Dispositivos cardíacos implantáveis: fatores de risco para infecções

Infecções por dispositivos cardíacos implantáveis, como marca-passos e cardiodesfibriladores, são pouco frequentes, mas possuem um grande impacto clínico.

Infecções relacionadas a dispositivos cardíacos implantáveis, como marca-passos e cardiodesfibriladores, são pouco frequentes, mas possuem um grande impacto clínico. A incidência habitual é inferior a 2% dos pacientes na maioria dos registros, mas estes eventos estão relacionados a custos elevados, internações prolongadas e aumento da morbidade e mortalidade, que pode chegar até cerca de 20%.

Vários estudos e metanálises buscaram investigar os fatores de risco envolvidos nas infecções relacionadas a estes dispositivos, porém, devido a uma grande variabilidade nas definições para este tipo de complicação e na metodologia utilizada, até o momento existiam poucas evidências seguras sobre estes preditores.

Infecções em dispositivos cardíacos implantáveis

O estudo PADIT (Prevention of Arrhythmia Device Infection Trial) representa o maior estudo realizado até o momento no que se refere a infecções relacionadas à dispositivos cardíacos implantáveis. Ele avaliou mais de 19.000 pacientes, em 28 centros, comparando a ocorrência de infecção após o implante de dispositivos em dois regimes de antibioticoterapia profilática: a convencional (cefazolina pré-procedimento) versus incremental (cefazolina pré-procedimento mais vancomicina, lavagem da loja com bacitracina intraprocedimento e dois dias de cefalexina via oral após o procedimento).

O desfecho primário do estudo – hospitalização por infecção – foi reduzido em 23% no grupo incremental, porém esta diferença não foi estatisticamente significativa, o que poderia ser explicado pela taxa de evento inesperadamente baixa nesta população.

Apesar de o estudo PADIT não fornecer dados definitivos sobre o esquema profilático ideal, Birnie et al utilizaram sua população muito representativa para investigar fatores de risco independentes para infecção. Para isto, utilizaram modelos de regressão logística multivariada a partir de fatores suspeitos e observaram a ocorrência de hospitalização por infecção em até 1 ano após o procedimento índice.

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O desfecho foi observado em 177 pacientes (0.9%) e cinco preditores independentes foram identificados:

  • Procedimento prévio: a ocorrência de infecção esteve diretamente ligada a preexistência de um procedimento. Houve incremento a partir de um procedimento, porém a chance era muito maior com dois ou mais procedimentos prévios;
  • Idade: de modo intuitivamente paradoxal, a idade avançada foi um fator protetor para infecção. A partir do modelo completo, foram criadas categorias de idade para as quais havia diferença significativa de risco. Pacientes com idade inferior a 60 anos tiveram chance maior de apresentar infecções em relação a pacientes de 60 a 69 anos e estes, por sua vez, maior chance em relação aos pacientes com mais de 70 anos. Este comportamento da idade em relação ao risco de infecções, neste contexto, já havia sido identificado em outros estudos menores. Apesar de não existir ainda uma explicação definitiva sobre o fenômeno, especula-se que a menor resposta imune de pacientes mais velhos à bactérias de baixa virulência possam explicar infecções subclínicas e autolimitadas, diferentemente dos pacientes mais jovens que tendem a ter respostas inflamatórias mais pronunciadas. Diferenças em relação a quantidade e composição do tecido subcutâneo de pacientes mais idosos também podem estar relacionados;
  • Queda da função renal: pacientes com redução do clearance renal (<30 ml/min), apresentaram chance aproximadamente 50% maior de apresentarem infecção.
  • Imunocomprometimento: pacientes em uso crônico ou recente de corticosteroides, quimioterapia, infecção pelo HIV ou doenças hematológicas apresentaram mais que o dobro de chance de infecções.
  • Tipo de procedimento: o risco envolvido variou conforme o tipo de procedimento. A ocorrência de infecção foi progressivamente maior em pacientes submetidos ao implante de cardiodesfibrilador implantável (CDI), ao implante de Ressincronizador e aos submetidos à uma revisão ou upgrade de terapia (com necessidade de troca de gerador e/ou eletrodos), quando comparados com o implante de um marcapasso comum.

A partir de um modelo completo e da magnitude correspondente da razão de chances de cada preditor, um modelo simplificado para o uso clínico foi desenvolvido – o PADIT score. Neste modelo, foram atribuídas pontuações para cada categoria dos preditores e definidas faixas de risco, conforme a tabela abaixo.

Os autores sugerem que este modelo poderia ser facilmente aplicado na prática clínica, não só como um escore prognóstico, mas também para guiar condutas, embora esta hipótese ainda precise ser adequadamente testada.

Como exemplo, um paciente com pontuação elevada (≥7) poderia ser um candidato ao uso de vancomicina profilática, uma vez que alguns guidelines já recomendam genericamente o uso deste antibiótico em pacientes com alto risco para infecção de sítio cirúrgico. Ainda neste contexto, pacientes de alto risco poderiam receber terapias específicas, como o uso de envelopes antibióticos nos geradores.

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As principais limitações do estudo estão relacionadas a possíveis preditores de risco que não puderam ser testados. Por exemplo, não há dados sobre o uso de anticoagulação e regimes antiplaquetários, que poderiam estar relacionados a ocorrência de hematomas, que, por sua vez, representam um fator de risco conhecido para infecções.

Outra limitação se refere ao tempo de ocorrência da infecção, que não contempla infecções muito tardias, que ocorrem após 1 ano.

PADIT Score
  OR Pontos no escore
Idade

(ref. ≥70 anos)

   
<60 1.63 2
60-69 1.43 1
Tipo de procedimento

(ref. marcapasso)

   
CDI 1.83 2
TRC 2.87 4
Upgrade / Revisão 4.16 5
Insuficiência renal

(ClCr <30ml/min)

1.48 1
Imunodepressão 2.24 3
Número de procedimentos (ref. nenhum)    
1 1.51 1
≥2 3.37 4
Pontuação total e risco de hospitalização por infecção
0-4 pontos:

baixo risco (<1%)

5-6 pontos:

risco intermediário (1-3%)

≥7 pontos:

alto risco (>3%).

OR = “Odds ratio” ou razão de chances; Ref. = referência  de comparação para a qual o risco seria neutro; CDI = cardiodesfibrilador implantável; TRC = terapia de ressincronização; ClCr = clearance de creatinina.

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Referência bibliográfica:

  • Birnie et al. – Development of a Device Infection Risk Score – JACC VOL. 74, NO. 23, 2019 DECEMBER 10, 2019:2845–54

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