Doenças fúngicas invasivas nos pacientes com leucemia mieloide aguda

A profilaxia antifúngica é um dos pilares no manejo de tais indivíduos, e o reconhecimento das doenças com consequente intervenção precoce é fundamental.

Neoplasias hematológicas e seus tratamentos aumentam a suscetibilidade a infecções bacterianas e fúngicas. Pacientes em quimioterapia para leucemia mieloide aguda (LMA) estão sob maior risco de doenças fúngicas invasivas (DFI), que representam importante causa de morbidade e mortalidade.

Portanto, a profilaxia antifúngica é um dos pilares no manejo de tais indivíduos, e o pronto reconhecimento das doenças com consequente intervenção precoce é fundamental. Discutiremos a seguir os principais aspectos relacionados à profilaxia e apresentaremos alguns pontos relevantes do diagnóstico de DFI na LMA.

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Profilaxia:

A escolha do antifúngico a ser usado é individualizada, dependendo do risco de infecção.

Fatores de risco:

– Status da doença de base – A ocorrência é maior durante terapia de resgate para leucemia recaída/refratária, mas há significante número de casos de aspergilose em pacientes durante indução de remissão. Apesar do grau (< 100 neutrófilos/mm³) e da duração (≥ 10-14 dias) da neutropenia durante os ciclos de consolidação, há menor taxa de incidência de aspergilose invasiva nessa fase do tratamento, refletindo o “efeito protetor” da remissão completa.
– Estado imunológico (imunossupressão)
– Disfunção orgânica – Mucosite aumenta o risco de candidíase invasiva, enquanto que pneumopatia favorece o desenvolvimento de aspergilose invasiva.
– Exposição a fungos oportunistas (colonização)

Estratificação de risco:

Os principais parâmetros a serem avaliados são a duração prevista da neutropenia secundária ao tratamento e a probabilidade de remissão. Fatores como citogenética desfavorável, hiperleucocitose, idade avançada e performance status ruim associam-se a menor chance de atingir remissão completa e consequentemente a maior período de neutropenia, representando, portanto, fatores de maior risco para DFI.

Classificação quanto ao risco de infecção:

– Grupo de alto risco:

  • História prévia de DFI;
  • Terapia de resgate para doença recaída/ refratária;
  • Indução de remissão + algum dos seguintes critérios:
  • Neutropenia ao diagnóstico;
  • Baixa probabilidade de remissão;
  • Idade ≥ 65 anos;
  • Pneumopatia significativa;
  • Alto risco de morte relacionada ao tratamento.

– Grupo de risco intermediário: pacientes que não preenchem critérios para alto ou baixo risco.
– Grupo de baixo risco:

  • Doença recém-diagnosticada (indução de remissão ou consolidação);
  • Idade ≤ 45 anos;
  • Ausência de fatores de risco para DFI.

Manejo de acordo com o grupo de risco:

– Grupo de alto risco: recomenda-se profilaxia com voriconazol ou posaconazol, atendando-se para as possíveis interações medicamentosas entre o antifúngico e os quimioterápicos.
– Grupo de risco intermediário: recomenda-se profilaxia com fluconazol, com troca para voriconazol ou posaconazol se infecção (provável ou confirmada). Essa estratégia permite reduzir os custos, a toxicidade e as interações medicamentosas relacionados ao uso dos antifúngicos.
– Grupo de baixo risco: recomenda-se profilaxia com fluconazol, particularmente quando há grande chance de mucosite.

Considerações:

A avaliação da medula óssea no 15º dia pós-início do esquema de indução de remissão também interfere na estratificação de risco e consequentemente no manejo dos pacientes. Indivíduos previamente classificados como risco intermediário ou baixo que apresentem contagem de blastos maior ou igual a 5% são reclassificados como risco alto, devendo-se substituir a profilaxia com fluconazol por voriconazol ou posaconazol.

