Doença Arterial Periférica: novidades da diretriz europeia de 2017

Este mês a European Society of Cardiology (ESC) publicou uma nova diretriz sobre doença arterial periférica (DAP). Em nosso texto separamos os pontos principais para você.

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Este mês a European Society of Cardiology (ESC) publicou uma nova diretriz sobre doença arterial periférica (DAP). Como a maior parte dos seus documentos, é um texto bastante completo e didático, com gráficos e tabelas que ajudam muito a fixar o tema.

O primeiro aspecto do documento é definição: DAP não é somente a aterosclerose em membros inferiores, mas sim em qualquer sítio arterial. Como é uma área do conhecimento compartilhada com o cirurgião vascular, o foco da diretriz é o tratamento clínico desses pacientes, não se prendendo a detalhes da técnica cirúrgica. Além disso, como é uma sociedade de cardiologia, abordou-se apenas a DAP causada por aterosclerose, excluindo outras etiologias, como vasculites e dissecção.

Em nosso texto separamos os pontos principais para você, divididos didaticamente em “princípios gerais” e nas doenças periféricas mais comuns: carótida e membros inferiores.

Princípios gerais do tratamento

A maior preocupação da ESC foi enfatizar que a aterosclerose é doença sistêmica e, como tal, todo paciente com DAP deve receber tratamento anti-aterosclerose. Em relação ao processo diagnóstico, na maioria das DAPs o exame inicial é o ultrassom com doppler; a angioTC ou a angioRM são reservadas para detalhamento anatômico quando há previsão de intervenção cirúrgica ou endovascular. A arteriografia é pouco utilizada apenas para diagnóstico, sendo reservada para os casos de tratamento endovascular.

Estatinas Dose máxima: pacientes com DAP são equivalentes de alto risco na doença cardiovascular
Alvo (baseado na diretriz ESC): LDL < 70 mg/dl e pelo menos 50% de redução se LDL basal estava entre 70-135 mg/dl
Anti-hipertensivos iECA e BRA são drogas de escolha na HAS
Não há contra-indicação aos betabloqueadores!!! Mesmo em pacientes com LEAD*
Meta PA ≤ 140×90 mmHg (em diabéticos, considerar PA diastólica ≤ 85 mmHg)
Antiplaquetários Monoterapia em todos os pacientes. Exceção: LEAD assintomática, no qual não há indicação formal de antiplaquetários**.
Dupla antiagregação por 30 dias após stent endovascular
Em pacientes com indicação para anticoagulação sistêmica (ex: FA) e portadores de LEAD*, pode-se não associar antiagregante plaquetário, salvo se portador de stent
Um estudo sugere que na DAP o clopidogrel seria mais eficaz que AAS em monoterapia.
Controle glicêmico estrito
Interrupção tabagismo

*LEAD: lower-extremity arterial disease – doença arterial isquêmica de membros inferiores. Você achou estranho este termo? Nós também! Mas é uma iniciativa da ESC para que as pessoas lembrem que DAP vai além de doença arterial dos MMII.
**Mas lembre que são pacientes de alto risco e você pode, frente a um escore de risco global elevado, considerar o AAS como prevenção primária de doença cardiovascular geral.

Doença Carotídea

É definida pela presença de obstrução ≥ 50% na carótida extracraniana. É considerada assintomática se não há sintomas nos últimos 6 meses. É este subgrupo no qual há maior divergência se o benefício de intervenção supera os riscos. Apesar de não haver consenso, a maior parte dos autores recomenda intervenção quando há preditores de alto risco de AVC:

  • Infartos cerebrais silenciosos na RM ou TC do SNC
  • AVC ou AIT no território cerebral contralateral
  • A estenose piora progressivamente com o passar do tempo (> 20%)
  • Doppler transcraniano visualiza microembolização espontânea
  • Placas largas e/ou brilhantes no US (“ecolucentes”) (alto risco embolização)
  • Área hipoecogênica justaluminal no US (placa instável)
  • RM com hemorragia na placa de aterosclerose e/ou centro rico em lipídeos (placa instável)

No paciente sintomático, o momento da intervenção também é tema de estudos recentes e a conclusão é que há maior benefício nos primeiros 14 dias após AVC/AIT. Em pacientes com grandes áreas de AVC, deve-se evitar as primeiras 48h, pois há maior risco de transformação hemorrágica.

*Caso boa expectativa de vida e centro médico com baixo índice de complicações / boa experiência com procedimento.
**Há muito debate nessa área, mas em geral a cirurgia tem resultados levemente superiores no longo prazo, sendo o stent melhor opção no paciente com alto risco cirúrgico, nos > 70 anos e se anatomia favorável. Considerar o uso de “protetores” (“rede ou guarda-chuva”) contra a embolização durante o procedimento. Além disso, as melhores evidências são para obstruções de 70-99%, em comparação com aquelas entre 50-69%.

