Ebola: conheça o vírus que ressurgiu no Congo recentemente

O Ebola é causado pelo vírus do gênero Ebolavirus, cuja a mortalidade é elevada. Desde a identificação em 1976, a doença provocou mais de 20 epidemias.

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Entre 2013 e 2016, o mundo vivenciou a pior epidemia de Ebola da história, com mais de 28 mil casos confirmados e 11 mil mortes. A alta mortalidade e o potencial de disseminação levaram a uma corrida na tentativa de desenvolvimento de medicamentos e vacinas ativos contra o vírus. Recentemente, a revista Lancet publicou uma revisão sobre o tema, abordando o conhecimento atual sobre a doença.

O Ebola é causado pelo vírus do gênero Ebolavirus, o qual possui cinco espécies: Reston ebolavirus, Taï Forest ebolavirus, Bundibugyo ebolavirus, Sudan ebolavirus e Zaire ebolavirus. Até o momento, somente as últimas três espécies foram associadas a epidemias em humanos. Em todos os casos, a mortalidade é elevada, sendo de 25% para os casos causados pelo vírus Bundibugyo, 50% para o vírus Sudan e 80% para o vírus Zaire (ou simplesmente vírus Ebola).

Desde a identificação em 1976, o Ebola foi responsável por mais de 20 epidemias, a maior delas entre 2013 a 2016, que afetou países da África Ocidental, principalmente Guiné, Serra Leoa e Libéria, tanto em áreas urbanas quanto rurais. Embora, até o momento, os surtos de Ebola tenham sido limitados a países africanos, casos secundários foram relatados na Espanha e nos Estados Unidos e a doença tem alto potencial de disseminação internacional, uma vez que é facilmente transmitido entre os seres humanos.

O Ebola é considerada uma zoonose, pois a infecção em humanos ocorre provavelmente ao manusear animais silvestres doentes ou mortos ou por contato direto ou indireto com morcegos infectados. Transmissão secundária pessoa a pessoa pode ocorrer pelo contato direto com sangue, secreções ou outros fluidos corporais, como sêmen, fluido vaginal e leite materno. Vírus no sêmen de sobreviventes podem permanecer infectantes por mais de um ano após a doença, o que caracteriza com uma fonte de transmissão sexual. Casos de transmissão vertical por aleitamento materno também já foram relatados, mas o tempo em que essa forma de transmissão é possível ainda é desconhecido.

Após a infecção, o período de incubação é de aproximadamente dois a 21 dias, após o qual o indivíduo infectado passa a apresentar as manifestações clínicas da doença. Inicialmente, o quadro clínico é semelhante a uma doença viral inespecífica, com febre alta, mal estar, fadiga e mialgia de início agudo como os principais sintomas.

A esses, seguem-se, após alguns dias, sintomas gastrointestinais, como náuseas, vômitos e diarreia, os quais podem variar em gravidade, e causar uma perda de fluidos correspondente a 5 até 10 L/dia nos casos mais graves. Outros sinais e sintomas mais raros incluem tosse, dispneia, soluços, hiperemia conjuntival ou dor localizada.

Após essa fase, alguns pacientes começam a se recuperar, enquanto outros desenvolvem um quadro de choque, possivelmente pelos efeitos combinados de hipovolemia e resposta inflamatória sistêmica. Tais pacientes podem apresentar eventos hemorrágicos, com petéquias, sangramento pelo trato gastrointestinal, hemorragia de mucosas, sangramento conjuntival ou por pontos de punção venosa. Outros sintomas tardios incluem disfagia, dor de garganta e úlceras orais. Sintomas neurológicos são raros, mas convulsões, delirium, confusão e encefalite já foram relatados.

Fase Tempo desde início dos sintomas Quadro clínico Apresentação típica do paciente
Fase leve ou febril inicial 0 – 3 dias Sintomas inespecíficos: febre, fraqueza, letargia e mialgia Paciente ambulatorial, sem necessidade de hidratação venosa
Envolvimento gastrointestinal 3 – 10 dias O mesmo que a fase inicial associado a diarreia e/ou vômitos ou dor abdominal Paciente incapaz de compensar as perdas de fluidos corporais. Indicação de hidratação venosa
Fase complicada 7 – 12 dias O mesmo que a fase com envolvimento gastrointestinal associado a choque hemorrágico, falência orgânica e complicações neurológicas Paciente crítico, geralmente hipovolêmico, podendo apresentar confusão mental e crises convulsivas

Tabela 1: Apresentação da doença por Ebola por fases

Exames laboratoriais podem evidenciar anemia e trombocitopenia com gravidade variada. Disfunção renal, com ou sem proteinúria, e elevação de transaminases, principalmente de TGO, são comuns. Também podem ocorrer elevações de CPK e amilase, com ou sem pancreatite clínica. Distúrbios eletrolíticos são comuns, especialmente hipocalemia, hiponatremia e hipocalcemia. Nos casos de choque e insuficiência renal, o paciente pode apresentar acidose metabólica. Além disso, graus variados de discrasias de coagulação podem se desenvolver.

