É possível ter algum grau de imunidade à Covid-19 antes mesmo de pegar a doença?

A resposta imune contra o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, causador da Covid-19, tem sido amplamente estudada, embora ainda tenhamos poucos resultados.

A resposta imune contra o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, tem sido amplamente estudada, apesar de ainda termos poucos resultados para o assunto. Isso porque, dentre as várias estratégias de enfrentamento possíveis para essa doença, talvez a mais potente seja investir na imunização. Várias vacinas têm sido testadas e, junto à demanda de desenvolvimento de formulações eficazes, há também a dúvida sobre o quanto a imunidade contra a Covid-19 realmente é tão protetora quanto precisamos. Perguntas frequentes quanto qual tipo de imunidade é mais importante contra esse novo vírus ou quanto tempo essa imunidade dura são algumas das mais frequentes.

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Apesar de a resposta imune humoral ser a mais objetivada através das vacinas, um corpo de evidências frequentes tem evidenciado como a imunidade celular também tem papel importante na fisiopatologia da Covid-19. Além disso, quando falamos de infecções virais é comum encontrarmos a chamada imunidade pré-existente, em que o contato prévio com outros vírus semelhantes permite ao sistema imune “pular etapas” e reagir com mais intensidade e rapidez a um vírus novo.

Logo, vários pesquisadores de diferentes países começaram a testar se esse tipo de imunidade afeta também o SARS-CoV-2. E o que eles descobriram? Que os linfócitos de até 50% dos indivíduos não expostos à Covid-19 apresentam algum tipo de reatividade ao novo vírus.

Representação gráfica do vírus causador da Covid-19, para qual se busca imunidade

Estudo sobre imunidade à Covid-19

Um estudo estadunidense, por exemplo, testou linfócitos de amostras de sangue doadas entre 2015 e 2018 (antes do surgimento do novo coronavírus) e descobriu que até 50% deles reagiam ao novo vírus como uma forma de resposta imune pré-existente. A maior reatividade era contra outras partes do vírus que não a proteína de espícula, que é a mais específica dele, mas também foi observada reação a esse antígeno.

Ao todo, cerca de 5 estudos já demonstram claramente esse tipo de imunidade, sendo encontrada reatividade em todos os tipos de linfócitos T (CD4 helper, CD4 killer e CD8). É importante lembrar que nenhum dos indivíduos analisados nessas pesquisas havia sido infectado por ou tido qualquer tipo de contato com o novo coronavírus. Mais interessante ainda é que esse padrão foi observado em diferentes localizações geográficas. Isso levou os cientistas a concluírem que esse tipo de imunidade pré-existente pode ser ubíquo.

Busca de respostas

A principal teoria é a de que essa imunidade surge de uma reação cruzada em que linfócitos previamente sensibilizados por outros coronavírus (frequentes causadores de resfriados comuns) reagem ao subtipo mais presente por causa de sua composição semelhante. Estima-se que aproximadamente 90% da população mundial seja soropositiva para pelo menos 3 tipos de coronavírus diferentes.

A importância desse tipo de conhecimento encontra-se no fato de que a imunidade pré-existente pode interferir na intensidade da Covid-19. Presume-se que tal reação cruzada possa explicar, por exemplo, porque algumas pessoas têm formas tão leves e outras formas tão graves ao longo de todas as faixas etárias. Para outros vírus, a imunidade pré-existente é especialmente importante na articulação da resposta imune em mucosas, incluindo as respiratórias, que são a principal porta de entrada do SARS-CoV-2.

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Um exemplo desse tipo de reação é encontrado na forma de influenza causada pelo H1N1. A distribuição de gravidade dos casos segue um formato em “V”, de forma que os mais graves acontecem em pessoas jovens enquanto os idosos saudáveis têm menor incidência de complicações. Uma das explicações para isso é que, décadas atrás, o mundo passou por uma pandemia causada por outro tipo de H1N1 e a reatividade cruzada (presente nos idosos) gerada por essa exposição prévia é o que faz com que a doença seja menos intensa em idades mais avançadas.

Conclusão

Porém, por mais atraente que essa perspectiva seja, ainda é muito cedo para empolgação. Primeiramente, a imunidade pré-existente não consegue explicar sozinha porque a Covid-19 é tão mais grave em idosos, ao mesmo tempo que é praticamente assintomática em crianças. Além disso, em outros tipos de infecções virais, como é o caso da dengue, a reatividade cruzada é mais deletéria que benéfica; na verdade, resulta em uma doença mais grave na segunda infecção. Em outras palavras, ainda não se sabe se essa imunidade pré-existente ao novo coronavírus atenua ou piora a sua infecção.

Outra complicação é que a existência dessa reatividade cruzada pode falsear os resultados do desenvolvimento de vacinas. Indivíduos com imunidade pré-existente, por exemplo, podem desenvolver uma reação mais potente à vacina. Isso daria a falsa impressão de que a vacina em si é que é muito eficaz.

São necessários ainda mais estudos para estabelecer a real importância da imunidade pré-existente à Covid-19. De qualquer maneira, é importante que os estudos e desenvolvimento de vacinas se atentem para a existência dela a fim de melhor controlar as intervenções e gerar resultados mais confiáveis.

Referências bibliográficas:

  • Sette A. Crotty S. Pre-existing immunity to SARS-CoV-2: the knowns and unknowns. Nature Reviews Immunology, 2020 jul 7; 1-2. Springer Science and Business Media LLC. doi:10.1038/s41577-020-0389-z.

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