Doença de Alzheimer pode ter relação com anestesia?

Sendo uma das patologias cognitivas atuais mais comum, seu surgimento está relacionado a fatores tanto intrínsecos do organismo como ambientais mutáveis.

A doença de Alzheimer é uma doença caracterizada por uma demência tardia progressiva que conduz ao declínio da capacidade cognitiva. É uma das patologias cognitivas mais comuns nos dias atuais, acometendo cerca de 5% da população mundial acima de 65 anos.

O surgimento dessa síndrome está relacionado a vários fatores, tanto intrínsecos do organismo, como alterações proteicas e amiloides, como a fatores ambientais mutáveis como: trauma cranioencefálico, dislipidemias, doenças cardiovasculares, diabetes e hipertensão.

Representação gráfica do cérebro de um paciente com Alzheimer.

Doença de Alzheimer

Seu diagnóstico está baseado no desenvolvimento de sintomas cognitivos e comportamentais associados ao declínio de desempenho sem a presença de delírios ou distúrbios psiquiátricos justificáveis. Durante seu desenvolvimento ocorre o acúmulo de placas senis e emaranhados neurofibrilares por agregados de proteínas amiloides e da proteína TAU, levando a um estresse oxidativo, inflamação e disfunção neuronal com morte celular.

Os fatores ambientais citados anteriormente também podem quebrar a homeostase e levar a um folding proteico anormal. Nesse contexto, vários estudos têm questionado fatores como cirurgias e exposição a anestesia como também fatores de risco, uma vez que podem fomentar a resposta ao estresse inflamatório. Porém, em estudos clínicos, têm-se encontrado muita dificuldade em separar o que é decorrente da cirurgia do que é decorrente da exposição anestésica, uma vez que são fatores interligados.

Modelos experimentais realizados em ratos, com diversas características físicas e com mutação genética para a doença de Alzheimer, constataram que a exposição frequente a gases inalatórios como halotano, isoflurano e sevoflurano levam a um efeito direto sobre as proteínas amiloides e a proteína TAU, além de apresentarem respostas clínicas associadas a síndrome como alterações comportamentais e aumento da mortalidade.

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Além dos efeitos dos halogenados, também foi constatado que a exposição ao propofol determinou aumento da proteína TAU em ratos por efeito direto da droga no organismo. Porém, estudos realizados com ratos, possibilitaram dividir as amostras em grupos submetidos a procedimentos e grupos submetidos apenas a exposição de gases anestésicos por longos períodos. Situações que não podem ser realizadas em seres humanos.

Necessidade de mais estudos

Apesar de haver muitas evidências que a exposição a anestesia pode desencadear demência em pacientes suscetíveis, não se tem ainda estudos que comprovem a correlação exata deste efeito com o desenvolvimento da doença de Alzheimer. A maioria dos pacientes estudados, submetidos a cirurgias não cardiovasculares e que apresentaram quadro de demência no pós-operatório, não desenvolveram quadro clínico compatível com Alzheimer, apesar de necessitarem de uma maior dependência social e apresentarem maior taxa de mortalidade no pós operatório.

Vários estudos atuais, avaliaram diversas populações de pacientes em várias situações tanto clínicas como cirúrgicas. Em uma análise realizada em pacientes submetidos a cirurgias cardiovasculares com idade maior que 55 anos, 30% apresentaram maior grau de demência e déficit de cognição no pós-operatório em um período de até 7 anos, porém os autores concluíram que esse desfecho poderia tanto estar relacionado a exposição a cirurgia/anestesia como a ligação com idade e doença cardiovascular preexistente.

Outro estudo utilizando gêmeos dinamarqueses com idade superior a 70 anos e submetidos ou não a procedimentos cirúrgicos, evidenciou que os mais idosos e submetidos a cirurgias de grande porte apresentaram maior déficit cognitivo que os outros. Porém os autores concluíram que o tamanho das diferenças encontradas nos resultados era negligenciável.

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Outro estudo realizou a comparação de pacientes acima de 65 anos sem história prévia de demência ou déficit cognitivo e submetidos a cirurgias de médio e grande porte. Esse estudo mostrou que 40% dos pacientes evoluíram sem nenhum déficit neurológico, fazendo os autores concluírem que não houve associação da exposição da anestesia/cirurgia ao desenvolvimento de doença de Alzheimer.

Para finalizar, um outro estudo realizado pela clínica Mayo com pacientes submetidos a cirurgias diversas com idade superior a 40 anos evidenciou maior número de déficit de cognição em pacientes com idade mais avançada, superior a 70 anos. O que fez os autores não excluírem a possibilidade de associação de exposição anestésica/cirúrgica com Doença de Alzheimer principalmente em pacientes com idade avançada.

Analisando os resultados

Com essas análises chega-se à conclusão que os estudos realizados em laboratórios levam a uma maior relação da associação da exposição da anestesia e cirurgia com o desenvolvimento do déficit cognitivo. Contudo, nesses estudos as cobaias podiam ser submetidas a exposição anestésica isolada e por longos períodos. Já estudos clínicos hospitalares, analisando populações de pacientes, apesar de demonstrarem evidências de aumento de casos de demência e Alzheimer em pacientes submetidos a cirurgias, foram inconclusivos sobre sua real origem, podendo estar tanto relacionados ao curso natural da idade, genética, fatores de risco ou exposição a estresse anestésico-cirúrgico.

Muitos aprimoramentos nos estudos ainda devem ser realizados, como seleção de amostras suficientes, grupos de controle apropriados, melhores testes de cognição no pré e pós-operatório e uso de imagem e biomarcadores específicos para diagnóstico de Alzheimer.

O que devemos ter em mente é que a prevalência da doença de Alzheimer está cada vez mais alta pelo envelhecimento da população, e muitos pacientes idosos precisam cada vez mais serem submetidos a algum tipo de procedimento cirúrgico durante o decorrer da vida e que independente da causa, o déficit cognitivo pós-operatório é uma realidade clínica a ser avaliada e tratada efetivamente.

Referências bibliográficas:

  • Marques AFVS, et al. Anestesia e doença de Alzheimer – Percepções atuais. Brazilian Journal of Anesthesiology. 2018 Abr;68(2): 174-182
  • Chen CW, Lin CC, Chen KB, Kuo YC, Li CY, Chung CJ. Increased risk of dementia in people with previous exposure to general anesthesia: a nationwide population‐based case‐control study. Alzheimers Dement. 2014 Mar;10(2):196-204. doi: 10.1016/j.jalz.2013.05.1766.
  • Dubois B, Feldman HH, Jacova C, et al. Advancing research diagnostic criteria for Alzheimer’s disease: the IWG‐2 criteria. Lancet Neurol. 2014 Jun;13(6):614-29. doi: 10.1016/S1474-4422(14)70090-0.

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