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Muitos estudos procuraram determinar sinais e sintomas que pudessem ser preditores de maior risco para evolução para casos graves, mas nenhum mostrou acurácia boa o suficiente para ser incorporado à prática clínica. O que as epidemias têm mostrado é que viremias elevadas, combinadas com graves comprometimentos muscular e renal, estão associadas a um maior risco de morte. Da mesma forma, gestantes apresentam maior mortalidade e possuem maior risco de abortos e natimortos.

Sobreviventes podem desenvolver sequelas incapacitantes, como artralgia, artrite e uveíte, a qual pode acarretar o risco de perda visual. Além disso, o efeito da doença sobre a saúde mental dos pacientes e seus familiares não pode ser ignorado. Recomenda-se que os indivíduos que se recuperaram da infecção por Ebola sejam acompanhados regularmente para o desenvolvimento de sintomas reumatológicos, auditivos e oculares, com especial atenção para identificação de déficits visuais e aumento de pressão intraocular.

Atualmente, a melhor ferramenta diagnóstica é o uso de PCR-RT para detecção de RNA viral em amostras de sangue de indivíduos com suspeita de infecção. O pico de viremia ocorre três a sete dias após o início dos sintomas e o PCR torna-se indetectável após duas a três semanas. Portanto, na fase aguda da doença, a maior parte dos pacientes terá viremia detectável no sangue. Entretanto, um único teste negativo não é capaz de excluir a doença e, em indivíduos em que a suspeita é alta, o teste deve ser repetido de forma seriada por 72 h.

Sobreviventes desenvolvem anticorpos IgM e IgG cerca de três semanas após a infecção, o que não ocorre em todos os casos fatais. Portanto, o uso de sorologia só pode ser usado para diagnóstico em uma parcela dos pacientes, e pode ser útil nos casos oligossintomáticos ou assintomáticos. Nesses casos, para o diagnóstico inequívoco, é necessária a detecção de soroconversão ou aumento importante dos títulos de anticorpos específicos.

O tratamento principal consiste em medidas de suporte, com correção de hipovolemia e de distúrbios eletrolíticos e ácido-básicos e tratamento de infecções secundárias. Apesar da administração de cristaloides ser considerada o padrão-ouro do manejo dos pacientes, ainda não está determinada o quão agressiva deve ser a terapia e deve-se estar atento ao desenvolvimento de congestão, principalmente nos casos que evoluem para disfunção renal. Idealmente, função renal, valores de hemoglobina e hematócrito, eletrólitos, ânion gap, e valores de glicose e lactato devem ser monitorados de forma seriada.

Os pacientes tratados em ambientes de terapia intensiva parecem apresentar menor mortalidade do que os tratados em regime de enfermaria ou ambulatorialmente, provavelmente pela possibilidade de oferta de terapias de substituição quando ocorre falência de órgãos, como suporte hemodinâmico, hemodiálise e ventilação invasiva.

A rápida identificação e isolamento dos casos são primordiais para o controle da transmissão da doença. Em locais de epidemia, o envolvimento da comunidade, com medidas educacionais e adoção de práticas seguras de cuidado com os doentes e com a preparação dos corpos para os funerais, é tido como essencial para evitar a disseminação da doença. Em países não afetados diretamente por surtos, alto índice de suspeição e inquérito de possíveis links epidemiológicos são necessários para identificação precoce dos casos.

Apesar dos múltiplos estudos iniciados na última grande epidemia, nenhum medicamento específico contra o vírus mostrou-se efetivo em diminuir a mortalidade da doença até o momento. Estudos para o desenvolvimento de vacinas parecem mais promissores, com a possibilidade de vacinação de trabalhadores de saúde, indivíduos sob alto risco de contrair a doença e mesmo de vacinação de bloqueio para impedir a disseminação da infecção.

Entretanto, a segurança e a imunogenicidade a longo prazo das vacinas estudadas até agora ainda são desconhecidas. Outros problemas que comprometem a adoção da vacinação como forma de prevenção de rotina são a necessidade de sequenciamento genético do vírus circulante para determinar se a vacina utilizada é adequada para conferir proteção e a necessidade de manter uma rede de frio adequada para conservação das doses, ambos difíceis de serem executados em cenários de baixo desenvolvimento socioeconômico.

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Referências:

  • Malvy, D, McElroy, AK, de Clerck, H, Günther, S, van Griensven, J. Ebola virus disease. Lancet 2019; 393: 936-48. Fev 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/ S0140-6736(18)33132-5

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