Doença Arterial Isquêmica de Membros Inferiores (LEAD)

O índice tornozelo-braquial (ITB) é a principal ferramenta diagnóstica. O método ideal utiliza um doppler arterial portátil, mas é possível associar o método palpatório da PA. Está recomendado:

  • Claudicação intermitente
  • Sinais de isquemia arterial em MMII
  • Doença aterosclerótica em outros sítios
  • Pessoas > 65 anos
  • Pessoas < 65 anos, mas escore de risco global cardiovascular alto
  • Pessoas > 50 anos e história familiar de LEAD

Além disso, considere um ultrassom para screening de aneurisma de aorta abdominal em todo paciente com LEAD.

O tratamento clínico nós já comentamos anteriormente neste texto. Mas e o tratamento sintomático? A diretriz não enfatiza. Diz que a maioria dos estudos tem resultados questionáveis, muita variabilidade e não modifica desfechos “duros”, como morte, IAM ou AVC. Nem o cilostazol escapa dessa análise…

Nesse momento do plano terapêutico, é preciso categorizar a LEAD em três subgrupos.

Aguda Todos os pacientes:

HEPARINA

(dose plena)

Membro viável, sem déficit neurológico: cirurgia e/ou endovascular urgente.
Membro viável, déficit neurológico: cirurgia de emergência, em geral endovascular. Avaliar trombólise in situ*.
Lesões irreversíveis (ex: necrose dedos): amputação.
Crônica Sintomática AAS

Estatina

1ª opção: exercícios!
2º opção: revascularização, que pode ser cirurgia ou endovascular.

Cirurgia: lesões longas, distais, complexas.

Endovascular: lesões curtas, proximais, leito distal bom.

“Chronic Limb-Threatening Ischemia” Classificar gravidade pelo esquema WIfI (“WiFi”):

Wound (ferida): profundidade e presença de necrose

Isquemia, avaliada pelo ITB

fI: foot infecção, gravidade da infecção

Tentar sempre revascularização para reduzir área amputada
Controle rígido da glicemia
Tratamento de infecções intercorrentes

*Não há indicação de trombólise sistêmica na LEAD.

Neste momento, cabe um comentário sobre “Chronic Limb-Threatening Ischemia”: antigamente chamada de “isquemia crítica de MMII”, teve a denominação modificada justamente para chamar a atenção para o componente multifatorial da lesão. A maior parte dos pacientes são diabéticos e há três mecanismos concorrentes:

  1. Isquemia
  2. Neuropatia
  3. Ferida infectada

O cenário usual é um diabético com necrose e/ou úlcera > 2 semanas, com ITB < 0,40. A dor de claudicação nem sempre está presente devido à neuropatia concomitante, o que retarda a procura de auxílio médico e contribui para a doença só ser percebida quando há necrose irreversível. A história clássica é o paciente diabético de longa data, sem queixas, que observa uma ferida nos pododáctilos que não cicatriza. Isso tanto é verdade que nos textos sobre diabetes já aparece como “síndrome do pé diabético”. Por isso, o cuidado médico é multiprofissional e requer:

  • Antibióticos com cobertura polimicrobiana. Na comunidade, amoxicilina/clavulanato ou ciprofloxacino/clindamicina.
  • Debridamento de feridas de tecido infectado, com curativo diário.
  • Revascularização para melhorar condições do coto.
  • Amputação de áreas necróticas. Na “necrose seca”, é possível agendar a cirurgia com calma, mas quando há infecção não-controlada, é uma urgência médica.

E o que mais há de novidade?

Doença arterial MMSS Tratamento com cirurgia ou endovascular nos casos de:

Sintomas refratários graves

Necessidade de uso da mamária para cirurgia miocárdica

Doença bilateral, a fim de facilitar medida da PA

Doença renovascular Não há indicação de intervenção para controle da HAS.

O raro caso de intervenção será paciente com perda da função renal, edema pulmonar recorrente, cujo rim ainda seja viável e haja estenose de rim único ou bilateral.

Doença arterial mesentérica É mais comum na mesentérica superior.

Pode ser aguda ou crônica.

Na forma aguda, o d-dímero tem sido utilizado de modo similar à TVP: se negativo, afasta doença; se positivo, prossiga a investigação.

O tratamento endovascular é mais utilizado que o cirúrgico.

Na diretriz, diz que não se deve retardar a revascularização em pacientes sintomáticos só para melhorar suporte nutricional, mesmo em casos crônicos.

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