Doença de Crohn: quais os impactos na qualidade de vida de pacientes pediátricos?

A doença de Crohn é uma doença inflamatória intestinal que pode acometer da cavidade oral ao ânus. Como ela interfere na vida das crianças?

A doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória intestinal (DII) caracterizada pelo potencial de acometimento de qualquer segmento, desde a cavidade oral até o ânus, em grau variável de atividade, gravidade e repercussão clínica.

Ela gera um grande impacto na qualidade de vida dos pacientes, devido aos sintomas, como dor abdominal, sangramento intestinal, diarreia, parada de crescimento e doença perianal, por exemplo. Além disso, algumas atividades rotineiras do dia a dia podem ser limitadas por conta da DC, influenciando negativamente no bem-estar dessa população.

O impacto desfavorável na qualidade de vida (QV) dos pacientes com DC está altamente ligado à dificuldade em se atingir a remissão clínica de forma efetiva e aos transtornos psicológicos que podem surgir durante o curso da doença, como ansiedade e depressão.

O Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition (JPGN) publicou, em janeiro deste ano, um artigo que avaliou justamente a QV de 218 pacientes pediátricos com DC, com idades entre 10 e 17 anos, através do questionário IMPACT-III, uma medida de autorrelato composta por 35 itens e adaptada para crianças com idade superior a 8 anos e adolescentes com DII.

médica consultando criança com doença de Crohn

Doença de Crohn em pacientes pediátricos

As perguntas compreendem seis grandes áreas, distribuídas entre sintomas intestinais, sistêmicos, emocionais, questões sociais, imagem corporal e tratamentos/intervenções. Para cada pergunta, as crianças indicaram suas respostas em uma escala de pontos, numerada de 0 a 4. As pontuações foram linearmente transformadas em um intervalo de 0 a 100 (0: 100; 1:75; 2:50; 3:25; e 4: 0). As respostas de todas as 35 perguntas foram somadas e divididas pelo número de perguntas respondidas. A pontuação total IMPACT-III variava de 0 (pior QV possível) a 100 (melhor possível QV).

Foi considerada também uma análise de variáveis epidemiológicas dos pacientes e características de atividade da doença, esta última avaliada por meio do Pediatric Crohn’s Disease Activity Index (PCDAI).

O trabalho foi realizado na França e contou com cerca de 50 centros de referência em gastroenterologia pediátrica do país entre setembro e dezembro de 2016.: A mediana de idade dos pacientes do estudo em questão foi de 14 anos. Já a mediana de duração da doença foi de 3,2 anos, com uma idade mediana no diagnóstico de 11 anos. A presença de doença perineal foi evidenciada em 18,7% dos pacientes e 7,3% tiveram manifestações extra digestivas. Distúrbios psicológicos gerais estiveram presentes em 18,3%, ansiedade em 10% e depressão em 2,8%.

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Quase todos os pacientes estavam recebendo algum tratamento medicamentoso: cerca de 74,8% estavam recebendo terapia com biológicos, 52% recebiam terapia com imunossupressor, 6,8% com corticoide e 5% com terapia nutricional. Dentre todos os pacientes do estudo, de acordo com o PCDAI, 63% estavam em fase de remissão da doença, leve atividade em 29,8%, moderada em 5,5% e severa em 1,7%.

A pontuação total média do IMPACT-III para toda a população foi 62,8 . Os itens com o melhor resultado foram “questões sociais” (82,1), seguido por “sintomas intestinais” (79,4) e “tratamentos/intervenções” (69,0).”Questões emocionais ” foi o subdomínio com os piores resultados (42,8), seguido por ” sintomas sistêmicos ” (62,2) e ” imagem corporal ” (62,6). A pergunta com a pontuação mais baixa foi ” se sentindo chateado porque sua doença intestinal é uma condição para toda a vida.”

Discussão e conclusão

Dentre as variáveis analisadas, a remissão clínica foi o principal fator independente associado a QV de crianças com DC. A presença de transtornos psicológicos foi um parâmetro associado com uma QV mais baixa.

A pontuação média da QV, avaliada pelo IMPACT-III, foi de 62,8 em toda a população, um índice pior do que nos estudos pediátricos de Chouliaras et al. (2) ou Ogden et al. (3), mas que também obtiveram taxas de remissão maiores.

De acordo com estudos anteriores, a atividade da doença é um fator principal independente que influencia a QV de crianças com DC e um escore de qualidade de vida significativamente mais baixo foi visto em pacientes com doença ativa em comparação com pacientes em fase de remissão. A presença de distúrbios psicológicos também foi um fator independente que afetava negativamente a QV, como já se era esperado.

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Vários estudos prévios também mostraram que adolescentes com DII apresentam uma QV inferior (28-30), enquanto Gallo et al. (4) não encontraram qualquer associação entre idade e QV. No presente estudo, apenas 19% das crianças tinham distúrbios psicológicos. Engstrom e Lindquist (5) relataram que 60% das crianças com DII têm transtornos psiquiátricos, predominantemente ansiedade e depressão, contra 15% no grupo de controle.

Os resultados também sugerem que os tipos de medicamentos não tinham efeito na QV. Alguns estudos relataram o efeito negativo da terapia enteral e corticosteroides na QV de crianças com DC. Esses dados não foram registrados no estudo em questão, em parte porque esses tratamentos foram usados ​​em fase inicial da doença após o diagnóstico de DC.

Outras medidas terapêuticas devem ser integradas ao cuidado geral dos pacientes do DC, como exercícios regulares e a prevenção das barreiras que dificultam a adesão ao tratamento. Assim, a remissão clínica deve ser o objetivo principal do cuidado em crianças com DC, não se esquecendo do suporte e manejo psicológico

Referências bibliográficas:

  • Gourdonneau A et al Clinical Remission and Psychological Management are Major Issues for the Quality of Life in Pediatric Crohn Disease. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2021 Jan 1;72(1):74-79. doi: 10.1097/MPG.0000000000002865. PMID: 32740538.
  • Chouliaras, G., Margoni, D., Dimakou, K., Fessatou, S., Panayiotou, I., & Roma-Giannikou, E. (2017). Disease impact on the quality of life of children with inflammatory bowel disease. World journal of gastroenterology, 23(6), 1067–1075. https://doi.org/10.3748/wjg.v23.i6.1067
  • Ogden CA, Akobeng AK, Abbott J, Aggett P, Sood MR, Thomas AG. Validation of an instrument to measure quality of life in British children with inflammatory bowel disease. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2011 Sep;53(3):280-6. doi: 10.1097/MPG.0b013e3182165d10. PMID: 21865975.
  • Gallo J, Grant A, Otley AR, Orsi M, MacIntyre B, Gauvry S, Lifschitz C. Do parents and children agree? Quality-of-life assessment of children with inflammatory bowel disease and their parents. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2014 Apr;58(4):481-5. doi: 10.1097/MPG.0000000000000236. PMID: 24663034.
  • Engström I, Lindquist BL. Inflammatory bowel disease in children and adolescents: a somatic and psychiatric investigation. Acta Paediatr Scand. 1991 Jun-Jul;80(6-7):640-7. doi: 10.1111/j.1651-2227.1991.tb11923.x. PMID: 1867081.

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