ECCMID 2022: infecções fúngicas invasivas na covid-19

Em uma das sessões do ECCMID 2022, discutiu-se alguns aspectos relacionados a infecções fúngicas invasivas no contexto da covid-19.

Durante a pandemia de covid-19, um tema que ganhou relevância foram as infecções fúngicas invasivas. O aumento no número de casos relacionados à infecção por SARS-CoV-2 chamou a atenção de profissionais da saúde e cientistas ao redor do mundo, levando até mesmo a definição de uma nova entidade nosológica: a aspergilose pulmonar associada à covid-19 (CAPA).

Embora casos de aspergilose foram os que mais se destacaram nesse contexto, outros fungos também podem complicar o curso da infecção por SARS-CoV-2, especialmente em pacientes criticamente doentes. Em uma das sessões do ECCMID 2022, discutiu-se alguns aspectos relacionados a infecções fúngicas invasivas no contexto da covid-19.

infecções fúngicas

Infecções por fungos filamentosos: aspergilose

  • Dados publicados referentes a uma das maiores coortes de pacientes críticos com covid-19 mostraram uma prevalência de 10 a 20% de casos de CAPA provada ou provável. A coinfecção SARS-CoV-2/Aspergillus spp. foi mais frequentemente diagnosticada no final da primeira semana ou início da segunda de internação (mediana de oito dias). A presença de CAPA foi fator de risco independente para mortalidade em 90 dias.
  • As evidências da literatura até o momento mostram incidência e mortalidade de casos de CAPA semelhantes aos observados em casos de aspergilose pulmonar associada à Influenza (IAPA). Diferenças notáveis são detecção mais precoce nos casos de IAPA (< 72h de admissão) e maior incidência de angio-invasão quando comparados com casos de CAPA (60% vs. 20%, respectivamente).
  • Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de CAPA são o uso de corticoides e de tocilizumabe, especialmente quando em combinação. Uma possível explicação é que IL-6 é essencial para a sinalização de cascatas inflamatórias/imunes necessárias para o controle de infecções fúngicas invasivas.
  • Uma das hipóteses para a associação entre essas pneumonias virais e aspergilose é que as infecções pelo SARS-CoV-2 e por Influenza podem levar a um estado temporário de imunossupressão, favorecendo o crescimento de fungos filamentosos. Pacientes com CAPA apresentam downregulation de genes que expressam proteínas envolvidas na opsonização, reconhecimento e morte de conídios, assim como diminuição de resposta no eixo de INF-gama. Pacientes com IAPA apresentam resultados semelhantes, além de downregulation de processos envolvendo neutrófilos, como quimiotaxia.

Infecções por leveduras: candidemia

  • Durante a pandemia de covid-19, os principais surtos hospitalares observados foram os causados por Acinetobacter spp. e Candida auris. O grande potencial de persistência e disseminação em ambiente hospitalar e a frequente associação desses agentes a padrões de multirresistência a antimicrobianos destaca a relevância desse fenômeno.
  • Um grande estudo indiano encontrou uma prevalência de candidemia de 2,5% em pacientes com covid-19, dos quais 2/3 eram causados por C. auris. A taxa de letalidade foi de 60%. O diagnóstico de candidemia foi realizado entre 10 e 42 dias após admissão hospitalar e a maioria dos pacientes acometidos eram homens e com idade avançada (66 a 88 anos de idade). Dos pacientes com C. auris, 50% receberam ventilação mecânica.
  • Durante a pandemia, aumentos de duas a dez vezes na incidência de candidemia foram observados em estudos de diversos países que compararam coortes de pacientes com essa infecção fúngica com ou sem covid-19.
  • Nesses estudos, não houve diferença entre as espécies mais frequentemente isoladas, sendo C. albicans e C. glabrata as mais comuns. A mortalidade intra-hospitalar por todas as causas foi duas vezes maior nos que apresentaram covid-19 (62,5%) quando comparados com os que não apresentaram (32,1%).
  • Avaliando somente pacientes de CTI, o estudo francês MYCOVID mostrou uma alta incidência de infecções fúngicas invasivas em pacientes em ventilação mecânica com predomínio de CAPA (15%) e candidemia (6%). Os principais fatores de risco independentes para CAPA provada ou provável encontrados na análise multivariada foram idade > 62 anos, tratamento com dexametasona e inibidores de IL-6 e VM prolongada (>14 dias).
  • Já um estudo indiano em pacientes internados em CTI encontrou duas vezes mais risco de desenvolvimento de candidemia em pacientes com covid-19, sendo C. auris a espécie mais isolada nesse país. Fatores de risco independentes para o desenvolvimento de candidemia foram uso de inibidores de IL-6, maior duração de internação no CTI e níveis elevados de ferritina.
  • VM prolongada é outro fator de risco para o desenvolvimento de candidemia que vem ganhando destaque em diferentes estudos.

