés era que não foi possível que o estudo fosse cego. Comparativamente com as “stroke units” controle, as unidades onde foi aplicada a ferramenta mostraram menor desfecho combinado de óbito + morbidade, além de melhores escores em questionários de qualidade de vida, mas não houve diferença significativa no desfecho óbito isolado ou pneumonia broncoaspirativa.

O segundo estudo comparou 311 pacientes vítimas de AVE em dois grupos: um com avaliação de disfagia comum e outro com a avaliação comum mais uma manobra elicitativa de reflexo de tosse (nebulização com ácido cítrico). O risco de viés do estudo foi elevado e não houve diferença significativa no desfecho de pneumonia broncoaspirativa até 90 dias após o teste.

O terceiro artigo utilizou duas enfermarias de um hospital, nas quais eram admitidos pacientes que chegavam com quadro de AVE; em uma delas nada específico era feito (controle) e na outra um protocolo de avaliação clínica de disfagia era aplicado por um médico residente. Os vieses do estudo eram múltiplos, incluindo critérios mal definidos para admissão, falta de randomização, número restrito de pacientes e desfechos obscuros. Concluiu-se que os pacientes da enfermaria com avaliação para disfagia tinham menos chance de precisar de ventilação mecânica em 90 dias e menor mortalidade geral.

O que devemos avaliar nos diferentes métodos de imagem no AVEi agudo?

A conclusão do artigo é que infelizmente não foi possível a obtenção de dados suficientes para conclusão de qual melhor teste de rastreamento ou intervenção para disfagia, e nem seu real impacto na morbimortalidade do paciente vítima de AVE. Os dois estudos menores selecionados eram de má qualidade e não possuem poder estatístico para nenhuma conclusão significativa, enquanto que o estudo maior e de melhor qualidade (QASC), apesar de ter demonstrado resultado significativo da intervenção, possui um fator de confundimento importante: a intervenção para disfagia era aplicada em conjunto com protocolos de controle de febre e glicemia, logo não podemos afirmar que a redução de morbimortalidade se deveu apenas ao protocolo de disfagia. Mais estudos, e de melhor qualidade e especificidade são necessários para quantificar o efeito deste tipo de avaliação e intervenção.

Em relação ao diagnóstico da disfagia, o primeiro passo para seu tratamento eficaz, também existem diversos métodos; um artigo anterior fez uma revisão extensa, mostrando que os melhores são o teste de deglutição de volume-viscosidade, o Toronto Bedside Swallowing Screening Test e o teste de deglutição de 90ml (3 onças) de água, porém não haviam dados suficientes para comparar qual o melhor entre eles.

DISCUSSÃO

No Brasil, o acidente vascular encefálico (AVE) segue como maior causa de morte (excetuando as externas), porém há de se ressaltar que também é uma causa de morbidade muito importante. Certamente uma das causas mais importantes de perda de qualidade de vida, além de propensão a outros eventos adversos (desnutrição, infecções respiratórias, problemas odontológicos) é a disfagia.

Nos pacientes vítimas de AVE que apresentam este sintoma, em nosso país a prática mais difundida de abordagem inicial é a dieta via cateter nasoenteral no momento do evento agudo; nas unidades de saúde e hospitais onde há disponibilidade de fonoaudiólogo (infelizmente nem todas as unidades que recebem pacientes vítimas de AVE possuem acesso a estes profissionais), em geral, são estes que avaliam individualmente os pacientes acerca da viabilidade de progressão para dieta oral, além de instituírem as medidas para reabilitação neste contexto.

Em muitos casos quando a disfagia é grave e não consegue ser manejada de outra forma, ou quando não há disponibilidade de reabilitação, muitos pacientes acabam evoluindo para necessidade de meios de nutrição alternativos, como a gastrostomia percutânea.

