É possível utilizar métodos point-of-care para controle da anticoagulação na SAF?

A anticoagulação por toda a vida é o tratamento padrão da síndrome antifosfolípide (SAF), trombofilia adquirida de etiologia autoimune.

A anticoagulação por toda a vida é o tratamento padrão da síndrome antifosfolípide (SAF), trombofilia adquirida de etiologia autoimune. Diversos ensaios clínicos falharam em demonstrar a não inferioridade dos anticoagulantes orais diretos (DOACs) em relação aos inibidores de vitamina K (VKA) no tratamento dessa doença. Dessa forma, o uso de VKA continua sendo o tratamento recomendado para pacientes portadores da SAF.

Apesar do benefício relacionado à prevenção de eventos tromboembólicos, sabemos que os VKA necessitam de frequentes coletas de amostras de sangue venoso para análise do INR, o que pode ser extremamente desconfortável para os pacientes.

Leia também: Consenso internacional sugere atualização de critérios de classificação para síndrome antifosfolípide definitiva (SAF)

Com o objetivo de reduzir as idas aos laboratórios e reduzir a quantidade de sangue coletado, foram criados dispositivos point-of-care para análise do INR, que muito se assemelham a um glicosímetro. Esses dispositivos foram pouco estudados na SAF e, portanto, seu uso clínico não tem sido feito de rotina. Além disso, o próprio fabricante faz ressalvas com relação ao seu uso nesse contexto, devido à potencial interação dos reagentes com o anticoagulante lúpico.

O objetivo do nosso estudo foi avaliar a aplicabilidade do CoaguChek® XS dentro de uma coorte bem definida de pacientes com SAF trombótica, utilizando o INR venoso tradicional como comparador, e avaliar os potenciais fatores clínicos e laboratoriais capazes de interferir com os resultados apresentados.

É possível utilizar métodos point-of-care para controle da anticoagulação na SAF

Métodos

Trata-se de um estudo transversal e monocêntrico, conduzido no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).

Pacientes com SAF primária ou secundária foram incluídos de maneira consecutiva. No momento da inclusão, foram coletados simultaneamente sangue venoso com mínima estase para realização da dosagem laboratorial do INR e sangue capilar para a realização  da dosagem do INR pelo CoaguChek® XS.

Uma diferença inaceitável de INR foi definida como uma diferença superior a |0,5| unidades entre os testes.

Os procedimentos estatísticos realizados podem ser encontrados no artigo original.

O aparelho e as fitas do CoaguChek® XS foram doados pela Roche®. No entanto, a empresa não participou da coleta, processamento, análise, escrita ou publicação do artigo.

Resultados

Foram incluídos 94 pacientes com SAF, sendo 46 primários e 48 secundários ao lúpus eritematoso sistêmico (LES). A idade média dos pacientes foi de 43,3 anos, sem diferença entre os grupos. A proporção de pacientes simples, duplo e triplo positivos foi de 54,3%, 27,6% e 18,1%, respectivamente. A única diferença encontrada entre os grupos foi a maior positividade do FAN nos pacientes com SAF/LES, o que já era esperado.

Apesar de os dois testes apresentarem uma excelente correlação linear global (r 0,95, IC95% 0,93-0,97, p<0,001), em especial para valores de até 4 de INR (todos estratos com r>0,85), o valor médio encontrado pelo CoaguChek foi de 2,94±1,41, superior ao obtido através do método de laboratório tradicional (2,43±0,86), que é considerado o padrão laboratorial para acompanhamento da anticoagulação oral com VKA.

A diferença média entre os testes foi de 0,42±0,54. A equação derivada do modelo de regressão linear foi a seguinte: INR tradicional = 0,719 + 0,577*INR CoaguChek. Esse modelo matemático apresentou um ótimo coeficiente de determinação (R2=0,87).

Apesar disso, encontramos que os pacientes com INR ≥ 3 apresentaram grandes proporções de diferenças inaceitáveis entre os métodos, atingindo valores de 100% com INR entre 3 e 4 e 85% com INR ≥ 4.

Nenhuma variável clínica ou laboratorial (incluindo perfil de aPL) foi preditora de um pior desempenho do CoaguChek em nossa coorte.

Comentários

Apesar da excelente correlação linear entre os métodos, os valores mais elevados de CoaguChek e a grande proporção de diferenças clinicamente inaceitáveis limitam o uso desse dispositivo em pacientes com SAF.

Saiba mais: Uso de apixabana na síndrome antifosfolípide (SAF): resultados do estudo ASTRO-APS

Como podem perceber, os maiores problemas estão nos INR com valores supraterapêuticos. Caso o paciente esteja em uso desse dispositivo e o INR esteja acima de 4, é fundamental que ele realize uma medida do INR através do método laboratorial tradicional.

Dessa forma, com base nos dados apresentados, não devemos fazer uso da monitorização point-of-care da anticoagulação em pacientes com SAF.

Disclaimer: Gustavo Balbi é coautor do estudo original comentado aqui.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Fonseca MES, Balbi GGM, Signorelli F, et al. CoaguChek® XS versus standard laboratory prothrombin time for anticoagulant monitoring in patients with antiphospholipid syndrome. Lupus. 2022 Apr;31(5):565-574. DOI: 10.1177/09612033221086134.

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