Além do uso profilático de antifúngico, outras medidas preventivas podem ser tentadas:

– Melhorar estado imunológico dos pacientes (como administração de menor dose de citarabina na consolidação em pacientes com citogenética favorável);
– Diminuir risco de disfunção orgânica, particularmente pulmonar:

  • Prevenção de infecções virais;
  • Impedimento de contato com indivíduos doentes;
  • Cessação de tabagismo.

– Reduzir exposição a fungos oportunistas:

  • Instalação de filtros de ar nos quartos dos pacientes;
  • Precauções durante construções e demolições de prédios.

Diagnóstico:

As manifestações clínicas dependem do sítio de infecção, do estado imunológico do paciente e da virulência do patógeno. Durante aplasia medular, febre inexplicada é a apresentação mais frequente, seguida de pneumonia com ou sem sinusite e, menos comumente, acometimento cutâneo. Infecções disseminadas são mais raras. Recomenda-se acompanhar os pacientes com anamnese, exame físico, hemogramas e PCR diários e dosagem de galactomanana três vezes por semana. Outros exames complementares são indicados conforme a suspeita clínica.

A curva de galactomanana nos pacientes neutropênicos para diagnóstico de aspergilose invasiva tem suas vantagens e desvantagens. Por um lado, favorece o diagnóstico precoce (o que permite o início do tratamento antes mesmo da instalação de um quadro clínico mais exuberante), o monitoramento da resposta ao tratamento (sendo esperada ótima resposta quando há normalização dos seus níveis na primeira semana após soroconversão) e a distinção entre aspergilose progressiva e síndrome inflamatória de reconstituição imune. Por outro lado, apresenta sensibilidade reduzida quando se utiliza profilaxia com voriconazol ou posaconazol, resultados falso-positivos por interferência de antibióticos de amplo espectro e positividade também na infecção por Fusarium sp (devendo ser diferenciada pelos achados clínicos e laboratoriais).

Na neutropenia febril, o tratamento antifúngico empírico (quando há persistência de febre após sete dias de antibioticoterapia de amplo espectro) não é indicado rotineiramente, pelo risco de efeitos colaterais, desenvolvimento de resistência e interações medicamentosas. Recomenda-se início do tratamento quando há positivação de galactomanana, quadro clínico e achados radiológicos sugestivos de infecção fúngica. O agente de escolha depende da profilaxia que estava sendo utilizada. Por exemplo, pacientes em profilaxia com voriconazol ou posaconazol e com evidências clínicas, laboratoriais e radiológicas de DFI devem receber anfotericina B.

Pacientes neutropênicos febris refratários à antibioticoterapia de amplo espectro devem ser submetidos à tomografia de seios da face e tórax, mesmo que assintomáticos. Não há achado tomográfico patognomônico de aspergilose, podendo ser observados nódulos inespecíficos, cavitação, sinal do halo e/ou sinal do crescente aéreo. Se o paciente apresentar achados radiológicos sugestivos de aspergilose, porém com galactomananas negativas, deve-se indicar broncoscopia para obtenção de lavado broncoalveolar.

Qualquer paciente com neutropenia prolongada, como nos casos de LMA, tem risco de DFI, mesmo aqueles recebem profilaxia adequada. Tanto para profilaxia quanto para tratamento, deve-se considerar a relação risco x benefício. Antifúngicos podem causar efeitos colaterais e interagir com outros medicamentos, além de aumentarem o custo do tratamento. Estratificação de risco pré-quimioterapia, monitoramento dos pacientes e realização de exames complementares diante de suspeita de infecção são importantes para a boa prática clínica.

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banner250x250Referências bibliográficas:

  • Nucci M, Anaissie E. How we treat invasive fungal diseases in patients with acute leukemia: the importance of na individualized approach. Blood Journal, 2014.
  • Pfeiffer CD, Fine JP, Safdar N. Diagnosis of invasive aspergillosis using a galactomannan assay: a meta-analysis. Clinical Infectious Diseases, Oxford Journals, 2006.
  • Pagano L, Caira M, Candoni A. The epidemiology of fungal infections in patients with hematologic malignancies: the SEIFEM-2004 study. Haematologica, 2006.

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