Assim como evidenciado no artigo em questão, não há uniformidade de conduta para diagnóstico e abordagem da disfagia no paciente vítima de AVE no Brasil, até mesmo porque não há nem mesmo disponibilidade de profissionais capacitados para tal em todas as unidades de saúde. Tendo em vista a prevalência desta condição e o potencial de comorbidades e novas internações, além de aumento da mortalidade a longo prazo nestes pacientes, podemos afirmar com toda certeza que investimentos para que todos os pacientes vítimas de AVE, que apresentem disfagia, tenham acesso a medidas diagnósticas e de reabilitação com profissional capacitado, tanto no contexto do evento agudo tanto após alta hospitalar para prevenção secundária de eventos adversos, são necessários no Brasil para que a morbimortalidade do acidente vascular encefálico em geral seja reduzida.

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Referências:

  • Effect of Dysphagia Screening Strategies on Clinical Outcomes After Stroke: A Systematic Review for the 2018 Guidelines for the Early Management of Patients With Acute Ischemic Stroke. Eric E. Smith, David M. Kent, Ketan R. Bulsara, Lester Y. Leung, Judith H. Lichtman, Mathew J. Reeves, Amytis Towfighi, William N. Whiteley and Darin B. Zahuranec on behalf of the American Heart Association Stroke Council. Stroke. 2018;49:e123-e128, originally published January 24, 2018. https://doi.org/10.1161/STR.0000000000000159

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O artigo “Effect of Dysphagia Screening Strategies on Clinical Outcomes After Stroke” aborda o tema do rastreamento e avaliação da disfagia em pacientes vítimas de acidente vascular encefálico (AVE). Existem diversos protocolos diferentes, incluindo ou não exames complementares cuja disponibilidade é variável. Além disso, nem todos os protocolos incluem avaliação de risco de broncoaspiração e pneumonia e nem sempre estes dados estão explícitos. O comitê responsável pelos guidelines de 2018 da Stroke para AVE isquêmico encomendou esta revisão de ensaios clínicos controlados randomizados sobre protocolos de rastreamento de disfagia tendo como desfechos pneumonia broncoaspirativa, morbidade e óbito.

O estudo utilizou ensaios randomizados controlados que mostrassem, no mínimo, a comparação entre dois ou mais métodos, incluindo intervenções para melhoria de qualidade de vida, e cujos desfechos incluíssem óbito, pneumonia e morbidade. A revisão resultou em 448 artigos, dentre os quais 20 foram escolhidos para serem revistos na íntegra, resultando apenas em três artigos relevantes que foram utilizados.

O primeiro estudo, QASC study (Quality in Acute Stroke Care), utilizou dados de 19 “stroke units” (unidades de terapia intensiva específicas para AVE) nas quais as enfermeiras eram treinadas por um fonoaudiólogo especializado para aplicação da ferramenta Acute Screening of Swallow in Stroke or TIA. O viés era que não foi possível que o estudo fosse cego. Comparativamente com as “stroke units” controle, as unidades onde foi aplicada a ferramenta mostraram menor desfecho combinado de óbito + morbidade, além de melhores escores em questionários de qualidade de vida, mas não houve diferença significativa no desfecho óbito isolado ou pneumonia broncoaspirativa.

O segundo estudo comparou 311 pacientes vítimas de AVE em dois grupos: um com avaliação de disfagia comum e outro com a avaliação comum mais uma manobra elicitativa de reflexo de tosse (nebulização com ácido cítrico). O risco de viés do estudo foi elevado e não houve diferença significativa no desfecho de pneumonia broncoaspirativa até 90 dias após o teste.

O terceiro artigo utilizou duas enfermarias de um hospital, nas quais eram admitidos pacientes que chegavam com quadro de AVE; em uma delas nada específico era feito (controle) e na outra um protocolo de avaliação clínica de disfagia era aplicado por um médico residente. Os vieses do estudo eram múltiplos, incluindo critérios mal definidos para admissão, falta de randomização, número restrito de pacientes e desfechos obscuros. Concluiu-se que os pacientes da enfermaria com avaliação para disfagia tinham menos chance de precisar de ventilação mecânica em 90 dias e menor mortalidade geral.

O que devemos avaliar nos diferentes métodos de imagem no AVEi agudo?