Mucormicose

  • Espécies de Mucorales podem ser encontradas em qualquer local do globo.
  • A apresentação clínica da infecção invasiva por esses fungos é variada, podendo comprometer trato respiratório, gastrointestinal ou SNC.
  • A incidência de mucormicose sempre foi alta na Índia, associada principalmente à presença de diabetes descontrolado, mas durante a pandemia de covid-19 observou-se um aumento sem precedentes no número de casos. Um estudo epidemiológico multicêntrico no país, mostrou que, comparado com o ano anterior, em 2020 houve um aumento de 2 vezes no número de casos.
  • Nesse estudo, a maior parte dos casos foi da forma naso-orbital (86,1%), seguida das formas cerebral (23,5%), pulmonar (8,6%) e disseminada (2,1%).
  • Fatores de risco para o desenvolvimento da doença foram diabetes e uso de corticoides. Dos pacientes em que a única doença de base foi covid-19, aproximadamente 79% usaram corticoides. A maioria dos diagnósticos (84,2%) ocorreu a partir do oitavo dia após o diagnóstico de covid-19.
  • A mortalidade foi alta, chegando a 45,7% em 12 semanas e hipoxemia e uso inadequado de corticoides foram fatores de risco independentes para mortalidade.
  • Contudo, outro estudo indiano em que controle glicêmico estrito (entre 140 e 180mg/dl) foi instituído em um hospital com grande volume de pacientes com covid-19 não detectou nenhum caso de mucormicose. Esse resultado sugere um importante papel do descontrole glicêmico na suscetibilidade do hospedeiro a mucormicose.
  • Em relação ao diagnóstico, consulta com otorrinolaringologistas para a coleta endoscópica de tecidos desbridamentos ou realização de biópsia é altamente recomendada para os casos suspeitos da forma rino-orbito-cerebral.
  • Para as formas pulmonares e disseminadas, são consideradas altamente sugestivas os achados radiológicos de cavidades de paredes espessas, sinal do halo invertido, consolidações grandes ou pneumonia necrotizante, aneurismas micóticos, sinal do ninho de pássaro (bird’s nest sign), múltiplos nódulos > 1 cm e imagens seriadas com cavidades com nível hidroaéreo.
  • Da mesma forma, linfonodomegalia mediastinal e a presença de nódulos centrolobulares ou com aspecto de árvore em brotamento não sugerem mucormicose.
  • O algoritmo diagnóstico diante de casos suspeitos é baseado na obtenção de espécimes clínicas para cultura e/ou histopatologia. Em formas pulmonares, a presença de hifas não septadas em amostras de escarro ou aspirado traqueal favorecem o diagnóstico de mucormicose provável. Para casos em que a suspeita é grande (quadro clínico e radiológico compatíveis), mas em que não se observa a presença de hifas, broncoscopia ou biópsia das lesões estão indicadas.
  • O tratamento da mucormicose é baseado em medidas de suporte, com controle de glicemia, redução de corticoides e descontinuação de drogas imunomoduladoras, desbridamento cirúrgico extenso que pode envolver lobectomia ou retirada de globo ocular, e terapia antifúngica prolongada.
  • Os polienos são considerados as drogas de primeira linha, com preferência para as formulações lipossomal ou complexo lipídico de anfotericina B. Na indisponibilidade ou intolerância à anfotericina B, isavuconazol ou posaconazol podem ser utilizados. Caso nenhuma dessas opções esteja disponível, itraconazol é uma alternativa.
  • A recomendação é de três a seis semanas de terapia inicial e, após esse período, caso ocorra estabilização clínica, terapia de manutenção pode ser instituída com isavuconazol ou posaconazol VO por três a seis meses.

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