ECMO na pediatria: como realizar comunicação de qualidade durante seu uso?

ECMO é um dispositivo temporário que possibilita a circulação ou oxigenação em situações que não se pode fazê-los de outra forma. Saiba mais.

A oxigenação por membrana extra-córporea (ECMO) é um dispositivo temporário utilizado em pacientes graves, geralmente combinada com outras terapias, de forma a possibilitar a circulação ou oxigenação em situações que não se pode alcançar esses objetivos com outras estratégias.

Recentemente, o público brasileiro passou a conhecer esse procedimento a partir de várias fontes jornalísticas voltadas a noticiar a evolução da doença do ator Paulo Gustavo, que permaneceu em ECMO após complicações geradas por um quadro grave de Covid-19. Essa disseminação de informações a respeito dessa terapia levou mais pessoas a conhecer a técnica e suas indicações, mas ainda existem muitas dúvidas com relação ao prognóstico e alvos relacionados aos cuidados dos pacientes que se utilizam da ECMO como estratégia terapêutica.

ECMO na pediatria

A importância da comunicação

Quando pensamos no paciente pediátrico grave, a situação pode se complicar quando familiares, na maioria das vezes muito estressados com a situação da criança doente, não conseguem compreender a técnica, sua finalidade e suas potenciais limitações. Tratar de um paciente pediátrico grave, com suas complexidades e com todo o impacto emocional que a doença causa em seus familiares, pode ser emocionalmente difícil para os profissionais de saúde, principalmente quando uma comunicação de qualidade não pode ser estabelecida entre a equipe e a família.

Protocolos de boa prática de comunicação são comuns para pacientes graves, mas até o momento não existia um protocolo para essa comunicação voltado para pacientes pediátricos em ECMO. Sendo assim, um artigo publicado na revista Pediatric Critical Care Medicine, em maio de 2021, trouxe um interessante guia para a comunicação de qualidade em pacientes com ECMO, desde o dia da canulação até o momento da decanulação por motivos de falha no tratamento. O artigo não considerou a comunicação para fins de melhora terapêutica, ou seja, decanulação após melhora clínica.

Comunicação deve ser efetuada desde o primeiro dia de uso da ECMO

Os autores enfatizam a importância da comunicação com os familiares assim que for possível, antes ou logo após a canulação, com programação dos objetivos do tratamento. Também é importante que a família receba as más notícias relacionadas ao estado da criança, uma vez que a ECMO geralmente é instalada quando existe alta gravidade com relação à doença. O profissional também deve esclarecer o prognóstico de crianças em ECMO, que geralmente é bem reservado.

Além disso, é importante conhecer quais são as expectativas da família com relação à qualidade de vida da criança após recuperação da doença de base. Muitas crianças, exatamente pela gravidade da doença, irão evoluir com necessidade de outros dispositivos a longo prazo, como traqueostomias e gastrostomias, além de sequelas neurológicas ou de outros órgãos, e isso deve ser trabalhado com a família. Esse conhecimento da expectativa da família a respeito da recuperação da criança é importante para que a equipe possa definir, juntamente com os familiares, até que ponto serão realizadas manobras terapêuticas para manter a vida da criança, qual o melhor momento para definição de decanulação e quando será o momento de instalar medidas paliativas no cuidado. 

A conversa do primeiro dia de ECMO deve ser clara e objetiva, uma vez que a quantidade de novas e más informações pode ser excessiva para os familiares. Porém, a empatia deve ser exercitada e a possibilidade de esperança de bom prognóstico deve ser reiterada para os familiares.

A comunicação do segundo dia de ECMO deve ser voltada para aprofundamento dos riscos e potenciais desfechos da criança. Nesse momento, as famílias já conseguiram digerir as novidades relacionadas ao caso e estão mais propensas a compreender a situação da criança. Também nesse momento, é importante aprofundar as expectativas da família com relação a um desfecho ruim. Uma forma de aprofundar essa discussão é utilizando termos como “E se”: “E se os órgãos não curarem?”, “E se não houve melhora mesmo com a máxima terapia?”. Dessa forma, é possível aprofundar e manter os alinhamentos necessários entre os cuidados oferecidos e o desejo da família.

A equipe responsável pelos cuidados da ECMO também pode ajudar os familiares na compreensão sobre como o dispositivo funciona. Permitir que os familiares participem em cuidados básicos com a criança, como banhos, aplicação de loções na pele e permitir que toquem música para a criança, auxilia no processo de aceitação da família com relação à gravidade do seu filho.

A boa comunicação deve ser efetuada durante todo o processo do cuidado da criança. Como os autores do artigo bem colocaram: “Nosso objetivo é ajudar as famílias a compreenderem e apreciarem os desafios médicos colocados ao mesmo tempo que permanecem com esperança”.

Desafios na comunicação na descontinuação da ECMO com prognóstico desfavorável

Um dos momentos mais difíceis na realização da comunicação é quando a ECMO deve ser descontinuada por não oferecer mais benefícios no cuidado da criança. Em geral, as famílias se apegam ao dispositivo, considerando que é ele quem permite a sobrevivência da criança naquele momento. Dessa forma, o momento em que se estabelece a não eficácia do dispositivo em modificar o prognostico da criança é um dos mais desafiadores para a comunicação e deve ser encarado com a maior seriedade por parte da equipe.

A conversa sobre a decanulação deve enfatizar que o suporte não pode auxiliar nos objetivos previamente estabelecidos ou que a criança está morrendo independente da ECMO. Uma maneira possível de abordar a decanulação é programar o dia e a hora para a decanulação, de forma que possibilite a família a se despedir do dispositivo (e em algumas situações, da própria criança). Combinar com a família esse período de manutenção da ECMO é importante, mas deve-se observar os riscos envolvidos na manutenção do dispositivo na hora de se estabelecer o momento da decanulação.

Leia também: Sobrevida de crianças com insuficiência respiratória submetidas à ECMO

Comunicação efetiva para ajudar a lidar com o fim da vida

Procotolos que colaborem com a comunicação para pacientes graves e no fim da vida são fundamentais para auxiliar os profissionais de saúde a lidarem da melhor forma possível com as dificuldades enfrentadas por familiares com a terminalidade da vida, principalmente na população pediátrica, já que a morte é mais difícil de ser aceita nessa faixa etária.

O protocolo descrito, apesar de ser voltado para crianças em ECMO, pode ser ajustado e aplicado em outras situações de instalação de dispositivos terapêuticos em crianças graves.

Pensar em como tornar a vida dos familiares menos difícil frente a um paciente pediátrico grave deve ser uma preocupação constante de todos os envolvidos nos cuidados desses pacientes. Lembremos de que quando não é possível curar, sempre nos é possível consolar.

Referências bibliográficas:

Moynihan, Katie M. et al. A Communication Guide for Pediatric Extracorporeal Membrane Oxygenation. Pediatric critical care medicine: a journal of the Society of Critical Care Medicine and the World Federation of Pediatric Intensive and Critical Care Societies, 2021. doi: 10.1097/PCC.0000000000002758

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