A conclusão do artigo é que infelizmente não foi possível a obtenção de dados suficientes para conclusão de qual melhor teste de rastreamento ou intervenção para disfagia, e nem seu real impacto na morbimortalidade do paciente vítima de AVE. Os dois estudos menores selecionados eram de má qualidade e não possuem poder estatístico para nenhuma conclusão significativa, enquanto que o estudo maior e de melhor qualidade (QASC), apesar de ter demonstrado resultado significativo da intervenção, possui um fator de confundimento importante: a intervenção para disfagia era aplicada em conjunto com protocolos de controle de febre e glicemia, logo não podemos afirmar que a redução de morbimortalidade se deveu apenas ao protocolo de disfagia. Mais estudos, e de melhor qualidade e especificidade são necessários para quantificar o efeito deste tipo de avaliação e intervenção.

Em relação ao diagnóstico da disfagia, o primeiro passo para seu tratamento eficaz, também existem diversos métodos; um artigo anterior fez uma revisão extensa, mostrando que os melhores são o teste de deglutição de volume-viscosidade, o Toronto Bedside Swallowing Screening Test e o teste de deglutição de 90ml (3 onças) de água, porém não haviam dados suficientes para comparar qual o melhor entre eles.

DISCUSSÃO

No Brasil, o acidente vascular encefálico (AVE) segue como maior causa de morte (excetuando as externas), porém há de se ressaltar que também é uma causa de morbidade muito importante. Certamente uma das causas mais importantes de perda de qualidade de vida, além de propensão a outros eventos adversos (desnutrição, infecções respiratórias, problemas odontológicos) é a disfagia.

Nos pacientes vítimas de AVE que apresentam este sintoma, em nosso país a prática mais difundida de abordagem inicial é a dieta via cateter nasoenteral no momento do evento agudo; nas unidades de saúde e hospitais onde há disponibilidade de fonoaudiólogo (infelizmente nem todas as unidades que recebem pacientes vítimas de AVE possuem acesso a estes profissionais), em geral, são estes que avaliam individualmente os pacientes acerca da viabilidade de progressão para dieta oral, além de instituírem as medidas para reabilitação neste contexto.

Em muitos casos quando a disfagia é grave e não consegue ser manejada de outra forma, ou quando não há disponibilidade de reabilitação, muitos pacientes acabam evoluindo para necessidade de meios de nutrição alternativos, como a gastrostomia percutânea.

Assim como evidenciado no artigo em questão, não há uniformidade de conduta para diagnóstico e abordagem da disfagia no paciente vítima de AVE no Brasil, até mesmo porque não há nem mesmo disponibilidade de profissionais capacitados para tal em todas as unidades de saúde. Tendo em vista a prevalência desta condição e o potencial de comorbidades e novas internações, além de aumento da mortalidade a longo prazo nestes pacientes, podemos afirmar com toda certeza que investimentos para que todos os pacientes vítimas de AVE, que apresentem disfagia, tenham acesso a medidas diagnósticas e de reabilitação com profissional capacitado, tanto no contexto do evento agudo tanto após alta hospitalar para prevenção secundária de eventos adversos, são necessários no Brasil para que a morbimortalidade do acidente vascular encefálico em geral seja reduzida.

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Referências:

  • Effect of Dysphagia Screening Strategies on Clinical Outcomes After Stroke: A Systematic Review for the 2018 Guidelines for the Early Management of Patients With Acute Ischemic Stroke. Eric E. Smith, David M. Kent, Ketan R. Bulsara, Lester Y. Leung, Judith H. Lichtman, Mathew J. Reeves, Amytis Towfighi, William N. Whiteley and Darin B. Zahuranec on behalf of the American Heart Association Stroke Council. Stroke. 2018;49:e123-e128, originally published January 24, 2018. https://doi.org/10.1161/STR.0000000000000159

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Eduardo Moura Assad Monteiro dos SantosEduardo Moura Assad Monteiro dos Santos
Eduardo Moura Assad Monteiro dos Santos ⦁ Neurologista ⦁ CRM 52.91983-7 ⦁ Praça Saens Peña, 45, sala 1110 - Tijuca, Rio de Janeiro ⦁ Telefones: (21) 2254-9669, (21) 2567-7696, (21) 99871-3591

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