Dispepsia na atenção primária: qual o melhor manejo?

A dispepsia é um sintoma com muitas definições, contudo, pode ser entendida de modo mais simples como um desconforto no andar superior do abdômen. 

O manejo de sintomas inespecíficos é rotina nos cenários de atenção primária, sendo um deles a dispepsia. A dispepsia é um sintoma com muitas definições diferentes atribuídas ao termo. Contudo, pode ser entendida de modo mais simples como um desconforto no andar superior do abdômen. Esse desconforto pode se manifesta na forma de dor, queimação, regurgitação, empachamento entre outros. A esse conjunto de sintomas denominamos sintomas dispépticos.

Bastante comum na atenção primária, um a cada cinco adultos em algum momento da vida vai apresentar pelo menos um sintoma dispéptico com repercussões em seu ciclo de vida. Contudo, embora altamente prevalente, o sintoma está mais relacionado à diminuição de qualidade de vida e custos em saúde (diretos e indiretos) do que à mortalidade. Dentre todos os indivíduos com esse tipo de sintoma, pelo menos 40% irá recorrer à auxílio médico em cenários ambulatoriais de atenção primária.

médica mostrando diagnóstico de dispepsia para paciente

Manejo da dispepsia

O manejo desse sintoma é bastante claro em pacientes que já tenham seguimento endoscópico prévio ou por alguma outra condição de saúde. Em pacientes com perda de peso excessiva, anemia, astenia, fadiga, prostração e, sobretudo, disfagia para sólidos em associação com a dispepsia também não há dúvidas do manejo endoscópico evidentemente necessário.

Por outro lado, pacientes sintomáticos sem causa investigada para o sintoma que chegam virgens de tratamento, qual a melhor conduta a ser tomada?

Nessa situação as opções de conduta são:

  • Endoscopia imediata;
  • Teste não invasivo para H. pylori, se positivo (+) proceder endoscopia (denominaremos essa conduta como “test and scope”);
  • Teste não invasivo para H. pylori, se +, proceder erradicação de H. pylori (denominaremos essa conduta como “test and treat”);
  • Realizar controle de pH (ou supressão de acidez) de modo empírico;
  • Tratamento guiado pelo sintoma dispéptico.

As estratégias possíveis para esse tipo de sintomas são muito abrangentes, contudo não há consenso na literatura que indique a melhor opção para pacientes sem investigação prévia, sintomáticos e virgens de tratamento. De modo geral, os estudos comparativos não mostram superioridade ou inferioridade em nenhuma delas, de modo que tem seus resultados individuais “comparáveis”.

Diante disso, um pesquisador da universidade de Bologna, na Itália, em associação com outros pesquisadores de diferentes países realizaram uma revisão sistemática de literatura e metanálise para responder à seguinte pergunta:
“Qual o melhor manejo para casos de dispepsia não investigada em pacientes sintomáticos virgens de tratamento?”

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O estudo

Para responder a pergunta os pesquisadores realizaram o que pode ser entendido como o estudo mais abrangente sobre o tema em termos de revisão de literatura até o momento. Utilizando o protocolo PRISMA, os pesquisadores avaliaram 8.781 estudos entre 1947 e 2019 procurando por estudos do tipo ensaio clínico randomizados e controlados, em pacientes adultos (acima de 18 anos) que avaliaram pacientes com dispepsia não investigada anterior à primeira abordagem com um seguimento de pelo menos 12 meses.

Para desfecho primário os pesquisadores avaliaram a resolução de sintomas ao final do 12º mês de seguimento; e como desfechos secundários a chance de se realizar uma endoscopia, insatisfação com o tratamento e detecção de neoplasias.

A busca resultou ao final de aplicação de critérios de inclusão e exclusão em 15 ensaios clínicos com um total de 6162 pacientes que foram categorizados em cinco braços:

  • Endoscopia imediata (N= 1942);
  • Test and scope (N= 484);
  • Test and treat (N= 1938);
  • Redução de acidez (N= 1329);
  • Tratamento guiado por sintomas (N=469).

Os resultados das análises metanalíticas evidenciaram que a conduta que mais reduziu a presença de sintomas após 12 meses foi o tratamento guiado por sintomas, seguida pelo test and treat. Contudo, o test and treat foi a intervenção que mais reduziu o risco de submissão do paciente à endoscopia.

Há um paradoxo nos achados, apesar de tratamento guiado por sintomas ser a forma mais eficaz para desfecho primário positivo e test and treat ser a intervenção de melhor risco/benefício, os pacientes tendem a preferir a endoscopia imediata como melhor conduta inicial, especialmente pensando no desfecho principal como controle de sintomas.

É importante se avaliar a importância da boa comunicação clínica na hora da decisão clínica compartilhada. Embora a maioria dos pacientes prefiram essa modalidade de abordagem,ela é a que está associada à maior risco de complicação, ausência completa de benefícios em relação às demais modalidades, maior custo e impacto na funcionalidade do indivíduo.

Agora você já é capaz de responder a pergunta que iniciou a discussão desse texto. Nas próximas vezes em que um paciente lhe procurar para iniciar o tratamento de dispepsia você já sabe como conduzir o raciocínio clínico.

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Take-home message

  1. Test and treat é a melhor abordagem para pacientes com queixa de dispepsia não investigada e virgens de tratamento.
  2. Nenhuma forma de intervenção se mostrou superior às demais para redução de sintomas ao final de 12 meses de seguimento.
  3. Pacientes tendem a preferir intervenção endoscópica como abordagem inicial, mesmo que ela não esteja relacionada a benefício adicional em comparação às demais intervenções.
  4. Test and treat reduz as chances de necessidade de endoscopia para manejo.
  5. Manejo guiado por sintomas é a abordagem terapêutica mais eficaz para resolução de sintomas ao final de 12 meses de seguimento, e você encontra todas essas opções terapêuticas no Whitebook.

Referência bibliográfica:

  • Eusebi, L. H., Black, C. J., Howden, C. W., & Ford, A. C. (2019). Effectiveness of management strategies for uninvestigated dyspepsia: systematic review and network meta-analysis. bmj, 367.

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